O ronco do campo

 

Por César Borges de Sousa** ///

 

 

Um rápido olhar sobre o desempenho da agricultura brasileira nos últimos tempos pode dar a falsa impressão de que tudo corre às mil maravilhas. De fato, estamos colhendo uma safra recorde, pelo quarto ano consecutivo, estimada em torno de 187,09 milhões de toneladas de grãos, o que assegura alimento farto e barato para a população brasileira e concorre, adicionalmente, para conter o custo de vida.

O Brasil figura como um dos maiores players do mercado internacional de produtos agroindustriais, liderando nos segmentos de soja, carnes bovina e de frango, açúcar, etanol, café, suco de laranja e tabaco; adicionalmente, disputa as primeiras posições do ranking mundial de produtos como milho, carne suína, algodão e cacau.

É o agronegócio brasileiro ainda o responsável por 36% das exportações brasileiras, assegurando um saldo de US$ 80 bilhões em nossa balança comercial – perto de 80% do total. E a relevância sócio-econômica do campo pode ser avaliada por outros dois importantes indicadores: o setor responde por 26% dos empregos e movimenta 23% de nosso Produto Interno Bruto (PIB).

E mais do que hora de formular uma política que dirija a produção de grãos para a exportação de carnes e biodiesel.

Engana-se, entretanto, quem imagina que o campo atravessa um momento de benesses e conquistas. A despeito dos inegáveis avanços que a agricultura brasileira registra em termos de produção e comercialização de matérias-primas, o fato é que o campo atravessa um contínuo e crescente processo de commoditização, provocado pela desindustrialização, que resulta, em médio e longo prazos, na consolidação do país como provedor mundial de produtos de baixo valor agregado.

Tome-se como exemplo o desempenho das exportações brasileiras de produtos industrializados de soja. Um dos maiores players do segmento, responsável pela “tropicalização” deste grão, nativo da temperada China, o Brasil deixou escapar por entre os dedos, nos últimos vinte anos, uma verdadeira fortuna, estimada em mais de US$ 30 bilhões, para nossos vizinhos argentinos, em participação de mercado de óleo e farelo de soja.

Isso ocorre porque, diferentemente de outros países – a exemplo da Argentina – o Brasil pratica uma política fiscal que incentiva a produção de matérias-primas, em detrimento do processamento e exportação de produtos industrializados, de maior valor agregado. Incorre-se, de outra parte, no risco de fomentar a temerária “Chinadependência”, com a preocupante concentração de nossas exportações de soja para o país asiático.

Para operar neste ambiente de crescentes adversidades, um grupo de empresas exportadoras e de produtores agrícolas tecnificados passaram a explorar, com sucesso, um novo e promissor mercado: o de produção de grãos não transgênicos, produto de grande procura por consumidores europeus e asiáticos, que se dispõem a pagar prêmios, em dinheiro, para assegurar que o alimento que consomem é efetivamente livre de organismos geneticamente modificados.

Esse prêmio é rateado pelos elos da cadeia produtiva da cadeia de soja não transgênica – indústria, exportador, certificador, sementeiro e produtor rural – agregando substancial valor à produção. E essa operação não se limita à exploração de um nicho de mercado, como se poderia pensar à primeira vista, mas trata-se de um negócio de respeitáveis proporções. Basta dizer que a produção de não transgênicos, que equivale a cerca de 10% da oferta nacional de soja (numa estimativa conservadora, já que o Brasil não dispõe de dados oficiais), é responsável por 40% das exportações brasileiras de farelo de soja.

Esse vitorioso modelo de produção – que conta com o apoio da Embrapa na retaguarda, garantindo o desenvolvimento e suprimento de sementes livres de transgênicos de alta produtividade – é uma ótima mostra da criatividade e inovação que norteia as empresas focadas na produção de não transgênicos, constituintes da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não-Geneticamente Modificados (Abrange).

É o caso do grupo Maggi, por exemplo, que desenvolveu um cluster de produção 100% não-transgênico no Mato Grosso e Rondônia, explorando sistema aquaviário próprio. Outra associada, a Imcopa, sediada no Paraná, é pioneira mundial no desenvolvimento do farelo de soja superconcentrado, produto mais sofisticado e de maior valor agregado – 100% livre de transgênicos.

Já a Caramuru Alimentos, baseada em Goiás, praticamente substituiu o modal rodoviário pela operação hidro-ferroviária, conferindo competitividade e segurança ao transporte de grãos do Centro-Oeste até o porto de Santos. Inovadoras, essas empresas também desenvolveram e lançaram o primeiro programa de certificação de sementes não transgênicos do planeta.

Se a criatividade e a visão de negócios destas empresas merecem aplausos, o fato é que a manutenção e o desenvolvimento das notórias vantagens comparativas e competitivas que o Brasil detêm em relação a seus concorrentes demandam ajustes que o país não pode mais esperar, a começar pela efetiva edição das medidas compensatórias para as exportações de produtos industrializados, de maior valor agregado, anunciadas quando do anúncio da chamada Lei Kandir em 1995 (que desonerou as exportações de matérias-primas), mas até hoje ignoradas.

Paralelamente, é mais do que hora de formulação de uma política que direcione a produção de grãos para a exportação de carnes e biodiesel, cuja rentabilidade é sabidamente superior à das proteínas vegetais.

Tais investidas, vale dizer, não demandam esforços extraordinários ou investimentos maciços. Basta decisão política – para empregar uma expressão antes desgastada, mas hoje cada vez mais respeitada e revalorizada pelo ronco das ruas e dos campos.

 

**César Borges de Sousa é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange)

 

Fonte: Valor Econômico

 

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