Mudanças climáticas desafiam produção no campo

 

Engenheiro agrícola Eduardo Assad: “Dinheiro existe, crédito existe… O que não vem ocorrendo é a transferência de tecnologia para o campo, até então desconhecida por muitos produtores rurais”

 

A Pesquisa da Pecuária Municipal 2012 (PPM), divulgada na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou um cenário pouco favorável para os rebanhos do país no ano passado. Dentre vários fatores, as adversidades climáticas foram fundamentais para o registro de tais perdas do agronegócio, que também costumam afetar as safras de grãos. Mas não é de hoje que muitos especialistas discutem a necessidade de o país implantar políticas públicas e de planejamentos estratégicos para que o segmento não fique à mercê das mudanças do tempo.

Representantes do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), defendem as mudanças das políticas agrícola, industrial e urbana voltadas à sustentabilidade ambiental e aos eventos climáticos extremos, a exemplo das chuvas em excesso no estado do Paraná e as secas prolongadas na região Nordeste do país.

O Plano Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), apresentado no mês passado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), indica que as consequências da elevação da temperatura média do planeta podem ser dramáticas para o Brasil e a agricultura certamente será o setor mais afetado. O relatório mostra que devem ser registradas variações de temperaturas: de frio e de calor extremos em períodos mais curtos.

Um estudo da Embrapa, divulgado há cinco anos e confirmado no relatório do PBMC, previa que as mudanças climáticas poderiam ser devastadoras para a produção de alimentos, provocando perdas graves: R$ 7,4 bilhões em 2020 e de R$ 14 bilhões em 2070. Se o cenário continuar assim, o agronegócio – responsável por 24% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional – sofrerá impacto maior, com destaque para os rebanhos e algumas safras de grãos.

Conforme o relatório do Plano Brasileiro de Mudanças Climáticas, as perdas da soja, por exemplo, podem chegar a 40% da área plantada. Já a produção de café arábica pode ter queda de 33% nos estados de São Paulo e Minas Gerais, mesmo que, segundo a previsão, aumente na região Sul do país. Ainda levando em consideração o provável efeito das temperaturas mais elevadas, as perspectivas indicam que, em 2020 e 2030, a produção de algodão, arroz, feijão, soja, milho e trigo sofrerão perdas importantes significativas.

De acordo com o PBMC, as cheias e as secas mais fortes e mais prolongadas também podem modificar a vazão dos rios, prejudicando o abastecimento dos reservatórios das usinas hidrelétricas, acelerando a acidificação da água do mar e reduzindo a biodiversidade dos ambientes aquáticos do país.

Para o engenheiro agrícola e pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, é necessário que haja investimentos tecnológicos no campo para recuperar pastos, fazer o plantio direto, aplicar revegetação, entre outros. “É preciso promover práticas que retirem o carbono da atmosfera e fixe-o no solo, porque a agricultura sem carbono só existe no deserto. É necessário aumentar o material orgânico, adubar corretamente”, pontua. “Dinheiro existe, crédito existe, vindos de programas como o Fundo do Centro-Oeste, Pronaf, entre outros. O que não vem ocorrendo é a transferência de tecnologia para o campo, até então desconhecida por muitos produtores rurais”, ressalta o especialista.

Na opinião de Assad, a produção agropecuária do país não pode culpar sempre as mudanças climáticas em casos de perdas. “Perder para o clima significa que não usaram tecnologia de forma adequada. Em muitos casos, basta aprofundar a raiz da planta em 10, 15 centímetros para evitar perdas.” Ele também aponta para a importância da conservação da água. “É necessário o produtor rural trabalhar na recuperação de nascentes na sua propriedade, revitalizando córregos e rios que passam pelo local. Desta forma, ele garante o fornecimento de água para abastecimento próprio e para os animais”, destaca o pesquisador da Embrapa.

 

SUGESTÕES

Para mudar o quadro de perdas no campo, o Plano Brasileiro de Mudanças Climáticas sugere algumas medidas a serem adotadas nos sistemas produtivos:

– Investir intensivamente em sistemas agrícolas mistos e consorciados e abandonar a prática da monocultura;
– Aumentar a fixação biológica de nitrogênio no solo, ampliar o uso de insumos orgânicos, adotar a rotação de culturas e os manejos sustentáveis de produção;
– Reduzir o uso de pesticidas e fertilizantes químicos;
– Mudar radicalmente a concessão dos créditos agrícolas, que estimulam os sistemas químicos de produção e a transferência de recursos financeiros para as multinacionais de fertilizantes, máquinas e implementos, agrotóxicos e sementes;
– Ampliar fortemente as práticas orgânicas e agroecológicas de produção
– Utilizar sementes varietais, condenando as sementes transgênicas, que intensificam o uso de agrotóxicos.

 

PROJETO INTERNACIONAL

Como as mudanças climáticas vão impactar os sistemas de produção agrícola e quais os benefícios das adaptações? Essas são algumas das questões que estão desafiando os cientistas do AgMip, projeto internacional de Intercomparação e Aprimoramento de Modelos Agrícolas, que busca incorporar os estudos de clima a modelos econômicos e de produção, visando apresentar soluções científicas para as principais regiões agrícolas do mundo, tanto de países desenvolvidos como em desenvolvimento. As informações são da Embrapa.

O AgMip é um projeto que reúne mais de 600 membros de diversos países preocupados em aperfeiçoar os modelos agrícolas, usando dados regionais e globais de alta qualidade e as melhores práticas científicas para aplicações em avaliações integradas, considerando a heterogeneidade regional e a maior complexidade dos sistemas de produção. Além disso, objetiva desenvolver ferramentas para identificar e avaliar políticas e tecnologias de adaptação promissoras e priorizar estratégias, considerando séries históricas de clima e futuros cenários climáticos.

“O AgMip já possui muitos estudos e referências dos Estados Unidos e da África e queremos impulsionar essas atividades na América Latina”, disse o coordenador regional do projeto Roberto Valdivia, pesquisador da Universidade do Estado do Oregon (EUA). Ele explicou que o AgMIP está desenvolvendo uma nova metodologia para analisar quais serão os impactos futuros de mudança de clima na agricultura, de maneira coordenada e padronizada. Segundo Valdivia, realizar essas pesquisas na América Latina é muito importante porque a região conta com capacidade técnica e metodologia que vão ser de grande ajuda para o desenvolvimento científico.

Atualmente mais de 30 atividades do AgMip estão em andamento, de acordo com Alexander Ruane, cientista do Goddard Institue for Space Studies da Agência Espacial Americana (GISS/Nasa). Para entender qual é a sensibilidade dos atuais sistemas de produção agrícola às mudanças climáticas é preciso incorporar os estudos sobre as tendências de produtividade aos modelos econômicos globais. Também é importante simular cenários de produtividade, afirma ele.

 

Por Equipe SNA/RJ, com informações da Embrapa

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