O milagre de transformar pedra em pão: por Evaristo de Miranda

A tecnologia é chamada de rochagemou remineralização dos solos.Imagem de Freepik

 

A agricultura brasileira sempre surpreende.

Agora, com o uso de rochas moídas na adubação das lavouras. A tecnologia é chamada de rochagemou remineralização dos solos. Ela é uma alternativa complementar às adubações químicas e sintéticas, cada vez mais caras. E traz novos caminhos para o agricultor aumentar sua eficiência produtiva. A rochagembeneficia avidamicrobianadossolos,asaúdedasplantas, o crescimento ea profundidadedasraízes eaaeração da terra. E pode substituir parte dos fertilizantes.

Mais de 80% dos adubos são importados (95% no caso do potássio) e cotados em dólar. Pesam nos gastos do produtor. Geram dependência crescente do exterior. A rochagem pode ser uma boa saída para reduzir custos.Há 20 anos, ela está em evolução e expansão no Centro Oeste, sobretudo em grandes lavouras, e no Sul e Sudeste, com pequenos e médios agricultores.

Na rochagem, a matéria prima pode ter origem em resíduos de mineração, rochas moídas em pedreiras e até em propriedades rurais. Sempre em suas formas naturais, não submetidas a ataques químicos ou outros processos industriais. Parte dos fertilizantes minerais tem como base rochas processadas com ataques químicos, para obter concentração e solubilidade dos elementos desejados. O resultado são fertilizantes solúveis, facilmente absorvidos pelas raízes e, também, levados pelas chuvas.

A prioridade dos agricultores por minas e pedreiras regionais para a rochagem, situadas a menos de 300 km, está associada à redução dos custos de transporte até as fazendas.Outra vantagem: a possibilidade de estocar pó de rocha na fazenda, sem necessidade de ensacar ou proteger das chuvas.

A granulometria da moagem das rochas é fundamental na rochagem. Quanto mais fina melhor, mais reativa, proporciona maior contato com partículas do solo, raízes e microbiota. Moagens mais grosseiras persistem mais tempo no campo e disponibilizam nutrientes mais lentamente.A adubação com pó de rocha não é apenas para uma safra. Visa um período mínimo de 5 anos e resultados residuais prolongados, com granulometrias únicas ou mescladas.

textura granulada – Imagem de Freepik

A farinha de rocha, aplicada às lavouras, traz aos solos vários minerais dos quais são carentes por sua gênese ou origem (intemperização), ou devido a prática de agricultura intensiva com fertilizantes solúveis, capaz de acarretar o empobrecimento em determinados minerais, além das perdas por processos erosivos e de lixiviação (infiltração de água). Ela devolve aos solos parte desses minerais perdidos, daí a denominação de remineralização.

A remineralização efetiva só ocorre como resultado dainteração dos minerais aportados com os microrganismos dos solos, em particular as micorrizas. As saborosas e preciosas trufas são micorrizas (do grego: mukès, fungo;rhiz, raiz),associações simbióticas entre fungos e raízes. E sãodestaquenainteraçãocommicrorganismosdo solo. Fungos aumentam a superfície das raízes e ajudam na absorção de água e sais minerais. E recebem das raízes e usadados com açúcares e outros produtos.

As vantagens de se conjugar  o solo pó de rocha com biocondicionadores de solos (sobretudo soluções enriquecidas com microorganis mosinoculantes, como se fossem probióticos, preparadas na fazenda, onfarm)é a nova aposta da agropecuária, estimulada pela implementação do Programa Nacional de Bioinsumos.

 

A adubação natural com farinha de rocha não se faz moendo-se uma rocha qualquer para aplicar nos solos. Existe a rocha certa para cada tipo de solo e cultivo. As basálticas são as mais utilizadas, combinadas a outras rochas. Há grande variedade de rochas no Brasil. Elas trazem aos solos uma diversidade de nutrientes químicos significativos, cerca de 20 elementos diferentes: cobre, potássio, fósforo, manganês, zinco, cobalto… e silicatos e silício.

A agricultura brasileira é líder mundial de controle biológico, no uso de plantas de cobertura (adubos verdes) e outros resíduos para ampliar a matéria orgânica e a proteção aos solos, assim como na fixação de nitrogênio do ar nas raízes por bactérias para benefício das plantas. Essas tecnologias produzem sinergias entre a fração mineral e a orgânica dos solos, sobretudo no sistema do plantio direto na palha, sem aração. Na produção de grãos, a maioria dos agricultores não ara mais a terra, com economia de tempo, redução no uso de diesel e das emissões de CO2 e melhor conservação dos solos e da água. Muita aração e exposição do solo às intempéries reduz a microbiota e a eficiência do pó de rocha. Para os produtores: remineralização vai bem em terra pouco mexida.

Imagem Freepik

A rochagem tem história e é bem antiga. No século XIX, o pó de rocha já era utilizado em lavouras na Europa. O primeiro livro sobre rochagem foi “Pães de Pedra” (BrotausSteinen), escrito pelo agricultor, químico e médico alemão Julius Hensel, em 1870: … Embora este verão tenha sido particularmente seco, toda a cevada inspecionada se diferenciou das outras cultivadas sem farinha de pedra por sua aparência verde escura. As espigas comparadas com outras continham mais fileiras de grãos. Em muitas delas contamos até 40 grãos perfeitos e bem desenvolvidos. O mesmo aconteceu com o centeio. Os cultivos de batatinhas brilhavam mais frondosos…

Alguns críticos da rochagem esquecem: de certa forma, o uso de rochas moídas é tradicional na agricultura. A calagem é uma rochagem, praticada a partir de rochas calcárias, cálcicas ou dolomíticas. A fosfatagem é realizada, na maioria dos casos, a partir de rochas fosfáticas moídas. O potássio tem sido extraído derochas sedimentares, como a silvita e a carnalita.

O tema da rochagem é pesquisado sob a liderança daEmbrapa Cerrados há anos, em colaboração com outras 20unidades da Embrapa, Universidades, produtores rurais, empresas de mineração e associações (Grupo Associado de Agricultura Sustentável – GAAS). Há experimentos com diferentes objetivos, em vários solos e cultivos, para validar rochas regionais e comparar os resultados com sistemas convencionais de adubação.

Normatização

Inicialmente quase tratada como algo ilegal, a rochagem teve normalização efetiva. A lei n° 12.890 de 2013, inseriu os remineralizadores como insumos passíveis de uso na agricultura. Eles estão regulados desde 2016, incluídos nas categorias de insumos agrícolas, pela Instrução Normativa IN 5 do Ministério da Agricultura. Essa instrução regulamentou produção, registro e comércio do pó de rocha na agricultura. Opóderochaélegal.

O pó de rocha é utilizado em lavouras de cana de açúcar, milho, soja, feijão, algodão, além da fruticultura e horticultura, principalmente nos estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O pó de rocha também é utilizado na produção de mudas e como substrato no cultivo de eucaliptos.

As áreas tratadas com pó de rocha na agricultura brasileira superamdois milhões de hectares. Agricultores adotam cada vez mais essa tecnologia para melhorar a fertilidade com ferramentas, específicas a cada fazenda, solos ou região. Esse manejo da fertilidade ajuda a reduzir o custo de produção, sobretudo com fertilizantes químicos, e cresce a competitividade. O custo é baixo: cerca de 100 a 200 reais a tonelada de pó de rochas.

Em certos casos, a rochagem ajudou solucionar problemas ambientais do destino de resíduos na mineração: um exemplo da integração e dinamismo de empresas e produtores na busca de soluções, no mercado, para o avanço da produtividade e da rentabilidade no campo. Nada de bolsa rochagem!

Pães e pedras estão amplamente presentes na Bíblia(322 e 341 citações respectivamente). A tentação de Jesus Cristo no deserto é uma passagem evangélica, muito refletida na Quaresma. Diante de um Jesus faminto, o diabo lhe propõe transformar pedra em pão para se alimentar: Mande a esta pedra que se transforme em pão(Lc 4,3).Esse episódio significativo da vida de Jesus é relatado nos três evangelhos sinóticos (Mt 4,1-11, Mc 1,12.13 e Lc 4,1-13).

Transformar pedra em pão? Para a tradição, Jesus realizou um milagre litológico muito maior: transformou Simão, um pescador irascível, em pedra, em Pedro, em rocha, em Cefas (Jo 1,40-42). Depois transmutou essa Pedra em Papa, e não em pão: Tu és Pedro, e sobre essa pedra eu edificarei minha igreja (Mt 16,18). Tarefa muito mais difícil a de transformar Pedro em Papa, comparada à da pedra em pão.

Todos os dias no Brasil, pedras são transformadas em pão. A agropecuária brasileira não para de surpreender, com inovações, para benefício de toda população. Hoje, como no passado, no santuário do mundo rural, o milagre da transmutação de pedras em pães é realizado pelos agricultores, graças à tecnologia da rochagem, às pesquisas científicas e às empresas de mineração.

Se uso do pó de rocha é um processo em aperfeiçoamento, no agro brasileiro muita pedra já virou pão. Pesquisadores pesquisam. Agricultores usam, rejeitam e/ou validam. A farinha de rocha, unida à vida do solo e ao suor do produtor rural, pelo milagre solar da fotossíntese, se transforma em farinha de trigo, mandioca, milho e outros alimentos na mesa dos consumidores. Assim avança a agropecuária brasileira. Sem bolsas ou políticas afirmativas. Seja quem for o governo, o ministro da agricultura ou os censores da Nação. Com chuva ou menos chuva. É pau. É pedra. É o começo do caminho.

Artigo originalmente publicado na revista Oeste gentilmente cedido pelo autor Evaristo de Miranda, que também é membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA.
Redação SNA – imprensa@sna.agr.br
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