Está dado que o Brasil não terá uma colheita recorde de trigo na safra 2023/24, devido às chuvas na região Sul e ao avanço de doenças. Mas se não alcançará as 10.6 milhões de toneladas da safra anterior, a produção não será tão ruim graças à expansão do trigo no Cerrado.
Deixado de lado na década de 1980, o plantio do cereal em sete Estados do Brasil central pode ultrapassar 1.5 milhão de toneladas, um aumento de 55% na comparação com 2022/23.
Esse cenário não ocorreu do nada. Por incentivo da Embrapa Trigo, do Rio Grande do Sul, um projeto de expansão foi criado há alguns anos, com a apresentação de cultivares tolerantes à seca e a doenças regionais, e com o incentivo para que indústrias fossem para a região.
Na Bahia, o empresário Idivan Jose Bernardi construiu o Moinho Mercosul em Luís Eduardo Magalhães e está prestes a inaugurar uma unidade em Campo Grande (MS). A Bunge reativou a unidade de Brasília em 2021. E as cooperativas Coamo, C.Vale e Coperalfa têm projetos para Dourados (MS).
Mais ao Norte, no Maranhão, o empresário Alexandre Sales, do moinho cearense Santa Lúcia, incentiva pela segunda safra consecutiva o plantio do cereal. Além de Balsas, ele também está em busca da produção de Luis Eduardo Magalhães (BA).
Mesmo sem finalizar a colheita dos produtores parceiros, o empresário garante que os resultados foram bons. “O índice pluviométrico do Maranhão é ótimo e a incidência de luz mais ainda”. O Santa Lucia processa cerca de 4.000 toneladas de trigo por mês e deve chegar a 5.000 toneladas no ano que vem.
Em 2020, o empresário tentou o cultivo de trigo no Ceará, onde fica seu moinho, em parceria com a Agrícola Famosa, a maior produtora de melão do mundo, mas apesar dos bons resultados, a empresa de frutas preferiu se concentrar no seu core business. “O Ceará precisa de irrigação, mas os lençóis freáticos são muito profundos e o investimento é muito alto”.
Sales conhece o mercado nordestino. Ele era o antigo proprietário de outro Moinho Santa Lúcia, que vendia farinha e massas e produzia biscoitos para grandes empresas como Nestlé, Bimbo e Marilan, e que foi vendido à M. Dias Branco em 2012. Nos anos seguintes, impedido por cláusula contratual de atuar com moinhos ou produção de trigo e derivados, se dedicou a estudar o mercado e testou inovações, como a produção trigo no Nordeste.
Jorge Lemainski Chefe-Geral Embrapa Trigo, da Embrapa, é outro entusiasta e acredita que o Brasil será autossuficiente em trigo em cinco anos, com produção de mais de 12 milhões de toneladas por safra. “Quando começamos essa agenda de cultivo no Cerrado, em 2019, tínhamos 222.000 hectares plantados. Esta safra dobramos para 431.000 hectares, com destaque para Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Goiás.”
Para ele, o Brasil tem “oportunidade incrível” de ser protagonista global no trigo, como já é com soja e milho. “O Cerrado tem 10 a 14 horas de luz solar para que a planta possa fazer fotossíntese, é uma bênção”, disse.
O trigo é plantado em meados de maio no Cerrado e colhido em meados de setembro e precisa de apenas 10 dias com chuvas contínuas no período de floração. Cerca de 70% é cultivado em sequeiro, mas a expectativa é que cresça a produção de irrigado.
No ciclo passado, a chuva ajudou e a média de produtividade no Cerrado ficou em 35 sacas por hectare, sendo que alguns produtores obtiveram 50 sacas por hectare. A produtividade no sistema irrigado chega a 100 sacas por hectare, mas o custo de produção é mais alto e, em alguns anos, a cultura é inviável devido ao baixo volume de chuvas.
Sobre a concorrência com o milho plantado no inverno, o pesquisador afirma que produtores têm achado o trigo competitivo. “O custo de produção do milho é maior, há aspectos como a cigarrinha, que têm elevado a necessidade de defensivos, e o trigo precisa de menos água, portanto tem menos risco.”
“Há um cenário de crescimento da demanda por trigo, o alimento mais cultivado do mundo junto com o arroz. Então, até mesmo observando os aspectos mercadológicos, vemos que essa é uma aposta certeira, “, disse Lemainski.
Se parece papo de pesquisador, o investimento de multinacionais na região prova que isso não é sonho. Além dos moinhos que estão ou pretendem se instalar no Brasil Central, a argentina GDM comprou a brasileira Biotrigo no mês passado para justamente crescer no mercado de trigo.
“O Brasil Central está 100% em linha com as políticas de crescimento da empresa, que aposta no trigo como um produto super importante”, disse Santiago De Stefano, Diretor global de negócios da GDM, que está testando cultivares tolerantes à seca e resistentes a doenças.
Do ponto de vista da pesquisa, o desafio maior é vencer o brusone na Região e a giberela no Sul do país, dizem os pesquisadores.