Um grupo de empresários está montando um corredor privado de conservação no Pantanal. A área atual tem 151.000 hectares que, somados aos de um parque estadual vizinho, chegam a 229.000 hectares. Isso corresponde ao território de Luxemburgo ou de São Paulo com Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema juntos. A iniciativa tem potencial de alcançar 600.000 hectares, o que a tornará o maior projeto de conservação privado do Brasil e entre os maiores do mundo.
Um passo decisivo nessa direção foi a aquisição da Fazenda Santa Sofia, em Aquidauana (MS), a cerca de 200 quilômetros de Corumbá. Muito preservada, a fazenda tem por limites os rios Aquidauana e Negro, o que a torna ainda mais especial. Ela corria o risco de ser desmatada por pecuaristas. A propriedade tem 83 quilômetros de margem de rio.
A intenção dos empresários é criar um núcleo regional sustentável com venda de créditos de carbono, créditos de biodiversidade, aluguel de pastagem e ecoturismo. O setor privado avança na preservação ambiental no vácuo de ações e projetos do governo.
A Santa Sofia tem 34.000 hectares, sendo que 32.000 hectares têm ainda vegetação nativa e, destes, 7.387 hectares foram transformados em reserva privada, uma RPPN. Mas a terra corria o risco de perder 50% de sua cobertura vegetal, diante de uma mudança na legislação de Mato Grosso do Sul e o desejo de quem a comprasse.
A Fazenda Santa Sofia está entre as propriedades de dois empresários conservacionistas da região: Roberto Klabin, que há mais de 30 anos opera turismo ecológico no Refúgio Ecológico Caiman, uma fazenda de 53.000 hectares, e a Fazendinha, de Teresa Bracher, com 33.000 hectares.
A ideia de comprar a Santa Sofia e fechar um corredor de biodiversidade onde coexistirão, de modo sustentável, pecuária e ecoturismo com recursos de créditos de carbono e créditos de biodiversidade partiu de Roberto Klabin, de Teresa Bracher e do ex-piloto Mario Haberfeld. Ele é o idealizador do Onçafari, projeto criado para preservação da biodiversidade em vários biomas com foco em onças-pintadas e lobos-guará. O Onçafari começou na Caiman há nove anos.
A Santa Sofia foi comprada por oito cotistas por valor que Haberfeld não revela. Dois sócios doaram sua parte ao Onçafari, que conduzirá o projeto inspirado na reserva de Sabi Sand, na África do Sul. Lá são 50.000 hectares e 24 pousadas para amantes da natureza. Nos 120.000 hectares privados há só três pousadas.
“Nossa intenção é fazer crescer o projeto, atraindo mais vizinhos. Vários já demonstraram interesse. Assim criaremos esse enorme corredor de biodiversidade”, disse Haberfeld. “É um negócio inédito empresários comprarem terra com o fim de conservação”.
O projeto foi pensado há dois meses e fechado há duas semanas. A Santa Sofia está no coração da área de conservação. No corredor formado pelas três fazendas existem 263 espécies de peixes, 463 de aves, 123 de mamíferos, 85 de répteis, 35 de anfíbios e mais de 1.000 espécies de árvores e plantas.
Foi formado um “endowment fund” para a manutenção da área e um fundo para o combate de incêndios. O Onçafari ficará responsável pela gestão da fazenda e pela prestação de contas aos cotistas. A região, felizmente, não foi muito afetada pelos incêndios que destruíram 26% do bioma em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em 2019, contudo, 60% da Caiman foi atingida pelo fogo.
Um dos planos é certificar a Fazenda Santa Sofia para venda de créditos de carbono no mercado voluntário. Haberfeld estima que a fazenda pode gerar 10.000 créditos de carbono ao ano, o que poderia significar uma receita de US$ 30.000,00. Ele cita ainda os créditos de biodiversidade, mecanismo que leva em conta o número de espécies na região e o grau de ameaça.
O próximo passo é estabelecer as regras para o projeto sustentável da região, com pecuária e ecoturismo, disse Haberfeld. “Nossa intenção é fazer o grupo crescer cada vez mais com outros empresários associando-se à iniciativa”, disse o ex-piloto. A Santa Sofia tem que ser autossustentável e a ideia é que a terra não seja vendida ou dividida. Eventuais receitas que vierem com o projeto serão reinvestidas em conservação. “É um mosaico de conservação que pode ter benefícios econômicos”, disse. “Não vamos impedir a produção, mas estimulá-la de maneira consciente.”
Em nove anos de pesquisa, o Onçafari encontrou 170 onças-pintadas na Caiman. A estimativa é que, neste momento, existam cerca de 60 onças-pintadas circulando nas cercanias. No início do Onçafari as onças eram vistas seis vezes ao ano, número que chegou a mais de 900 vezes em 2019. Se antes 1% dos hóspedes viam onças, agora 98% deles avistam uma delas.
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