A tragédia da fome é um fenômeno distributivo causado por guerras e conflitos ou deficiência de renda familiar
A obesidade atinge 1 bilhão de pessoas e se transforma no maior problema alimentar e de saúde pública no mundo. É o que mostra recente estudo publicado na prestigiosa revista The Lancet. A dramática situação piora a cada ano.
Realizado em parceria com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a rede NCD-Risc (Risk Factor Collaboration) avaliou peso e altura de humanos em 190 países. Em comparação com 1990, na população adulta, houve um acréscimo de 350% na situação de obesidade. Entre crianças e adolescentes, o aumento foi de 303%.
Ao mesmo tempo, 828 milhões de pessoas passavam fome em 2021, segundo o relatório da ONU de 2022, baseadas nos dados da FAO (Organização para Agricultura e Alimentação da ONU).
O que indica esse paradoxo entre, de um lado, a obesidade e, de outro, a fome?
Isso indica, definitivamente, que a partir do século 21 só passa fome quem tem acesso limitado à comida. Em outras palavras, pessoas passam fome não porque falta alimentos no mundo, mas porque os alimentos existentes não chegam até elas.
É brutal a diferença do enfoque. Antigamente, o crescimento populacional, que se tornou explosivo no início do século 19, trouxe verdadeira angústia sobre a capacidade de produção da agricultura. Seria possível alimentar a tantos que começavam a se aglomerar nas cidades?
Todos se lembram do célebre enunciado de Thomas Malthus: “A população está crescendo a uma taxa geométrica, enquanto a produção de alimentos cresce à taxa aritmética”. Em seus vanguardistas ensaios sobre a população, escritos de 1798 a 1802, o brilhante anglicano que inaugurou a demografia mostrava todo seu pessimismo
com a equação existencial. Suas recomendações foram severas: ou se controla a natalidade, ou virão terríveis guerras
causadas pela fome.
A formulação de Malthus se mostrou a mais impactante e a mais equivocada previsão sobre o futuro da humanidade. Diferentemente do previsto, a produção mundial de alimentos cresceu o suficiente para abastecer as massas
urbanas. A população total saltaria de 1 bilhão de habitantes, em 1800, para 2 bilhões, em 1925, e 3 bilhões, em 1960.
Variadas razões explicam a superação da armadilha malthusiana durante o século 19, incluindo a introdução da batata, um tubérculo originário da América andina, na alimentação europeia. Basicamente, porém, a expansão
agrícola dependeu da inusitada evolução tecnológica verificada no campo, levando os agricultores europeus a uma jornada produtiva heroica, inimaginada por Malthus.
Em recente estudo, intitulado “World Agricultural Production, Resource Use, and Productivity (1961–2020)”
economistas ligados ao USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) avaliaram o incremento de
produtividade na agricultura mundial. O resumo aparece em um gráfico muito interessante, no qual se percebe a virtude do agro inclusive na queda dos preços reais dos alimentos.
Concluindo, pode-se afirmar que a tragédia da fome é um fenômeno distributivo, uma restrição alimentar causada por duas situações essenciais: guerras e conflitos territoriais e tribais; deficiência de renda familiar, associada à exclusão social.
Durante toda a história, as guerras sempre foram o fator preponderante para a condição famélica de grandes populações. Modernamente, da África vinham as piores imagens sobre a fome, como aquelas, nos anos de 1970, trazidas de Biafra, sul da Nigéria, onde uma guerra separatista causava horror ao mundo.
Períodos de severas secas pioram o quadro das restrições alimentares, conforme se observa desde 2023, tristemente, na região do Chifre da África, incluindo a Somália, Etiópia e Quênia. Cerca de 40 milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária para sobreviver, num período em que os alimentos, desde 2022, se tornaram mais caros por causa da guerra na Ucrânia.
Por outro lado, em Bangladesh, na Ásia, cerca de 30 milhões de pessoas deixaram a situação de miséria conjuminada com restrição alimentar severa, dando exemplo de como a economia, ao progredir, enfrenta o fantasma da fome via melhoria de renda. O mesmo fenômeno pode ser visto na Indonésia, na Tailândia e no Vietnã.
Ao ler as notícias criadas pela publicação naThe Lancet, chamou-me a atenção ser Samoa Americana e Tonga as campeãs mundiais da obesidade, com 70% a 80% dos adultos, mulheres e homens, bem gorduchos. O que leva a escassa população daqueles longínquos arquipélagos da Polinésia, vivendo do turismo e da pesca, a se tornar obesa?…
Juro que não descobri a resposta….