O legado turístico e econômico dos ciclos agrícolas

Quando um determinado cultivo exaure seu curso no tempo e espaço de certas regiões, isso pode significar o fim de uma era de prosperidade e poder, mas não necessariamente o esgotamento do potencial desses polos do ponto de vista turístico, cultural e financeiro. Muitas vezes, esse renascimento vem na forma do registro e memória de quem protagonizou o apogeu de uma época, mediante restauração e acessibilidade dos antigos latifúndios para fins de visitação, hospedagem e, em alguns casos, de retomada da produção.

No Centro-Sul do Estado do Rio de Janeiro, as majestosas fazendas de café que outrora foram o epicentro desse ciclo em municípios como Vassouras e Valença, hoje cumprem o papel de resgatar a identidade histórica e arquitetônica das sedes, além de atrair turistas interessados em conhecer as belas paisagens e suas construções. Nas cidades próximas, o comércio se beneficia desse fluxo, com hotéis, restaurantes e lojas vendo a clientela sempre renovada. Assim, o passado dessas regiões é contado às novas gerações, sem perder de vista a necessidade de se reinventar para manter a relevância e a competitividade.

No Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, cujo epíteto de ser “a cidade do álcool e do açúcar”, não esconde o orgulho nostálgico dos tempos em que as usinas de cana geravam riqueza, empregos e alavancavam praticamente todo setor, de cartórios a refinarias, passando pela festejada produção de doces, bem como o turismo. A generosa malha ferroviária atraía visitantes e profissionais liberais de municípios vizinhos que buscavam usufruir da clientela e do comércio, sem precisar recorrer ao Rio, então capital federal.

Com o passar dos anos, a cana de açúcar entrou em decadência, enquanto os trens minguaram seus ramais até sumirem de vez. O ocaso dos grandes usineiros e o fim de suas fortunas tiveram impacto negativo na economia local, que se habituara a décadas de bonança. Até mesmo praias famosas sofreram com a erosão do mar forte que danificou antigos marcos da orla.

Mas a descoberta de petróleo na costa local inaugurou uma nova era de pujança, com a presença de empresas e trabalhadores que usam a região como entreposto para as plataformas de extração. As estradas melhoraram e o fluxo aumentou, e a Bacia de Campos proporcionou um reaquecimento das atividades, focadas em atender o público que fixou residência ou que são visitantes frequentes. O comércio experimenta um boom com a diversificação de produtos e serviços, fenômeno que beneficiou também a vizinha Macaé. Algumas áreas de cultivo puderam retomar, ainda que timidamente, a antiga indústria local.

Na Bahia, a praga da vassoura de bruxa, fungo que dizimou as plantações de cacau entre as décadas de 80 e 90 do século passado, prejudicou enormemente a força exportadora do País. Trinta anos depois, novos produtores, alguns deles descendentes diretos dos antigos barões, retomaram os trabalhos com o intuito de lançar novos olhares e fórmulas de cultivo. A demanda do mercado orgânico e de chocolates finos, que exigem apuro desde o início da cadeia produtiva, proporcionam o incentivo necessário para que cidades como Ilhéus e Itabuna, entre outras, sigam recebendo turistas que desejam se familiarizar com esse capítulo importante da história agrícola nacional, além de jovens empreendedores que buscam o solo fértil para colocar em prática sofisticadas e exitosas técnicas de plantio e fabricação, ainda que sem a pretensão de alcançar do patamar de outros tempos.

Mas até mesmo experiências sem aparente legado positivo deixam lições importantes, ainda que amargas. Já no declínio dos barões da borracha, as cidades de Fordlândia e Belterra, no Pará, foram tentativas fracassadas e tardias de abastecer a produção de pneus na Ford com os outrora famosos seringais. Sofreram com a artificialidade de seu planejamento, que emulavam os núcleos urbanos americanos, além de imprevistos como pragas, protestos dos trabalhadores, competitividade do Sudeste Asiático, desinteresse do próprios idealizadores e descaso do governo brasileiro, que arrendou os territórios num processo açodado e pouco transparente, sem contrapartidas claras e tangíveis para o País. Tudo acabou abandonado em 1945, com as instalações ainda hoje em ruínas.

Historiadores foram criteriosos e produziram obras importantes que atestaram os sucessivos erros do empreendimento, num País que dificilmente fracassa nesse setor. Sendo assim, o paraíso perdido na selva ensinou a futuros empresários e gestores públicos o que não fazer.

No cômputo geral, os ciclos do agronegócio brasileiro, mesmo quando já encerrados, continuam a oferecer valiosas chances ao observador do presente, deixando um legado que se renova com o aprendizado, a tecnologia e a experiência, sendo o fator humano sempre decisivo na tomada de decisões e aproveitamento de oportunidades. Páginas importantes dessa história continuam sendo escritas.

Marcelo Sá
Equipe SNA
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp