Milho caro desafia avanço das exportações de frango do País

A hegemonia brasileira no comércio global de carne de frango está em xeque. O País, que abocanhou quase 40% das exportações em meio à epidemia de gripe aviária em 2004, nunca esteve tão desafiado. Se já não bastassem as recentes barreiras aplicadas por União Europeia e China, a avicultura brasileira pode estar em vias de perder um importante diferencial competitivo: o milho barato.

Até o início da década, as principais agroindústrias de aves, como BRF e Seara, conseguiam comprar o cereal a preços mais baixos do que aqueles oferecidos na venda para o mercado externo, ou seja, abaixo da paridade de exportação. Isso só era possível em função das deficiências logísticas, que chegavam a inviabilizar a exportação de grãos em algumas regiões do Centro-Oeste, e da fragilidade financeira dos agricultores brasileiros.

Na prática, os produtores de milho do país “subsidiavam” a produção de frango, admitiu o executivo de uma das maiores agroindústrias. “Em algum momento o setor de aves e suínos ganhou demais”, disse.

Nos últimos anos, porém, isso mudou. O Brasil se consolidou como o segundo maior exportador mundial de milho (ver infográfico). Na safra 2015/16, as empresas brasileiras de frango atravessaram uma situação inédita, e negativa. Com a quebra da safra de inverno daquele ciclo, o milho brasileiro ficou mais caro que o importado. A agroindústria, que estava acostumada ao milho abaixo da paridade de exportação, se viu no extremo oposto. Nesse cenário, os exportadores de frango chegaram a perder participação para Rússia e Ucrânia no Oriente Médio, um mercado até então cativo.

Segundo o economista e sócio-consultor da MB Agro, Alexandre Mendonça de Barros, é fato que as mudanças estruturais no mercado de milho tiraram competitividade da produção de frango nacional. “Antes, a logística e o endividamento do produtor ajudavam a indústria de carnes. Hoje essas duas coisas não são mais verdadeiras”, disse.

Evidentemente, quebras de safra como as de 2015/16 e a do atual ciclo, a escassez hídrica prejudicou a oferta de milho em Mato Grosso do Sul e na região Sul do País, são problemas temporários. Segundo o gerente de produtos agropecuários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Thomé Luiz Guth, a disponibilidade de milho não é o problema, mesmo porque Mato Grosso oferece muito espaço para ampliar a área na safra de inverno. Neste ano, o consumo doméstico de milho será de 56 milhões de toneladas, segundo a estimativa do banco Rabobank.

A questão de fundo, e potencialmente problemática, é o preço do milho. No horizonte de médio prazo, há riscos importantes. O principal deles é a possibilidade da entrada dos chineses na importação de milho. O gigante asiático é histórica e estrategicamente autossuficiente no cereal, mas a relação entre o estoque da China e o consumo está diminuindo em ritmo rápido em razão da maior demanda no país asiático.

No fim da temporada 2018/19, o estoque do da China representará 24,3% do consumo, estima o UDSA. Se trata da menor relação entre estoque e demanda desde o início da década de 1970. Representa ainda redução sensível ante a safra 2015/16, quando o estoque abastecia 50,9% da demanda.

Diante desse cenário, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) lidera um grupo, que conta com a participação de representantes de produtores de milho, para melhorar o relacionamento, historicamente conturbado Segundo o presidente da ABPA, Francisco Turra, essa relação sempre foi caracterizada pela desconfiança, com cada lado “louco para dar o bote”.

Na opinião do presidente da Aurora Alimentos, Mário Lanznaster, a mudança no mercado de milho forçará as agroindústrias de aves e suínos, que hoje estão concentradas no Sul do país, a migrar para a região Centro-Oeste, e, sobretudo Mato Grosso. Mas essa migração ponderou, não é fácil, dada a escassez de mão de obra e da cultura de integrados na região Centro-Oeste.

A migração é o caminho provável diante do déficit de milho de Santa Catarina, berço das maiores empresas do setor, o Estado só produz metade do cereal consumido. Para o presidente da Aurora, a construção de uma ferrovia para escoar o milho de Mato Grosso para Santa Catarina seria um saída, mas não há vontade política para esse projeto, lamentou.

Se ampliarem a fatia da produção em Mato Grosso, as agroindústrias de carnes ficarão mais bem posicionadas para competir com tradings que compram milho para exportar e também com os produtores de etanol de milho. A avaliação do presidente da União Nacional de Etanol de Milho (Unem), Ricardo Tomczyk, é que nessa competição por milho as usinas e os produtores de frangos sairão em vantagem em relação aos exportadores do grão. “Para o produtor, é mais fácil comercializar com quem está do lado”, disse, sustentando que as usinas podem até ter impacto positivo para produtores de carne. O DDG (sigla em inglês para Grãos Secos de Destilaria) é um subproduto do etanol de milho que pode ser usado na ração.

 

 Valor

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