“Para não colapsar, China terá de avançar em biotecnologia”, avalia pesquisador

O pesquisador belga Marc Van Montagu, um dos pioneiros das pesquisas de biologia molecular que culminaram com a segunda grande revolução no campo – o advento das sementes transgênicas – se diz curioso para saber o futuro da Syngenta após a conclusão de sua venda à estatal ChemChina. Melhor dizendo: ele parece mais interessado em ver o impacto da chegada da multi suíça Syngenta à sociedade chinesa.

“Não é só uma questão de mercado. A China percebeu que se não quiser colapsar, como Estado, terá de avançar em biotecnologia”, diz o cientista, PhD pela Universidade de Gent, consultor e chairman do Institute of Plant Biotechnology Outreach, entidade que tenta promover globalmente os organismos geneticamente modificados. “Não é espetacular dar tanto dinheiro para a Syngenta?”

Os US$ 42 bilhões oferecidos pela ChemChina no primeiro semestre deste ano – se concluído, o negócio poderá se tornar a maior aquisição já realizada pela China no exterior- tem o objetivo, na visão do cientista, muito mais que garantir sua fatia no mercado global de commodities agrícolas. É também uma questão de sobrevivência política.

“O país tem hoje novas questões econômicas e políticas, as cidades rurais estão em condições muito ruins, e a China sabe que a Syngenta pode ajudá-la a chegar ao produtor – algo que um governo autoritário não faz”, diz Montagu.

Conhecido como um dos “pais dos transgênicos”, pela descoberta na década de 1980 de como introduzir um gene numa planta, Montagu passou na semana passada por São Paulo onde participou de seminário promovido pela Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). Em entrevista ao Valor, teceu hipóteses para razões mais profundas por trás do negócio bilionário e o potencial da China no xadrez agroindustrial a partir de agora.

Com a sexta maior área plantada com transgênicos no mundo, mas ainda muito distantes da liderança de EUA, Brasil e Argentina, a China tentou sem sucesso promover pesquisas próprias em sementes. “Tentaram fazer isso sozinhos e não deu certo. Apesar de serem muito bons em ciência, a grande inovação está em progredir rapidamente. Mas não era questão de dinheiro. Há uma cultura industrial que os chineses não têm – organizar e trazer um produto para o mercado, trabalhar com o consumidor e a sociedade. Isso as grandes companhias sabem fazer bem. Então o único caminho era comprar uma delas”, diz ele.

 

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E o que virá pela frente? “Possivelmente as suas próprias variedades. Veja como eles estão desesperados por borracha – podem investir nisso. Ou em palma. Talvez sejam os primeiros a recondicionar o solo, que é uma matéria viva cheia de fungos, bactérias e micro-organismos, mas que tem sido negligenciada por falta de ferramenta. Isso é pura biologia molecular, e a Syngenta estuda o tema”.

Montagu recebeu em 2013 o World Food da FAO, agência para agricultura e alimentos das Nações Unidas, pela contribuição de suas pesquisas. A condecoração foi dividida com os pesquisadores americanos Mary-Dell Chilton e Robert Fraley – este último hoje executivo da Monsanto.

Ao contrário do colega, o cientista sempre esteve atrelado à academia. Talvez por isso se sinta mais confortável para opinar sobre o “monopólio das cinco” grandes empresas de biotecnologia.

“Uma lei básica na indústria é que se você não tiver o conhecimento bem protegido – pense no famoso segredo da Coca-Cola – você não tem posição de mercado. Outra maneira de garantir mercado é o monopólio. Isso é que as cinco grandes indústrias tentam fazer. Mas monopólio bloqueia o desenvolvimento: os produtos que eles podem trazer para o mercado são extremamente limitados. Por isso os transgênicos no mercado hoje são exatamente os mesmos feitos na Bélgica nos anos 1980.”

A limitação, prossegue, acontece por causa do excesso de regulamentações, que tornam o processo mais caro, mas também pelas multinacionais porque elas concordaram em manter sua posição de poder. “É uma situação triste para o progresso da ciência. Precisamos desesperadamente de startups que façam produtos que a sociedade necessita e de forma eficiente”.

Pesquisas com alimentos, por exemplo, deveriam estar no radar dos cientistas empreendedores. Ele cita a necessidade de dar resistência às doenças em batatas e bananas, entre tantos outros casos.

Na Universidade de Gent, onde atua, cada líder de departamento tem como regra lançar uma “startup” por ano. A intenção é fomentar a pesquisa mas também trazer dinheiro. “A multinacional compra a startup cujo desenvolvimento é bom e convincente o suficiente, evitando o gasto inicial da pesquisa”, diz. “Muito frequentemente, os fungicidas têm mais efeitos colaterais. E no nível molecular, os fungos não foram tão estudados profundamente ainda”.

Apesar do apelo, Montagu diz não acreditar que as pesquisas bandeiem para o lado dos alimentos tão cedo – a resistência do consumidor ainda é gigantesca. Os temores, que os cientistas moleculares definem como sem fundamento, retornam a mercados consolidados (como o dos EUA) e já despontam também na China (às voltas com escândalos de alimentos).

“Pequim tem medo de rumores ruins. Ao mesmo tempo, não sabe comunicar com a cidade. O Partido Comunista diz ‘é isso ou aquilo’ e o governo resolve. Mas veja no Oriente Médio como as pessoas morrem por uma crença, por sacrifícios”, reflete Montagu. “Isso é muito perigoso. A China sabe que se 5% ou 10% dos seus 1.3 bilhão de habitantes se mobilizarem por uma crença terá problemas. Nesse sentido, a Syngenta é importante para o país também. Porque a empresa sabe falar com os produtores, chega até eles com assistência. Imagine se, neste momento, a China usasse a Syngenta só para promover bem-estar e riqueza rural – nem vamos considerar os transgênicos. O que ocorreria na China? Ninguém brecaria os transgênicos”.

Aos 83 anos, Montagu diz já ter pouca paciência com o debate. “Os problemas envolvendo transgênicos”, afirma ele, “é que os cientistas estão tão ocupados com a ciência que não olham a sociedade. Eles não sabem nada sobre sociologia ou economia. E as pessoas, por sua vez, só pensam que as multinacionais são ruins e que uma indústria que está ganhando dinheiro é ruim. É uma atitude emocional. Em ciência, todos os progressos seriam mais interessantes se fossem analisados por sociólogos”.

 

Fonte: Valor Econômico

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