Relatório emitido pelo escritório do Conselho Nacional do Café (CNC) na União Europeia
Em nome dos cafeicultores e cooperativas brasileiras, o CNC tem acompanhado de perto os acontecimentos políticos e legislativos em um de nossos principais mercados consumidores: a União Europeia.
EUDR
A maioria dos leitores está ciente do Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento, que entrou em vigor em 29 de junho de 2023, embora suas principais disposições não estivessem programadas para entrar em vigor até 30 de dezembro de 2024. Em uma sequência dramática de eventos no final do ano passado, a União Europeia adiou esse prazo para 30 de dezembro de 2025.A legislação se aplica a empresas estabelecidas na UE, exigindo que elas realizem devida diligência antes de introduzir determinadas commodities e produtos derivados – incluindo café – ao mercado da UE. A legislação terá um impacto significativo sobre os cafeicultores, as cooperativas e os países produtores de café, pois os mesmos deverão fornecer informações e se submeter a processos de devida diligência, sob ameaça de exclusão da cadeia de suprimentos em caso de não conformidade.
De acordo com as exigências do Regulamento, os importadores da UE terão que identificar as parcelas especifícas de terra onde o café foi cultivado e coletar evidências que demonstrem um nível insignificante de risco de que (1) a terra foi sujeita a desmatamento em qualquer momento após dezembro de 2020 e (2) a produção violou as leis nacionais sobre proteção ambiental, posse da terra, e outras.
Em 15 de abril de 2025, a União Europeia atualizou seus documentos de orientação (disponíveis aqui) e publicou um Ato Delegado, a fim de simplificar a regulamentação e reduzir a carga administrativa para as suas empresas. A grande maioria das atualizações diz respeito aos procedimentos e requisitos administrativos para operadores, comerciantes e PMEs da UE, e portanto, as mudanças para países produtores como o Brasil são limitadas. Abaixo, tentamos resumir as atualizações que são mais relevantes para nós:
1. Declarações de devida diligência anuais.
A EUDR exige que as empresas da UE realizem um processo de devida diligência referente a todos os volumes de café que elas pretendem importar para o mercado europeu desde que atendam às exigências do Regulamento. Anteriormente, supunha-se que as empresas teriam que apresentar uma nova declaração de devida diligência para cada importação. A nova orientação esclarece que uma única declaração de devida diligência pode cobrir várias importações, abrindo a possibilidade de realizar compras repetidas de um fornecedor de confiança (por exemplo, uma cooperativa ou um comerciante), representando um grupo estável de produtores, sem precisar repetir o processo de devida diligência desnecessariamente.
Esse esclarecimento tem o potencial de aliviar a carga administrativa dos processos de conformidade e incentivar relações comerciais mais estáveis entre fornecedores confiáveis e seus clientes na UE. No entanto, a orientação também introduz algumas novas ressalvas: a devida diligência só pode ser realizada após a colheita e permanecerá válida apenas por um período máximo de até um ano.Embora a due diligence possa, em teoria, ser realizada anualmente, caso o importador inclua um novo fornecedor em sua cadeia de suprimentos ao longo do ano, ele terá de repetir a diligência devida para cobrir o seu novo fornecedor e as propriedades das quais ele se abastece.
2. Nomeação de terceiros como mandatários
Os importadores da UE podem nomear terceiras para agir como “mandatários” e apresentar declarações de devida diligência em seu lugar. Os mandatários devem estar estabelecidos na UE e devem possuir um mandato por escrito do importador da UE, que todavia mantém a responsabilidade pela conformidade com a regulamentação. A nova orientação também esclarece que os mandatários terão permissão para apresentar declarações de devida diligência em nome de várias empresas diferentes, bem como de grupos de empresas, e não precisam necessariamente estar ativos na cadeia de suprimentos.
Essa disposição abre espaço para que prestadores de serviços, inclusive órgãos de certificação e outras empresas de verificação de sustentabilidade, gerenciem o processo de due diligence em nome dos importadores da UE, conferindo-lhes um papel muito mais significativo na cadeia de suprimento do café.
3. Monitoramento remoto de desmatamento via satélite
O documento de orientação enfatiza que o Regulamento não prioriza fontes específicas de dados geoespaciais em detrimento de outras. Por exemplo, o Observatório da UE sobre Desmatamento e Degradação Florestal e seu mapa de Cobertura Florestal Global de 2020 é uma ferramenta entre outras, fornecendo evidências científicas que podem (ou não) ser usadas pelos importadores da UE para realizar a sua devida diligência. Mas o uso dessa ferramenta não é obrigatório e o mapa não é juridicamente vinculativo. Os importadores da UE têm a opção de usar outras fontes de dados geoespaciais, incluindo mapas e dados de monitoramento por satélite oferecidos pelos próprios países produtores ou por prestadores de serviços terceirizados
Da mesma forma, as autoridades competentes responsáveis pela aplicação da EUDR têm a opção de usar mapas globais, regionais ou nacionais, ou qualquer outra fonte que considerem adequada, ao realizar suas auditorias. Durante uma auditoria, se houver conflito entre as fontes de dados usadas pelas autoridades competentes e as usadas pelo importador da UE, caberá ao importador da UE explicar seu processo de due diligence e por que escolheu uma fonte de informação ao invés de outra.Do nosso ponto de vista, existe aqui uma oportunidade para que as autoridades brasileiras incentivem os operadores da UE a recorrer a ferramentas e fontes de dados nacionais para garantir o alinhamento e evitar assimetrias de informação entre os nossos fornecedores de café e os seus clientes europeus.
CS3D
Além da EUDR, temos acompanhado de perto o desenvolvimento da Corporate Sustainability Due Diligence Directive (CS3D) da UE, que entrou em vigor em julho de 2024. A CS3D exigirá que as grandes empresas de diversos setores da UE (incluindo grandes traders e torrefadores de café) realizem uma devida diligência ambiental e social ao longo de suas cadeias de suprimentos, abrangendo uma gama de critérios muito mais ampla do que está previsto na EUDR.
Enquanto a EUDR é um regulamento da UE e se tornou lei em todos os países europeus assim que entrou em vigor, a CS3D é uma diretiva, o que significa que deve ser transposta para a legislação de cada Estado-membro da UE. O prazo para os Estados Membros concluírem esse processo era julho de 2026. No entanto, a nova administração e o parlamento da UE estão sob crescente pressão para aliviar a carga administrativa sobre as empresas da UE e melhorar a competitividade econômica do bloco. Sob o processo denominado “Omnibus”, foi aprovada uma moção “Stop-the-Clock” que adia o prazo da CS3D em um ano e concede tempo para que a Comissão, o Conselho e o Parlamento da UE renegociem as disposições substantivas da Diretiva.
Traremos mais informações sobre essa negociação à medida em que o processo legislativo for evoluindo.7