Neste mês, as usinas das regiões Nordeste e Norte do país iniciam a safra de cana-de-açúcar 2018/19 apostando na produção de etanol como nunca antes em sua história. Refletindo o maior dinamismo dos mercados local e nacional do biocombustível, o etanol deve avançar sobre o reinado do açúcar nessas duas regiões, na avaliação de consultorias e produtores.
Em projeções antecipadas ao Valor, a consultoria INTL FCStone estima que a produção de etanol hidratado (utilizado diretamente nos veículos) nas duas regiões juntas crescerá quase 25% e atingirá 1.05 bilhão de litros. Somando à produção de etanol anidro (que é misturado à gasolina), a produção total do biocombustível deverá ser quase 11% maior do que na safra passada, alcançando 1.98 bilhão de litros, nas contas da consultoria.
Além de um leve aumento na moagem da cana, o crescimento deve ser fruto, sobretudo, do maior direcionamento da matéria-prima para a produção de etanol. Na avaliação da FCStone, apenas 43,5% da cana moída será destinada à fabricação de açúcar – o menor “mix” açucareiro da série histórica da consultoria, iniciada na safra 1999/00.
A consultoria JOB Economia, que em abril já previra o aumento da produção de etanol (hidratado e anidro) no Norte e no Nordeste, elevou semana passada sua projeção de 1.87 bilhão de litros para dois bilhões de litros. Na safra anterior, a JOB estima que as duas regiões produziram 1.8 bilhão de litros.
A razão para as usinas preferirem o etanol em detrimento do açúcar é a melhor remuneração do biocombustível, cujos preços têm subido nos últimos meses para os motoristas do Norte e Nordeste, sem perder competitividade em relação à gasolina.
Na terceira semana de julho, por exemplo, o preço da gasolina C vendida nos postos das duas regiões subiu 26,4% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o do etanol teve alta de 16,3% na mesma base de comparação. “Ou seja, a próxima safra deve começar com preços mais altos e demanda acelerada pelo biocombustível produzido na região”, disse João Paulo Botelho, analista da FCStone, em relatório.
Segundo a JOB Economia, a produção de Norte e Nordeste deverá abastecer 43% da demanda das duas regiões, estimada pela consultoria em 4.66 bilhões de litros para o ciclo atual. A região centro-sul, que também está tendo uma safra mais alcooleira, deverá enviar um pouco mais de etanol às duas regiões.
A JOB Economia prevê uma transferência de 1.1 bilhão de litros do centro-sul ao Norte e Nordeste neste ciclo, 100 milhões a mais do que na safra anterior. Com isso, a importação de etanol pelas regiões deve diminuir. Se na safra passada Norte e Nordeste importaram 1.46 bilhão de litros do produto, na atual o volume deverá cair para 1.2 bilhão de litros, estima a JOB.
O bom momento do mercado de etanol contrasta com o enfraquecimento do mercado de açúcar. Enquanto o indicador mensal de preços Cepea/Esalq para o hidratado em Pernambuco em junho (último dado disponível) estava em R$ 1,9982 por litro, com alta de 23% sobre igual mês de 2017, o indicador mensal para o açúcar cristal no mesmo estado ficou 11% abaixo do registrado um ano antes, a R$ 68,53 a saca de 50 quilos.
“Diante da deficiência dos preços do açúcar, a única esperança é o mercado de etanol hidratado, que tem apresentado fluxo de vendas mais contínuo em função do preço da gasolina”, disse Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar/PE, que prevê produção de hidratado praticamente igual ao estimado pela FCStone.
Alagoas, em particular, ganhou um incentivo adicional para produzir etanol. No último dia 27, o governador Renan Filho publicou decreto em que isenta de ICMS a saída de cana para as usinas e permite que as empresas utilizem crédito presumido (da aquisição de insumos) de 12% na venda de etanol hidratado, mesmo regime vigente em Pernambuco.
A produção de etanol do Norte e Nordeste também será beneficiada pelo maior volume de cana a ser moído nas duas regiões. A FCStone estima incremento de 2,8% na moagem, para 46.5 milhões de toneladas. Nas contas da JOB Economia, o processamento será quase igual à safra anterior, projetada em 47 milhões de toneladas. Para o Sindaçúcar/PE, que estima que a moagem da última safra tenha ficado em 44.9 milhões de toneladas, as usinas elevarão o volume de cana moída em 4,7%, para 47 milhões de toneladas.
O aumento da quantidade de matéria-prima reflete o avanço da área de plantio nos principais estados nordestinos para a safra 2018/19. Esse incremento de área foi resultado, em grande parte, da morte de soqueiras (restos de cana que rebrotam a cada safra) pela seca em 2016 e no início de 2017, disse Botelho, da FCStone. “A morte das soqueiras obrigou muitas usinas e fornecedores a replantarem parte de seus canaviais em 2017”.
Além disso, as chuvas ficaram acima da média no Nordeste até abril, o que favoreceu o crescimento das plantas. Contudo, o tempo voltou a ficar seco a partir de junho. Para a FCStone, há riscos para a produtividade se as chuvas em agosto ficarem abaixo do normal. Já Cunha, do Sindaçúcar/PE, não vê ameaças para o ciclo atual, mas para a próxima temporada.
Fonte: Valor Econômico