Por Márcio Sette Fortes*
Os desdobramentos da crise do coronavírus sobre a economia e, particularmente, sobre o comércio exterior parecem realçar um cenário de enormes oportunidades, embora pontuado por óbices relevantes no agronegócio exportador.
Muito embora o uso das políticas fiscal e monetária na reativação das economias seja receituário comum, há de se considerar que o comércio exterior será um fator relevante a impulsionar a recuperação da economia brasileira e global. Ainda que sua importância como indutor do crescimento seja amplamente reconhecida, há contratempos trazidos pela própria crise do coronavírus que podem afetar seus resultados mais plenos.
Um desses contratempos se refere à segurança alimentar. Alguns países têm freado a saída de gêneros agrícolas exportáveis em função do abastecimento de seus mercados internos.
A Rússia, por exemplo, travou exportações de trigo. Nos Estados Unidos, plantas de carnes industrializadas sofreram reveses, por conta da infecção de funcionários, parando de produzir e sinalizando a possibilidade de desabastecimento interno. Aparentemente, para alguns gêneros agrícolas, excetuando-se o trigo, emerge enorme oportunidade para que o Brasil ocupe canais deixados de lado por seus concorrentes.
Mas há enormes riscos no horizonte do agronegócio brasileiro. Comecemos a análise pela soja e pelo milho, cujo volume recorde e a contratação da safra para venda futura soam alvissareiras. Os problemas quanto ao preço começam quando há a perspectiva de safras maiores daqueles dois tipos de grãos nos Estados Unidos, o que deve ser o caso do corrente ano.
Para piorar a situação, a guerra de preços entre Arábia Saudita e Rússia, que derrubou o valor do barril de petróleo, criou a tempestade perfeita ao conjugar-se com um cenário de demanda reduzida por combustível em um ambiente de lockdown mundial.
A redução no consumo de combustível afeta fortemente a produção de etanol que, nos Estados Unidos, é gerado a partir do milho. Nesse contexto, uma guinada na produção de mais soja e menos milho afetaria diretamente o Brasil. Ademais, não se pode esquecer do acordo comercial entre China e Estados Unidos, que privilegia as exportações dos EUA como nosso concorrente direto.
No Brasil, a redução do consumo de combustível e, por consequente, de etanol de cana-de-açúcar, encontra uma esplendorosa safra de cana atual, que deixa os usineiros em situação delicada. O natural endividamento prévio e o desencaixe monetário para a produção poderão demandar a necessidade de deságio para a execução das vendas, ocasionando uma forte quebra de expectativa no payback da operação.
As soluções a serem pleiteadas pelos usineiros são conhecidas e, certamente, envolverão a demanda por incentivos fiscais.
A desoneração de contribuições incidentes sobre o etanol (Pis/Cofins) e/ou, ainda, a elevação da Cide-Combustíveis sobre a gasolina, para incentivar o etanol como alternativa, parecem demandas prováveis. Ressalte-se, apenas, que um menor consumo de gasolina corresponde a uma redução na produção de petróleo e, eventualmente, na de gás, ocasionando a provável falta deste último no mercado. Seja como for, a ajuda governamental não pode deixar de contemplar, igualmente, o produtor rural.
Nesse cenário, onde a oferta de etanol é grande, mas não encontra a demanda pretendida, há o risco de um deslocamento da produção para aumentar o volume de açúcar produzido, o que poderá afetar negativamente o preço futuro da commodity.
Por fim, é mister concluir com o aspecto cambial, cuja posição recente vem garantindo aos exportadores do agronegócio uma remuneração assaz atraente. A valorização do dólar desde o início da crise produziu um câmbio que chega a compensar até as perdas dos preços internacionais de commodities agrícolas em baixa.
*Marcio Sette Fortes é diretor da Sociedade Nacional de Agricultura e professor do Ibmec.