Um novo ciclo robusto de investimentos em infraestrutura no Brasil vai demorar para deslanchar no País, enquanto representantes do governo e do setor privado medem forças na tentativa de alinhavar a volta ao modelo de financiamento mais concentrado no investimento de mercado.
Dada a agenda extensa de ajustes que precisam ser feitos, há pouca expectativa no mercado de que um pacote robusto de infraestrutura chegue antes do final do ano que vem com chances reais de sucesso.
Até lá, o governo fará barulho para mostrar que está se mexendo. Na prática, porém, só haverá recursos para conclusão de obras consideradas mais prioritárias, disseram fontes do governo e de instituições financeiras que participam das discussões.
“Dificilmente algum programa mais consistente virá a público antes do segundo semestre do ano que vem”, disse, à Reuters, um alto executivo de um grande banco estatal a par das discussões. E o fracasso na tentativa de privatização da distribuidora de energia elétrica goiana Celg-D, controlada pela Eletrobras, na semana passada, foi um alerta para o governo interino de que o investimento em infraestrutura não é tão simples de ser retomado.
Segundo um alto executivo de um grande banco estatal, o episódio foi um sinal de que o interesse em vender vários ativos em pouco tempo com objetivo declarado de fazer caixa não foi bem recebido pelo mercado.
“A tática de colocar o Brasil em liquidação não está dando muito certo”, disse a fonte, que pediu para não ser identificada. “Sob a ótica do investidor, é menos importante comprar um ativo barato do que ter confiança de que ele será rentável no longo prazo.”
O fracasso da venda da Celg-D acabou respingando no leilão de linhas de transmissão de energia, previsto para dois de setembro e que tinha como meta atrair R$ 12.6 bilhões em investimentos, afirmaram, à Reuters, duas fontes com conhecimento direto do assunto.
E mesmo dentro do Programa de Parceria e Investimentos (PPI), na qual serão definidas as primeiras concessões e privatizações do governo Temer, há dificuldade inclusive para se agendar uma primeira reunião. O primeiro encontro estava marcado para a próxima quinta-feira, mas uma fonte do governo disse que a reunião será adiada para 12 de setembro.
Pela frente, o governo Temer tem como trabalho de casa uma série de desafios que incluem editais de melhor qualidade, com versões em inglês e mais prazo para avaliação dos investidores, que deve passar de 30 a 45 dias para cem dias. Além disso, fazem parte dos preparativos proposta de taxas de retorno mais condizentes com o mercado e sinalização mais clara para obtenção de licenças ambientais.
“As novas concessões devem ser precedidas de editais bem feitos e aparato regulatório que dê confiança aos investidores privados”, disse recentemente a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos.
Com exceção dos editais já em andamento envolvendo quatro aeroportos e terminais em portos no Nordeste, novos leilões de estradas, ferrovias, portos e do setor do elétrico terão já na gênese um desenho totalmente distinto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que teve o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como principal financiador, segundo fontes ouvidas pela Reuters.
MEIO SÉCULO
Em parte, a demora para a retomada dos investimentos em infraestrutura reflete a dificuldade de consenso sobre alguns pontos importantes para um novo modelo de leilões. Um deles é o pleito de agentes do mercado para extensão dos prazos de concessão, da média atual de 20 a 30 anos, para até 50 anos.
“Não dá pra elevar muito a taxa de retorno, porque fica muito caro, mas com os prazos atuais de concessão é muito difícil recuperar o investimento”, disse um executivo de um grande banco privado brasileiro. Mas esse é um ponto no qual não há consenso nem dentro do próprio governo.
Um dos exemplos da discussão sobre retorno dos investimentos foi o comentário do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr. Ao tomar posse no final de julho, o executivo disse que a empresa não deve mais ser confundida com órgão estatal e uma fonte do governo disse, à Reuters, que a empresa “vai resgatar seu papel empresarial e não vai mais assumir investimentos com baixas taxas de retorno”.
Outra demanda do mercado é para que fundos de pensão tenham permissão para comprar papéis de empresas de capital fechado na área de infraestrutura, o que hoje é proibido. Mas os próprios fundos têm evitado comprar papéis mesmo de empresas de capital aberto, após perdas pesadas nos últimos anos, o que agravou o equilíbrio atuarial de diversos deles.
Na área de logística, auxiliares de Temer têm defendido que o anúncio de um novo lote de concessões seja enxuto, restrito a projetos efetivamente prontos, com editais claros e interesse efetivo de investidores.
A ideia é evitar situações como as ocorridas no governo da presidente afastada Dilma Rousseff, em que o governo anunciava planos ambiciosos com dezenas de concessões em diversas áreas da logística, mas só conseguia tirar algumas do papel.
“O Brasil precisa recuperar a credibilidade. Os leilões precisam passar credibilidade. Não adianta correr e fazer as coisas no atropelo”, disse uma fonte do governo envolvida diretamente nas discussões para desenho de novos editais.
Em entrevista à Reuters no mês passado, o ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella, defendeu que o primeiro lote de concessões tenha apenas projetos prontos para serem oferecidos ao mercado, “para evitar falsas expectativas”.
Fonte: Reuters