Orgânicos: modismo ou fato?

Muito ainda se questiona se os orgânicos não seriam uma forma simplória de mais um movimento passageiro ou então uma onda, como outras de comportamento de consumo, que muitos profissionais da área de marketing ou de institutos de pesquisas identificam no mercado como um fato mercadológico. Criam assim conceitos e sempre a partir destas concepções, subsidiam empresas e empreendedores com ferramentas de novas estratégias para uma tendência de consumo, identificam demandas, criam produtos, geram consumo e mais uma vez, faz a roda girar. E que venham outros modelos.

Não podemos deixar de reconhecer, que mais uma vez, a pujança do mercado de orgânicos nos países como Estados Unidos e países da Comunidade Europeia, que representam 80% do mercado global de quase US$ 90 bilhões/ano, seja o entendimento das tendências de consumo e lifestyle vindas de lá. O mercado global de produtos orgânicos vem apresentando taxas de crescimento constantes nos últimos 15 anos. Nos Estados Unidos o crescimento continua sendo de dois dígitos, 10% em 2015 e espera-se repetir próximo deste valor em 2016.  Na Europa já é um mercado mais estável e as taxas nos países variam de 5% a 8% de crescimento anual.  No Brasil, onde temos um processo de regulamentação que se instalou em 2011, o crescimento é maior porque a base de produtos comercializados ainda é pequena.

O Brasil tem hoje 15.590 unidades produtivas, constituídas por produtores e empreendedores individuais, cooperativa, unidades de produção associativas e empresas de processamento e industrialização de produtos. O setor tinha uma estimativa de faturar, em 2016, R$ 3 bilhões. Para 2017, a perspectiva é chegar a taxa de crescimento na ordem de 25%-30%. As exportações de 2016 devem fechar pouco abaixo dos US$150 milhões, num momento em que continuamos sendo o principal país fornecedor de açúcar, castanhas, frutas e seus derivados.

Não podemos negar que, com a facilidade e quantidade de informação que temos hoje da área de comunicação, é grande a probabilidade de que orgânicos, para uma parcela dos consumidores, seja entendido como mais um modismo, mas é importante apontar que a mesma quantidade de informações chega também a um público mais consciente, que muitas vezes reafirmam conceitos já existentes que se tornam em aprendizado, enquanto consumidores, o que queremos no futuro. E os consumidores têm hoje grande poder para mudar e fazer parte do processo em cadeia e garantir que nossas próximas gerações possam continuar a consumir e manter-se vivos, pois sabemos que se a exploração dos recursos e o consumo global continuar neste ritmo, em 2030 serão necessários dois planetas Terra para manter este padrão.

A exploração dos recursos naturais do planeta, que inclui: petróleo, carvão, gás natural, minérios, água e alimentos; é fundamental para a sobrevivência do ser humano e o seu esgotamento pode levar a uma extinção em massa, apontando que 75% das espécies do planeta simplesmente deixarão de existir. Do lado das pessoas, cada vez mais, produtos naturais e menos processados, produtos saudáveis e mais seguros, são a chave para uma longevidade maior.

Resgato um pouco as fases dos desafios do movimento orgânico no mundo da IFOAM (International Federation of the Organic Agriculture Movement), órgão que une os principais stakeholders que atuam na cadeia global, que considera o Brasil um país pioneiro neste processo. Hoje nos encontramos no estágio Organics 3.0.

Inicialmente veio a fase de maior consciência, da urgência de mudarmos a forma como fazíamos (Organics 1.0), questionando por que fazemos se podemos fazer melhor? No Brasil, esta etapa se deu a partir dos movimentos da Rio 92 e dez anos depois foi fundado o grupo de estudos em agroecologia e agricultura alternativa como meio de inserção social e mudança comportamental para produção sustentável e mais consciente.

A partir de 2002, com a percepção de que os países que tratavam deste sistema, no Brasil havia necessidade de se formalizar os procedimentos ente a diversidade de sistemas produtivos existentes. Aqui havia a agricultura familiar, agricultura urbana em pequena e média escala, e alguns casos de agricultura de larga escala até sistemas produtivos, só encontrados aqui, como a produção extrativista de diferentes produtos nos biomas da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampas e o Pantanal.

Nos outros países, basicamente havia apenas a produção agrícola tradicional no campo, e assim o movimento de formalização e regulação foi caracterizado de 2001 até o presente momento; no Brasil, mais precisamente em 2011, com as normas e regulamentação (Organics 2.0).

Hoje o mercado global está entrando na etapa 3.0, com o desafio de passar a unificar práticas sustentáveis de produção e consumo. Através de um processo de maior consciência por parte dos consumidores, como nos grandes mercados globais Estados Unidos e Europa, os orgânicos deixaram de ser um produto de nicho para ser mainstream [a corrente principal, em inglês].

A história desta transformação de nicho para produto de mercado está alicerçada na educação e maior consciência do consumidor, que questiona o que é melhor para ele, para seu mundo e para as pessoas que estão ao seu redor.

Em termos de números, a etapa 3.0 tem o desafio de transformar um mercado de US$ 86 bilhões, um valor ainda de nicho, comparando-se com o potencial do mercado convencional.

A história por trás dos orgânicos, no Brasil e no mundo, não é apenas um fato que virá e vai passar. Não é uma estratégia mercadológica da indústria de alimentos ou de um governo. É uma mudança de atitude do consumidor, que faz o mercado e o mundo ver o nosso redor com outros olhos.

* Ming Liu é diretor da Organics Brasil

 

Fonte: Globo Rural

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