Pandemia faz preço do arroz bater recorde

Em meio ao maior consumo na quarentena, os preços do arroz ao produtor bateram recorde. No Rio Grande do Sul, responsável por 70% da oferta nacional, o cereal atingiu ontem R$ 70,12 por saca. Trata-se de uma valorização de 62,80% na comparação com o patamar alcançado no mesmo período do ano passado.

Segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), vinculado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), o recorde anterior foi registrado em maio de 2008, quando a saca do cereal em casca no estado chegou a R$ 69,95.

O reajuste não foi repassado integralmente para os consumidores. Nas gôndolas, a alta nos preços do cereal mais consumido pelos brasileiros foi de 13,19% no acumulado do ano até junho, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Embora seja uma alta considerável, a valorização não tende a pressionar a inflação, visto que o arroz tem peso de 0,5244% no IPCA total, apesar do peso de 24,60% no indicador do grupo de alimentos.

Uma série de fatores ajuda a explicar a conjuntura do arroz. A safra passada (2018/19) quebrou no Rio Grande do Sul, ao somar 7.2 milhões de toneladas, diante de uma expectativa de 8.5 milhões de toneladas. Isso deixou os estoques iniciais da temporada atual (iniciada em março) muito pequenos.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o estoque somava 554.100 toneladas do início da safra 2019/20, uma redução de 17,70% em relação ao estoque do ciclo anterior.

“Nosso modelo econométrico indicava que o preço ficaria em média em R$ 49,00 a saca em 2018/19, mas ficou em R$ 43,83, não remunerando o produtor”, disse Sérgio Gomes dos Santos, gerente de inteligência, análise econômica e projetos especiais da Conab.

Em relação ao consumo doméstico, também houve queda entre as temporadas anteriores e 2018/19. A média, que ficava entre 10.8 milhões e 11 milhões de toneladas, passou para 10.2 milhões, segundo a Conab.

Diante de preços baixos e da demanda em queda, o produtor reduziu a área de plantio com arroz na safra 2019/20. Dessa forma, a área destinada ao plantio diminuiu 4,50% no Rio Grande do Sul e 2,50% no Brasil, totalizando 940.000 e 1.7 milhão de hectares, respectivamente.

Como nem tudo é possível controlar, mesmo com a menor área, o produtor se viu diante de um clima ótimo e uma produtividade recorde nesta safra, o que ocasionou uma safra muito boa, de 8.32 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul, 12,70% maior que no ciclo anterior.

No Brasil, a colheita finalizou com 11.2 milhões de toneladas (aumento de 6%). “Nesse cenário, esperávamos uma queda substancial nos preços do arroz entre março e abril, pico de colheita, o que não ocorreu”, disse Santos.

Mas veio a pandemia da Covid-19 e, com ela, o receio de falta de alimentos e a quarentena em casa, o que provocou uma corrida dos consumidores para os supermercados. Ao Valor, uma das maiores indústrias de beneficiamento de arroz do Brasil disse que ficou surpresa com o aumento das vendas, três vezes superiores à média, em março e abril.

Uma medida para mostrar o aumento das vendas de arroz é a Taxa de Cooperação e Defesa da Orizcultura (CDO), que todo produtor gaúcho paga, sendo R$ 0,67 por saca vendida atualmente. “De março a junho, essa contribuição teve aumento de 18,30%, na comparação com o mesmo período do ano passado”, indicou Santos, da Conab.

E o Covid-19 não provocou receio de desabastecimento apenas no Brasil. A busca desenfreada por alimentos passíveis de armazenagem também ocorreu na Ásia. Não bastasse isso, a safra tailandesa quebrou, o que ajudou o Brasil a exportar mais do que o habitual.

“Índia, Vietnã, China e a Tailândia restringiram as exportações e teve a quebra da safra tailandesa, que praticamente baliza os preços do arroz, o que abriu mercado ao Brasil”, afirmou Gabriel Viana, analista de arroz da consultoria Safras & Mercado.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia, o país exportou 800.000 toneladas do cereal em casca entre março e junho, enquanto a média dos últimos dois anos foi de um milhão de toneladas em toda a safra.

Para fechar com chave de ouro o momento de alta dos preços, o produtor gaúcho continua capitalizado pelo bom desempenho de vendas e de preços da soja, turbinados pela alta do dólar. Normalmente, os orizicultores também colhem soja no verão. “O produtor simplesmente não está com pressa de vender”, disse Viana.

O que vai acontecer nos próximos meses ainda é incerto, afirmam analistas e fontes da indústria. “A sazonalidade da safra passou, mas o consumidor está mais abastecido em casa e as vendas já começaram a cair em junho. Temos de aguardar para ver a evolução da doença e saber como será o comportamento de vendas do arroz daqui para frente”, disse o representante da indústria, que pediu para não se identificar.

Segundo Santos, gerente da Conab, os cálculos matemáticos para este ano já furaram. No início da safra, o órgão previa a média de R$ 54,74 para o preço da saca de arroz. Até o momento, está em 64,43 no Rio Grande do Sul. “Tem espaço para o preço subir um pouco, mas não há motivo para novas disparadas”, disse.

Viana, da consultoria Safras & Mercado, completa dizendo que a paridade de importação é o teto. “Se o dólar cair, o preço interno também cai porque as indústrias podem importar não só do Mercosul, mas dos países da Ásia que estão começando a abrir os mercados”. Atualmente, o fardo 30 quilos de arroz importado fora do Mercosul, no atacado, está a R$ 112,50, enquanto no Rio Grande do Sul, sai por R$ 90,00.

 

Valor Econômico

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