Pesquisa revela que 61% dos produtores de grãos não têm armazenagem nas fazendas

Uma pesquisa inédita revela que faltam estruturas em 61% das fazendas para armazenar a produção de grãos do País, que bate recordes todos os anos e representa a maior receita das exportações do agronegócio, com quase 40%.
O restante das fazendas (38,90%) possui algum tipo de armazém, sendo que 19,80% possuem silo (convencional ou graneleiro), 9,20% têm também silo bolsa para complementar e 9,90% utilizam apenas o silo bolsa.

A pesquisa feita pela ESALQ Log (USP) e contratada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também apontou que 72,70% dos produtores sem estruturas mostram interesse em construir silos e armazéns em suas propriedades, desde que tenham uma taxa atrativa de juros.

Foram ouvidos 1.065 produtores de todas as regiões do País, com uma margem de erro de 2,50%, considerando o público-alvo de agricultores de lavouras não-permanentes de 1.6 milhão definido pelo IBGE (2017).
O objetivo foi traçar um perfil da armazenagem nas fazendas, com divisão por regiões. Os resultados vão integrar o primeiro diagnóstico da armazenagem agrícola no Brasil que deve ser apresentado pela CNA até o final do ano.

Motivação

Elisângela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA, disse à Globo Rural que a pesquisa foi motivada pela falta de dados e a necessidade de um diagnóstico real do segmento.
“O que se faz hoje é calcular a diferença entre a produção da safra e quanto há de capacidade estática disponível em todo o país para chegar ao déficit. Mas, essa continha não é exata porque temos mais de uma safra e dá para armazenar os grãos duas ou três vezes por ano, diferentemente dos Estados Unidos, que guarda apenas uma safra por ano”.

Segundo ela, enquanto no Brasil uma pequena parte fica armazenada nas fazendas, nos Estados Unidos, um dos principais competidores no mercado internacional de grãos, esse índice chega a 53%.

A falta de estruturas para guardar os grãos é apontada como um dos maiores gargalos da produção brasileira.
Enquanto o volume bate recordes e cresce 10 milhões de toneladas por ano, a capacidade estática de armazenamento aumenta apenas 5 milhões ao ano, segundo dados da Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos (CSEAG) da Abimaq, que aponta um déficit atual de 118.5 milhões de toneladas.

Para a CNA, o déficit é ainda maior: 124.9 milhões de toneladas, dez vezes maior que o da safra 2009/10.
“Sem uma estrutura mínima de armazenagem, o produtor não pode fazer um negócio melhor ou esperar preço mais atrativo. Tem que se desfazer rápido ou tem problema: perde a qualidade do grão ou perde a produção”, disse Elisângela.

Na avaliação da especialista, a produção de grãos do Brasil deve continuar a crescer, mas, com o aumento maior do déficit, a tendência é uma redução da margem de lucro do produtor por ineficiência econômica.“Essa redução leva a menos empregos no campo, aumento do custo de alimentos e inflação.”

Uma solução para o déficit, segundo a CNA, seria a criação de uma política pública mais eficaz, como um PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) para armazenagem. “A pesquisa é um primeiro passo porque aponta onde o déficit é maior, quais áreas têm mais potencial de implantação de armazéns pela iniciativa privada que deseja investir. Mas isso depende de programas realmente atrativos”.

Onde o déficit é maior

A falta de armazéns e silos é mais acentuada na região Sul do País, com 76,80% dos produtores, seguida pelo Sudeste (67,4%). Os produtores dos Estados da nova fronteira agrícola, o Matopiba, estão exatamente na média brasileira, com 61%.

No Norte e Centro Oeste, 58,30% e 53,90%, respectivamente, dos produtores responderam não ter nada de armazenagem. O menor percentual foi registrado no Nordeste, com 38,70%.

Também tira margem de lucro do produtor a distância média percorrida entre a fazenda e o armazém contratado para entrega do produto. No levantamento da CNA, a distância média nacional é de 35,1 km.

A situação é mais complicada no Estado do Piauí, onde a média chega a 110 km, e, no Maranhão (100 km). O Rio Grande do Sul possui a menor distância média entre a fazenda e os armazéns terceirizados: 16,1 quilômetros.

Acesso ao crédito

O acesso ao crédito é a chave principal indicada pelos produtores para incentivar a armazenagem dentro da fazenda.
Na maior parte das sugestões dadas pelos produtores, a taxa deveria variar de 2% a 5% ao ano, ter maior prazo de financiamento, de 12 a 20 anos, e maior período de carência do pagamento da amortização (de 3 a 5 anos).

Atualmente, a linha de crédito para armazenagem do Plano Safra, o PCA (Plano para Construção e Ampliação de Armazéns), soma R$ 6.6 bilhões, com taxa de juros de 7% a 8,50%, prazo de até 12 anos e carência de 3 anos.
Segundo a técnica da CNA, um dado na questão do crédito surpreendeu muito os analistas: um em cada quatro produtores rurais (ou 25,90%) não conhece as linhas de crédito disponíveis para construção de armazéns.

Por que investir?

Nas perguntas direcionadas ao produtor que tem estrutura de armazenagem (39% no total), a estratégia de comercialização foi o fator considerado mais determinante na decisão do investimento para 74,80% dos entrevistados, seguido pela possibilidade de escolher quando comercializar.

Também foram citados como fatores importantes a redução do custo com a contratação de serviços de armazenagem de terceiros, a redução das perdas no campo, a garantia da qualidade do produto e maiores vantagens logísticas, como redução do tempo de fila e flexibilidade do transporte.

Questionados sobre a mensuração do ganho com o uso do armazém nas últimas três safras, 71% responderam que ganharam a mais na comercialização fora da colheita em relação à época da safra.

O maior percentual, 24,20%, apontou ganhos médios entre 6 % e 10%; 17% tiveram ganhos médios entre 11% e 20%; 19,90% ganharam até 5% a mais; 7,30% apontaram ganho entre 21% e 30% e 3% revelaram ganho de mais de 31%. Entre os 29% que não apontaram vantagens, a metade não soube avaliar.

Ainda na questão econômica, 25% declararam ter recebido algum tipo de bônus na venda (de 5% a 10%) dos grãos às tradings de suas regiões por terem infraestrutura de armazenagem, o que sinaliza grão com mais qualidade.

Capacidade

A capacidade média dos armazéns nas propriedades é de 159.300 sacas (equivalente a 9.500 toneladas). O maior destaque é a região Centro-Oeste, com capacidade média de 214.592 sacas ou 12.800 toneladas, enquanto a de menor capacidade média é a região Nordeste, com 13.500 sacas (810 toneladas).

O Matopiba, mesmo sendo uma região agrícola nova, tem armazéns com capacidade média de 202.551 sacas, bem acima da tradicional região Sul (141.565 sacas).

Mais de 40% (42,2%) dos entrevistados responderam que armazenam o produto em seus silos pelo tempo médio de 4 a 6 meses, 22,5% seguram de 7 a 9 meses e 2,3% acima de 12 meses.

Expansão

As vantagens econômicas podem explicar por que 54% dos produtores que já têm a infraestrutura para armazenar sua produção têm interesse em expandir a capacidade, seja para uso próprio ou para alugar a terceiros.

Foi o caso do produtor Paulo Egídio, que cultiva soja e milho em 5.500 hectares em São José do Xingu, no Mato Grosso, Estado maior produtor de grãos do País e um dos que têm déficit acima de 50% nas fazendas, segundo a pesquisa da CNA.

Ele tinha dois silos na propriedade com capacidade para 200.000 sacas. Resolveu investir em mais estrutura de armazenagem depois de colher uma boa safra em 2021 e correr o risco de perder quase 20.000 toneladas de milho, que ficaram a céu aberto formando uma montanha ao lado dos silos lotados.
No ano passado, Egídio construiu mais dois silos, totalizando 400.000 sacas e um galpão híbrido com uma moega no meio, que serve para abrigar as máquinas e adubo, mas na safra recebe o milho. A capacidade do galpão é de 250.000 toneladas.

Resolvido seu problema de armazenagem, Egídio agora se irrita é com o baixo preço dos grãos, que ele credita principalmente ao limite diário de carregamento imposto pelos portos para não ter congestionamentos, o que faz as tradings retardarem a coleta dos grãos na fazenda.

Barreiras

A falta de profissionais qualificados para operar os armazéns foi a mais citada pelos produtores quando foram questionados sobre as principais dificuldades que possuem com a infraestrutura própria de armazenagem.

Quase um quarto (24,80%) citou essa dificuldade, enquanto 16,50% citaram a gestão da qualidade do produto, envolvendo tanto perdas físicas quanto as perdas de qualidade, e 7,30% apontaram a necessidade de alto capital de giro, alto custo de manutenção e alto custo de aquisição.

A questão da falta de qualificação chamou a atenção da CNA, que já prepara uma ação com o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) para oferecer um curso de especialização na área.

O alto custo de energia, o controle de pragas e insetos nos armazéns, a preocupação com roubo e segurança pública, principalmente em regiões remotas ou quando envolve produtos agrícolas de maior valor agregado, e o licenciamento ambiental também foram citados como problemas.

Silo bolsa

Elisângela disse ainda que a pesquisa desvendou um dado nunca mensurado no campo: a ampla utilização do silo bolsa, alternativa que representa mais riscos para a qualidade dos grãos pela possibilidade de furos e umidade e tem tempo de vida bem menor, as instruções dos fabricantes recomendam uso de cada silo bolsa uma única vez.
Dos 1.065 ouvidos, 19,10% usam essa alternativa nas fazendas.

Segundo o levantamento, 26,80% dos produtores armazenam até 10% da produção nos silos bolsa, 22,40% guardam entre 11% e 25% e outros 22,40% embolsam entre 26% e 50% da sua produção.

Segundo Elisângela, o investimento no silo bolsa, cerca de R$ 1.500,00 por unidade, é baixo comparado com uma boa estrutura de armazenagem com silos, que custa de R$ 7 milhões a R$ 10 milhões, mas, no caso do silo bolsa, é preciso ter ou locar a embolsadora, máquina de R$ 100.000,00 a R$ 200.000,00, para acondicionar os grãos com qualidade e rapidez.

Fonte: Globo Rural
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