Uma confluência de fatores positivos de clima e mercado tem acenado para um período muito positivo para a cotonicultura brasileira em 2019, justamente no ano em que Milton Garbugio assumiu o mandato de presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
A entidade completa 20 anos com realizações memoráveis na história do agro nacional, como a vitória no contencioso contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC).
AGROANALYSIS: A ABRAPA comemora o seu vigésimo aniversário com uma história rica de realizações?
Milton Garbugio: O que separa uma produção de 700.000 toneladas de uma de quase três milhões de toneladas, ou o que separa a condição de grande importador da de segundo maior exportador de pluma de algodão do Planeta, não são números que se mensurem em unidades de peso, mas que se marcam no calendário.
Vinte anos se passaram desde que, em 7 de abril de 1999, foi criada a Abrapa. A entidade já nasceu sob o signo do desenvolvimento, tendo por estratégia a sustentabilidade da atividade. Ao surgir, como a materialização da união dos cotonicultores do Brasil, a Abrapa deixou para trás uma história secular de fracassos, sucessos temporários e recomeços da cotonicultura como atividade econômica para, então, inaugurar uma nova página na história, cravando o nome do Brasil no mapa mundial do algodão.
Temos orgulho quando ouvimos do mercado e de outros setores que somos “a cadeia produtiva mais organizada e desenvolvida do agro brasileiro”. Não sei se somos “a mais”, mas trabalhamos para ser melhores a cada dia. É muito caro produzir algodão, e, por isso, não podemos errar. Buscamos todos os meios para ser mais produtivos e assegurar que, mesmo no que foge ao nosso controle, como clima, podemos estar de alguma forma blindados, com muita tecnologia.
Procuramos ser assertivos e proativos no diálogo com o Governo e os poderes Legislativo e Judiciário para melhorar as condições logísticas, tributárias e políticas necessárias ao desenvolvimento pleno e saudável da nossa atividade. Somos bem-sucedidos em muitas dessas questões, mas ainda há muito a avançar.
Um dos seus grandes marcos foi a contenda contra os Estados Unidos?
MG: Sem sombra de dúvida! Essa foi a nossa vitória mais emblemática e, creio, sem precedentes no agronegócio brasileiro. Ela tornou possíveis e catalisou muitas das ações que a entidade promove em favor da cadeia produtiva. Essa capacidade de enxergar amplamente o setor, estudar e propor soluções é uma marca característica da Abrapa.
Muitos, certamente, não acreditaram que um grupo relativamente pequeno de produtores rurais, os cotonicultores, fosse capaz de peitar uma grande potência mundial como os Estados Unidos no âmbito da OMC. Contestamos os subsídios concedidos pelo governo americano aos seus produtores de algodão por considerá-los desleais à concorrência entre os países.
O arrojo pelo qual é conhecida a cadeia de algodão, seja encarando uma contenda mundial, investindo em pesquisa, sustentabilidade, qualidade e rastreabilidade ou, até mesmo, falando com o consumidor final, como acontece no movimento Sou de Algodão, revela uma atuação organizada, estratégica e em bloco. Sem a união dos produtores, nada disso seria possível.
As demandas do setor foram atendidas pelo Plano Safra 2019/2020?
MG: Consideramos o Plano Safra 2019/2020 muito positivo. Pelo menos duas das mais importantes reivindicações que fizemos ao governo federal foram contempladas: a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) em moeda estrangeira, com correção cambial no exterior; e o chamado Patrimônio de Afetação, que dá ao produtor a possibilidade de fracionar o bem dado como garantia na contratação de crédito nos financiamentos agropecuários.
Além disso, o Plano Safra avançou em pontos importantes, como na ampliação de fontes de financiamento e ao contemplar simultaneamente os pequenos, os médios e os grandes agricultores. O referenciamento em moeda estrangeira dos títulos do agronegócio nos permite negociar com fundos e traders, ampliando as possibilidades de recursos para custeio e investimento.
Sobre o Patrimônio de Afetação: antes, para conseguir um financiamento, o produtor comprometia todo o seu patrimônio como garantia, mesmo com o valor do bem muito maior do que o recurso tomado. Com a mudança nessa regra, o acesso ao crédito é ampliado. O aumento de um ponto percentual na taxa de juros, que passou de 7%, no Plano Safra 2018/2019, para 8%, no 2019/2020, não foi um problema, já que o incremento na taxa de juros decorre da situação econômica do País.
Precisamos de disponibilidade e agilidade no fornecimento dos recursos. Apesar de ser um custo financeiro alto, considerando a rentabilidade do negócio atualmente, esse incremento na taxa não é tão relevante desde que o Governo se comprometa a garantir mais recursos e levar dinheiro para o seguro rural, que é importante para os pequenos, os médios e os grandes produtores.
Esperamos outra temporada promissora para a cadeia produtiva do algodão?
MG: Na safra 2018/19, tivemos condições favoráveis tanto em termos de clima, quanto de preços da commodity, que estimularam o crescimento da área plantada. O resultado é que chegamos a uma expectativa de produção recorde, de cerca de 2.83 milhões de toneladas, colhidas em 1.63 milhão de hectares de área plantada, com produtividade de 1.730 quilos de pluma por hectare.
Falamos de pluma de qualidade, desejável pelos mercados, sobretudo o asiático, cada vez mais presente no blend das indústrias. Para 2019/20, ainda não temos números oficiais. O mercado fala em aumento de área, mas os preços não estão muito atrativos e os custos de produção estão elevados por conta do dólar e de fatores fitossanitários. Qualquer previsão seria precipitada agora. Teremos números mais aproximados a partir de dezembro.
Qual a importância do Algodão Brasileiro Responsável (ABR) e da Better Cotton Initiative (BCI)?
MG: Há pouco mais de 20 anos, a sustentabilidade – ambiental, social e econômica – foi entendida como o único caminho para fazer renascer e perdurar a produção de algodão no País. A bandeira se tornou um compromisso de todos os cotonicultores, representados pela Abrapa, com a implementação do programa ABR, que estabeleceu critérios para certificar, em nível nacional, a pluma sustentável e que opera em benchmark com a ONG suíça BCI.
Do total de algodão produzido no globo, 19% são licenciados pela BCI. No Brasil, a estimativa de área plantada, certificada ABR, para a safra 2018/19 é de 1.3 milhão de hectares, número 38% superior ao da safra 2017/18. Já a produção brasileira de pluma certificada ABR na safra 2018/19 é estimada em aproximadamente 2.2 milhões de toneladas, número 42% superior ao alcançado na safra 2017/18.
Para a BCI, a previsão de licenciamento é de 2.1 milhões de toneladas de pluma de algodão. Esse número indica-nos que 80% da safra colhida no Brasil é de algodão certificado, comprovadamente sustentável. E o percentual de adesão cresce a cada ano.
A BCI é uma referência internacional em licenciamento de algodão produzido sob os parâmetros da sustentabilidade. Trata-se de um programa global presente em 21 países, com chancela diferencial de mercado, neste momento em que há um evidente incremento de procura por produtos gerados a partir de bases social, ambiental e economicamente corretas, como consequência da conscientização do consumidor final.
O programa ABR, criado pela Abrapa, é gerido em cada estado produtor de algodão pelas suas associações filiadas. A parceria referenciada contribuiu para fazer do País o campeão mundial de fibra comprovadamente sustentável, com 31% do montante chancelado pela entidade internacional.
Manteremos a segunda posição no ranking dos países exportadores?
MG: O Brasil deve fechar o ciclo de exportações de algodão da safra 2017/18 em 1.27 milhão de toneladas, confirmando a sua nova posição de segundo maior exportador da pluma, atrás dos Estados Unidos. Para a safra 2018/19, a estimativa é de que os embarques se aproximem das dois milhões de toneladas de pluma.
As informações frustrantes sobre o Produto Interno Bruto (PIB) nacional impactam o cotonicultor?
MG: PIB nacional baixo não é bom para nenhum setor. O cotonicultor brasileiro usa toda a sua expertise para produzir cada vez mais e melhor. Os seus custos são altos; a incorporação de tecnologia é muito grande. Acumulamos safras recordes, e o agro, até então, estava sendo a base de sustentação nacional.
O PIB baixo significa menos empregos, menor poder aquisitivo para o consumidor final e recessão. Some-se a isso a redução do câmbio, que afeta as exportações e estimula as importações e a consequente concorrência desfavorável para a indústria nacional.
Os resultados são que o setor não ganha tanto quanto poderia nas exportações, a indústria nacional perde a vez na competição com os importados e o consumidor final, se ainda tem algum poder aquisitivo, fica mais reticente para consumir bens de vestuário. É um círculo vicioso.
Qual a importância do Centro Brasileiro de Referência em Análise de Algodão (CBRA)?
MG: No dia 6 de dezembro de 2016, a Abrapa inaugurou o CBRA, o mais visível dos três pilares que compõem o programa Standard Brasil HVI (SBRHVI), cujo objetivo é dar mais transparência às análises de High Volume Instrument (HVI) realizadas no algodão produzido no Brasil. Trata-se do laboratório central de verificação e padronização dos processos classificatórios do algodão brasileiro e que atua para garantir a qualidade e a credibilidade dos resultados aferidos nos diversos laboratórios participantes do programa.
Ele é resultado de um investimento de R$ 9 milhões, de um total de cerca de R$ 50 milhões investidos em todo o programa de qualidade, valor que inclui, além da sua estrutura, os investimentos feitos nos demais laboratórios pelas associações estaduais, com recursos do Instituto do Algodão Brasileiro (IBA).
O Centro foi certificado pelo renomado ICA Bremen, passando a fazer parte de um seletíssimo grupo no mundo. Para isso, cumpriu um longo passo a passo. O CBRA está situado em uma área de aproximadamente dois mil metros quadrados, no mesmo prédio que sedia a Abrapa e o IBA. Ele conta com duas máquinas de HVI, que podem analisar 800 amostras por dia cada e têm capacidade instalada para checar até duas vezes a safra atual de algodão no Brasil. Todo o ambiente é controlado para garantir as condições de temperatura e umidade ideais para a classificação.
A importância do CBRA é ser o balizador dos resultados de análise por HVI do algodão brasileiro. Com resultados precisos e confiáveis em todos os laboratórios que classificam algodão no Brasil, alcançados com a implantação do programa SBRHVI, e informações fidedignas e integradas, disponíveis online para quem compra e quem vende a pluma, o mercado passa a entender que somos origem de credibilidade, e isso nos fortalece como fornecedores de algodão aos olhos do mundo.
Quais são as expectativas para o 12º Congresso Brasileiro do Algodão?
MG: O Congresso deste ano tem características muito especiais. A sede, Goiânia, no coração do Cerrado brasileiro, facilita muito a presença do público. A nossa expectativa é de que haja a participação de 1.500 pessoas. Além disso, a conjuntura da safra 2018/19 foi muito favorável. Crescemos em produção, área e exportações. Definitivamente, confirmamos o Brasil como um grande player mundial em produção de algodão. Tudo isso anima o produtor a participar do evento.
Tão logo abrimos as vendas de cotas de patrocínio no ano passado, tivemos uma procura enorme e comercializamos os espaços em um tempo surpreendentemente rápido. Como um charme todo especial dessa edição, há o fato de que a Abrapa está completando 20 anos. Não poderíamos deixar isso passar em branco.
Além das homenagens e das referências à data ao longo da programação, vamos quebrar um pouco a tradição de congresso que não tem atrações artísticas, centrado unicamente nas questões do setor, para brindar a história de sucesso da cotonicultura brasileira nas últimas duas décadas com um show do cantor Leonardo, um artista que tem tudo a ver com o Estado de Goiás e com o nosso público. Sem dúvida, será um momento inesquecível!
Agroanalysis