Papel dos estoques públicos em cenário de inflação dos alimentos

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) recebeu um reforço orçamentário de R$ 350 milhões, que destinará prioritariamente  à formação de estoques de arroz, feijão e milho. Foto: Pixabay 

 Governo já anunciou novo investimento

Como o Portal SNA vem mostrando, a inflação tem dificultado o consumo de itens básicos das mesas brasileiras, além de mobilizar esforços de gestores públicos, sobretudo na esfera federal, para conter a alta nos preços, ainda que com medidas contestadas pelo setor agropecuário. Isso aconteceu recentemente, após o anúncio da desoneração tributária de alguns produtos importados. Após a repercussão negativa, produtores, especialistas de mercado e bancadas parlamentares cobraram soluções concretas que aliviem a pressão sobre as cadeias produtivas nacionais.

Com isso em perspectiva, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) recebeu um reforço orçamentário de R$ 350 milhões, que vai destinar prioritariamente à formação de estoques de arroz, feijão e milho. Em nota, a CONAB afirmou que “Embora não sejam os únicos com preços elevados, são essenciais para a segurança alimentar”. A recomposição dos estoques reguladores depende de fatores como a disponibilidade orçamentária, a produção agrícola e as condições de mercado, sem um prazo específico para sua realização.

A partir da publicação da Lei Orçamentária Anual (LOA), espera-se que os níveis dos estoques comecem a subir, a depender das condições do mercado. Embora a formação de estoques possa ajudar a equilibrar os preços, a Conab esclarece que seu foco permanece sendo a segurança alimentar, com a estratégia de comprar grãos em baixa e vendê-los em alta, contribuindo assim para a estabilidade da oferta e de preços. Por isso mesmo, especialistas avaliam que, num cenário de curto prazo, a compra de alimento pelo governo pode causar um aumento na demanda e, com efeito, aumentar os preços.

Contexto histórico e limitações

É preciso, muita cautela no uso dessa medida. Historicamente, a política de formação de estoques reguladores no Brasil remonta ao início do século XX, com a criação de estoques de café, formalizada pela Convenção de Taubaté em 25 de fevereiro de 1906. Desde então, essa estratégia tem sido fundamental para garantir a estabilização dos preços agrícolas no país. Com a fundação da Companhia de Financiamento da Produção (CFP) em 1943, a formação de estoques se expandiu para grãos e outros produtos, visando assegurar tanto a renda dos produtores quanto a regularidade do abastecimento nacional.

A Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), estabelecida em 1996, introduziu novos instrumentos na formação dos estoques públicos: a Aquisição do Governo Federal (AGF) e os Empréstimos do Governo Federal com opção de compra (EGF/COV). Em 1997, o Contrato de Opção de Venda foi adicionado como um novo mecanismo da PGPM. Entre os anos de 2019 e 2022, os estoques estratégicos de produtos essenciais como feijão, soja, arroz, trigo, milho e café foram drasticamente reduzidos, o que contribuiu para uma diminuição dos estoques reguladores que somou 96% ao longo de uma década.

Com a pandemia, em 2020, houve aquecimento da demanda global e os preços dos produtos agrícolas subiram muito no mundo inteiro. Por conta disso, no mercado interno não foi alcançado o gatilho mínimo necessário para essa formação de estoque público. Essa redução, segundo a Conab, comprometeu a capacidade do governo de equilibrar preços e garantir a segurança alimentar, afetando tanto produtores quanto consumidores. Além disso, 27 armazéns foram fechados, e os que permanecem em funcionamento enfrentam problemas de manutenção. Das 64 Unidades Armazenadoras ainda operantes, muitas das quais necessitam de modernização, com projetos em andamento para reformar pelo menos 14 delas.

Mesmo com suas limitações, o mecanismo de estoque regulador é uma forma de garantir uma renda mínima ao produtor de alimentos, pensando sob o ponto de vista de segurança alimentar, e em situações em que o preço dos alimentos está muito baixo. Atualmente, os estoques reguladores são formados pelos seguintes produtos: trigo, arroz, feijão, farinha e fécula de mandioca; sisal, café, milho e soja.

Novas abordagens

Em entrevista à Reuters, o presidente da CONAB, Edegar Pretto, procurou afastar preocupações de que a intervenção poderia gerar o efeito contrário ao desejado. Segundo ele, a proposta é criar um mecanismo que permita ao governo comprar grãos nos momentos de baixa dos preços, evitando impactos negativos no mercado. Em suas palavras:

“[…] Precisamos de mais flexibilidade, e a ideia é que a gente tenha um mecanismo que permita que o governo compre sempre na baixa, para não fazer os preços subirem […] Posso garantir que não entraremos em momentos de alta, porque não se forma estoques, em nenhum lugar do mundo, com tendências de alta… É nos momentos de alta que você se desfaz dos estoques.

Atualmente, os estoques de grãos do Brasil estão em níveis mínimos, especialmente se comparados a períodos anteriores de governos petistas. A expectativa da Conab é que a colheita da safra recorde de 2025 gere oportunidades para recompor esses estoques. Dados do IBGE mostram que o custo dos alimentos e bebidas subiu cerca de 8% em 2024, com alta de quase 1% apenas em janeiro, o quinto mês consecutivo de aumento.

Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Com informações da CONAB, ESALQ – USP, IBGE, Ministério da Fazenda e MAPA.
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