A produção de leite no Brasil tem avançado e se profissionalizado nos últimos anos com um empurrão considerável do uso de novas tecnologias. E dados da Embrapa comprovam o movimento: enquanto o rebanho ordenhado caiu de 22.9 milhões de cabeças, em 2010, para 16.3 milhões em 2019, a produção por vaca aumentou de 1.300 para 2.100 litros por ano na comparação.
Um dos maiores produtores mundiais de leite, com quase 35 bilhões de litros por ano, o País é também um dos maiores consumidores, com média de 170 litros por habitante por ano, entre leite e derivados. O Ministério da Agricultura estima que o Valor Bruto da Produção (VBP) da cadeia será de R$ 41.3 bilhões em 2020, com aumento de 12,50% em relação a 2019, e crescerá mais 6,20% em 2021, para R$ 44.9 bilhões.
Para Paulo Martins, chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, sem tecnologia esse avanço seria inviável. Ele lembra que, por muitos anos, a pecuária leiteira foi encarada como “atrasada” e o “patinho feio” do agronegócio, mas que esse retrato já está desbotado.
Doutor em Economia, Martins disse que essa visão é uma herança da década de 1980 e precisa ficar no passado. “O tabelamento de preços dos alimentos foi o que retardou o avanço tecnológico do segmento. O leite pesava 8% na cesta do consumidor e, por isso, o governo segurava seus preços, o que teve efeitos nefastos para a cadeia”.
Ele afirmou que na década de 1990 a situação começou a mudar, já que os produtores, que se tornaram competitivos à força, abriram os olhos para a necessidade de se modernizar. “Muita gente deixou a atividade, e os que ficaram foram se profissionalizando”, disse Martins. Pressão por eficiência e problemas de sucessão familiar nas fazendas aceleraram o processo.
Hoje, segundo Renne Granato, gerente corporativo de negócios da cooperativa gaúcha Cotrijal, ser tecnificado na cadeia leiteira não significa simplesmente tirar o máximo de produção ao menor custo. “Um produtor tecnificado é o que se preocupa com bem-estar e nutrição animal, genética e gestão financeira”, disse. Dos cerca de 7.800 associados da Cotrijal, 1.100 são produtores de leite.
Dentro dessas diretrizes, a Cotrijal firmou uma parceria em setembro de 2019 com a startup Cowmed, de Santa Maria (RS), que desenvolveu uma coleira de monitoramento capaz de detectar vacas no cio, doentes ou com qualquer alteração comportamental. Ao todo, 5% do rebanho dos cooperados, ou 2.100 vacas, de um total de 40.000, já está sendo monitorado.
Leonardo Guedes, diretor de clientes da Cowmed, conta que o uso do equipamento por seis meses gera, em média, uma redução de 10% no descarte de vacas inaptas à produção leiteira. O valor do serviço é, em média, de R$ 15,00 por vaca por mês.
Fundada em 2010, a empresa tem 200 clientes, em 13 Estados, e fatura R$ 2.5 milhões por ano. Em 2016, a Cowmed recebeu R$ 4 milhões da gestora KPTL. Investidores individuais injetaram outros R$ 5 milhões em 2019.
Outra que desponta na pecuária leiteira conectada é a agtech Onfarm, de Piracicaba (SP), que prevê faturar R$ 10 milhões em 2021 com a venda de uma solução para identificar problemas de mastite nos animais em lactação.
A empresa desenvolveu um hardware, o SmartLab, um minilaboratório que fica na fazenda em comodato, e também provê testes de identificação de bactérias em 24 horas. Segundo Laerte Dagher Cassoli, CEO da OnFarm, um pequeno produtor pode contratar o serviço por R$ 190,00 por mês, tendo direito a oito testes.
Em 2020, a OnFarm monitorou quase 100.000 casos de mastite e reduziu em 54% o uso de antibióticos nas fazendas onde estão os animais. É possível diminuir a aplicação de medicamentos com a identificação de casos em que a bactéria não responde ao tratamento ou em episódios de cura espontânea do animal, por exemplo.
Em 2019, a OnFarm recebeu R$ 4 milhões do fundo 10b Livestock, gerido pela 10b Gestora de Recursos, integrante da SK Tarpon, e acelerou seu crescimento. Hoje, cobre 12 Estados, tem 965 clientes e monitora 1.500 fazendas no País. A meta para os próximos três anos é chegar a cerca de 15.000 propriedades no Brasil e crescer na Argentina, onde deverá desembarcar em janeiro. Depois virão Uruguai, México e Colômbia.
Para além das porteiras das fazendas, a revolução também se materializa no trabalho de agtechs como a catarinense Bionexus, que monitora a qualidade do leite cru em indústrias e propriedades rurais. A empresa recebeu investimento de R$ 400.000,00 da Rede de Investidores Anjo de Santa Catarina em 2019 e tem uma carteira de 15 clientes diretos, que atendem mais de 2.300 propriedades.
Outra que quer ganhar espaço é a mineira VoluTech, que acompanha em tempo real os tanques das fazendas e permite aos laticínios acesso a todos os pontos de coleta. A empresa tem o Laticínios Porto Alegre como cliente e prevê crescer em 2021.
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