Considerações sobre o pagamento por serviços ambientais

Área rural: a política de pagamento por serviços ambientais tem como desafio definir, de forma clara, a origem dos recursos financeiros e os critérios dos valores a serem pagos aos detentores de terra. Foto: Pixabay

Por Alberto Figueiredo*

Histórico

Por ocasião do acirrado debate, por conta das modificações introduzidas na legislação ambiental, que resultou na lei nº 12.651, de maio de 2012, ficaram nítidas pelo menos duas linhas de pensamento à respeito das responsabilidades dos detentores de imóveis rurais, relativamente à preservação ambiental.

Uma dessas correntes defende a tese de que, estando tais responsabilidades previstas em legislação, cabe a esses detentores de terras, apenas cumprir.

Há, no entanto, outra corrente, revestida de bom senso, que defende a tese de que, se essa preservação é útil para a sociedade como um todo, é justo que se dê aos produtores rurais alguma compensação, em função de estarem com suas expectativas de receita reduzidas, por não poderem ocupar, na totalidade, as áreas disponíveis para o processo produtivo.

Os legisladores, em 2012, demonstraram coerência com essa última corrente, na medida em que dedicaram um capítulo inteiro da referida lei nº 12.651/2012, o capítulo X, à possibilidade de remuneração aos diversos e comprovados preservadores, por serviços ambientais.

Ficou, assim, evidente que, as diversas modalidades de preservação de biomas, nos seus diversos aspectos, em especial da água e do solo, poderiam se credenciar a receber, à título de compensação, O PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS.

O PSA na prática

Embora a referida lei, no item II do art. 41, tenha delineado as diversas modalidades de pagamentos por serviços ambientais, a ausência de regulamentação acabou tornando essa boa intenção, mais uma letra morta do vasto emaranhado legislativo existente no país.

“II – compensação pelas medidas de conservação ambiental necessárias para o cumprimento dos objetivos desta Lei, utilizando-se dos seguintes instrumentos, dentre outros:

a) obtenção de crédito agrícola, em todas as suas modalidades, com taxas de juros menores, bem como limites e prazos maiores que os praticados no mercado;

b) contratação do seguro agrícola em condições melhores que as praticadas no mercado;

c) dedução das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, gerando créditos tributários;

d) destinação de parte dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água, na forma da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, para a manutenção, recuperação ou recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito na bacia de geração da receita;

e) linhas de financiamento para atender iniciativas de preservação voluntária de vegetação nativa, proteção de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção, manejo florestal e agroflorestal  sustentável realizados na propriedade ou posse rural, ou recuperação de áreas degradadas;

f) isenção de impostos para os principais insumos e equipamentos, tais como: fios de arame, postes de madeira tratada, bombas d’água, trado de perfuração de solo, dentre outros utilizados para  os processos de recuperação e manutenção das Áreas de Preservação

Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito;”

A lei 9.433 de janeiro de 1997, por sua vez, prevê, em sua seção IV, a cobrança e a aplicação de recursos pelo uso da água:

“SEÇÃO IV
DA COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS

Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:

I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II – incentivar a racionalização do uso da água;

III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Art. 20. Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, nos termos do art. 12 desta Lei.

Parágrafo único.  (VETADO)

Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros:

I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;

II – nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.

Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:

I – no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;

II – no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

§ 1º A aplicação nas despesas previstas no inciso II deste artigo é limitada a sete e meio por cento do total arrecadado.

§ 2º Os valores previstos no caput deste artigo poderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão de um corpo de água.”

Talvez tenha faltado tempo aos legisladores para, aproveitando o poder de legislar, definirem, através da combinação dessas legislações, lá em 2012, mais um parágrafo no artigo 22 da lei 9433/97, no qual definiriam o percentual do valor arrecadado pela cobrança de uso da água, para aplicação nos itens previstos no inciso I do referido artigo.

Alguns PSA simbólicos devem ter sido praticados nesse período, talvez, exatamente, por falta de uma fonte de recursos financeiros definida para tal fim.

Mais recentemente, um programa originário do Ministério do Meio Ambiente, o “ FLORESTA +”, reacendeu as esperanças em relação ao PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS, no entanto, apesar de minucioso detalhamento de iniciativas, talvez por falta de amparo legal, reservou modestas linhas para a definição da origem dos recursos:

“Os recursos monetários e não monetários provenientes de cooperação internacional e do setor privado serão fundamentais para a consolidação do mercado de serviços ambientais e para o ganho  de escala territorial desejado em todos os biomas.”

Diante de toda essa demanda, devidamente demonstrada, os legisladores brasileiros decidiram se debruçar, novamente na questão da legislação relativa ao PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS.

Para deixar bem clara a prioridade política em relação ao assunto, elaboraram uma legislação específica, a lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que teve o objetivo de repetir e detalhar o capítulo X da lei 12.651 de 2012 e, mais uma vez, perdeu a oportunidade de definir uma fonte de recursos para a realização das muitas atividades de preservação ambiental nela previstas, tendo se limitado a repetir o texto da lei anterior:

“Art. 21. As receitas oriundas da cobrança pelo uso dos recursos hídricos de que trata a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, poderão ser destinadas a ações de pagamento por serviços ambientais que promovam a conservação e a melhoria da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos e deverão ser aplicadas conforme decisão do comitê da bacia hidrográfica.”

Todos os atores envolvidos já se manifestaram, exaustivamente, sobre a necessidade e conveniência da implantação do PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS.

Falta, no entanto os principais ingredientes para que essa política, carregada de boas intenções, se materialize:

  • Definição clara de critérios para o estabelecimento dos valores a serem pagos aos detentores de terra, pelos diversos serviços ambientais que prestam, em função da localização geográfica, da área destinada e da importância para a sociedade.
  • Definição clara da origem dos recursos financeiros, uma vez que, se provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos, envolvem as concessionárias de fornecimento de água e os consumidores.

Essa, nos parece ser a principal discussão a ser feita, sob pena de se acumularem textos legais exemplares e as ações práticas não acontecerem na proporção desejada e necessária.

A ausência desse debate prorrogará a injustiça que vem sendo cometida contra os detentores de terras, que estão sendo privados de incorporar terras aos seus respectivos sistemas de produção, como fonte de renda familiar, em benefício da sociedade, sem qualquer tipo de compensação justa.

 

*Alberto Figueiredo é engenheiro agrônomo e diretor técnico da SNA.

 

 

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp