Operações de barter driblam incertezas e aumentam no campo

Apesar das turbulências geradas pela pandemia do Coronavírus, que colocou no radar de especialistas riscos à oferta privada de crédito para que os produtores rurais no Brasil financiem suas safras, os recursos até agora continuam fluindo e as operações de barter (troca de insumos pela colheita futura) seguem particularmente aquecidas, inclusive com a antecipação de negócios.

Ainda assim, fontes como o consultor José Carlos Vaz, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, e o ex-ministro Blairo Maggi, um dos acionistas da processadora de grãos e trading Amaggi, a maior de capital nacional no segmento, têm dúvidas sobre a continuidade desse cenário. Isso por causa das Cédulas de Produto Rural (CPR).

Instrumento comum nas operações de financiamento do agricultor pelas tradings, a CPR ainda pode ser incluída nas recuperações judiciais de produtores rurais pela MP do Agro, o que aumentou o temor do enxugamento de crédito. Em coletiva com a ministra da Agricultura sobre o Plano Safra, Maggi disse que, diante da resolução, enxergava “o fluxo de recursos minguando” e bancos, tradings e fornecedores de insumos com receio de emprestar dinheiro.

No mercado, por enquanto, o sentimento é outro. Renato Guimarães, CEO da distribuidora goiana de insumos SinAgro, é um dos que esperam que as operações de barter avancem ainda mais. A modalidade já responde por 60% das negociações da empresa e, segundo ele, o percentual deverá aumentar este ano.

Guimarães afirmou que nas operações com soja a procura tem sido maior pelo barter em real, por conta do preço atrativo da saca no mercado interno, valorizado pelo câmbio, e da cotação futura do dólar.

“O barter é uma ótima ferramenta de gerenciamento de risco e proteção, porque te permite fazer um hedge natural, um escambo e, assim, cresce num momento como este”, justificou.

Em 2019, a SinAgro teve um terço da sua receita, de R$ 1.1 bilhão, proveniente da originação de grãos. A capacidade estática instalada de seus armazéns, que fazem 2,5 giros ao ano, é de 270.000 toneladas.

Em Mato Grosso, ainda não foi possível sentir qualquer retração dos agentes privados para financiar os agricultores por meio das CPRs, informou o superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), Daniel Latorraca. Pelo contrário, a alta do dólar acelerou o ritmo de comercialização da soja que será colhida só em 2021 e atingiu patamar recorde 30,23% da produção esperada.

Segundo Latorraca, as operações de barter também estão rentáveis e tendem a aumentar nas próximas semanas. Ele disse que esta é a safra “mais desafiadora” dos últimos anos para se planejar, porque vai exigir muita habilidade dos produtores para travar despesas e receitas na mesma moeda.

Para Carlos Branduliz, gerente de operações de barter da Bayer no Brasil, o crescimento das operações de barter, que foi de 50% ao ano na empresa nas últimas três safras, tende a se manter, mesmo com a pandemia, por causa do seu caráter protetivo e graças à sua popularização.

A política da Bayer, segundo ele, é de estímulo ao barter, com a oferta de serviços associada à ferramenta. Um deles é a chance de o produtor se beneficiar de altas de preço das commodities por prazos pré-determinados. “Buscamos oferecer ainda a melhor experiência com as tradings, que são nossas parceiras nessas transações”, disse Branduliz.

Na Syngenta, Leandro Serau, diretor financeiro da empresa no Brasil, que é controlada pela ChemChina, afirmou que o aumento das operações de barter já foi sentido este ano, “justamente porque asseguram maior mitigação de risco em ambientes bastante voláteis”.

Em relação ao cumprimento de contratos, Serau disse que a perspectiva é boa. “Com exceções pontuais ligadas a perdas decorrentes de seca (que afetou sobretudo o Rio Grande do Sul), houve grande produção em todo o país”.

Eduardo Monteiro, diretor de Distribuição da Mosaic Fertilizantes, avaliou que, no caso da companhia, as operações de barter estão mais aceleradas.

Para o próximo ciclo de verão em muitas regiões, segundo ele, a maior parte dos insumos já foi comercializada e há produtores que buscam fechar negócios, inclusive, para a safrinha de milho de 2020/21 e até mesmo para a safra 2021/22 de verão, em virtude das boas relações de troca atuais. “O mercado de fertilizantes, em 2020, já rodou aproximadamente 50%”.

Entre seus parceiros (tradings, revendas e cooperativas) e entre concorrentes, a Mosaic informou não ter tido notícia de renegociação de contratos de barter, mesmo com o cenário econômico conturbado.

Na cooperativa paranaense Cocamar, as vendas de insumos via barter não representam mais do que 10% dos negócios e o percentual, para José Cícero Aderaldo, vice-presidente da cooperativa, tende a se manter este ano. Segundo ele, a estratégia de gerenciamento de risco recomendada aos 15.500 cooperados é de vendas de grãos em parcelas ao longo do ano, o que minimiza riscos e tem se mostrado mais rentável.

 

Valor Econômico

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