A desinformação pode levar à formulação de políticas equivocadas que agradam apenas a grupos de ativistas, escreve Xico Graziano.
Se um município, situado na Amazônia, tiver um prefeito ligado ao agro, a taxa de desmatamento nele será mais elevada. Certo ou errado?.
Essa dúvida motivou um trabalho científico realizado por 3 pesquisadores da FGV (Fundação Getulio Vargas) e um da Wharton School (EUA). Publicado com o título “Heróis ou vilões? Líderes do agronegócio na região Amazônica”, a resposta deu negativa. Sim, negativa.
Gustavo Cordeiro, o principal autor da pesquisa, explicou em entrevista à Folha de S. Paulo: “A hipótese inicial era que um político com raízes no campo poderia estar criando uma ação ambiental maléfica, mas os resultados indicam o contrário. Houve desmatamento, mas ele não foi maior do que no município em que o candidato do agro perdeu”.
Os pesquisadores descobriram que os municípios com prefeitos ligados ao agro se mostraram mais empreendedores. Neles, se verificou uma média de 10 empresas abertas a mais, por ano, comparados aos municípios governados por outros líderes.
O autor da reportagem, Douglas Gravas, destacou que “o efeito é intensificado em localidades que vivem da soja, onde a diferença entre a média de empresas criadas por líderes que vieram do agro e aqueles de outras áreas é de 40 empresas a mais por ano, sendo 90% do setor de serviços”. Entrou a soja, aumentou o emprego no município….
Esqueça, entretanto, a soja e o desmatamento. O ponto que quero destacar reside no método: quando você coloca a ciência nos assuntos controversos, ela troca o “achismo” pelo conhecimento factual. Nas questões ligadas ao agro, nas quais existe muito desconhecimento e certo preconceito, o método científico é fundamental para esclarecer a verdade. São fatos contra mitos.
Tome-se um outro caso controverso, ligado ao naturalismo: serão os alimentos orgânicos mais saudáveis que os alimentos produzidos da forma convencional?.
A pergunta mereceu atenção de 2 pesquisadores norte-americanos, Henry Miller, e S. Stanley Young, ambos estudiosos da epistemologia, especificamente interessados em conferir a veracidade de artigos publicados em revistas científicas de renome. Em janeiro de 2024, publicaram o artigo “Ponto de vista: Um estudo de caso de como os defensores orgânicos manipulam dados de meta estudos para promover sua agenda ideológica” –em tradução livre do inglês….
Miller e Stanley tomaram como ponto de partida a meta-análise realizada por 2 pesquisadores do Centro de Política de Saúde, da prestigiosa Universidade Stanford (EUA), Dena Bravata e Crystal Smith-Spanger. Depois de examinar milhares de artigos, eles identificaram os 237 mais relevantes para avaliação.
A conclusão deles foi relatada assim por Smith-Spanger: “Alguns acreditam que os alimentos orgânicos são sempre mais saudáveis e nutritivos. Ficamos um pouco surpresos por não termos encontrado isso”.
O resultado dos pesquisadores de Stanford causou uma tempestade, desencadeando numerosas meta-análises subsequentes. A mais rigorosa e convincente delas, feita em 2020 pela Southern Cross University, da Austrália, baseada em 35 estudos extraídos de 4.329 artigos científicos, concluiu que “a base de evidências atual não permite uma declaração definitiva sobre os benefícios para a saúde da ingestão de alimentos orgânicos”. Em outras palavras: alguns estudos indicam sua superioridade; outros, não.
Especialmente nas ciências biológicas, como a medicina e a agronomia, sujeitas a múltiplas variáveis ambientais, o rigor do método é essencial para a precisão da informação. Nesses casos, só a repetição experimental traz o verdadeiro conhecimento científico.
Faço um apelo aos jornalistas: não compactuem com achismos. Nem tomem fatos isolados como expressão geral. A desinformação pode levar à formulação de políticas equivocadas, que agradam só a grupos de ativistas, para não dizer lobistas.