O crescimento da população e da renda, aliada ao refinamento das previsões de consumo de proteínas animais por países emergentes, levaram a americana Bain & Company a revisar suas estimativas para a demanda global de alimentos em 2050, em um cenário marcado pela crescente importância da América do Sul na produção agrícola.
As novas projeções feitas pela consultoria indicam que o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Bolívia, juntos, terão de aumentar em 406 milhões de toneladas a oferta das cinco principais culturas – trigo, milho, soja, arroz e açúcar -, volume superior às 320 milhões de toneladas apontadas quatro anos atrás. Atualmente, a região responde por 13% da produção mundial, ou 370,97 milhões de toneladas. Mas, daqui a 35 anos, a fatia deverá avançar para 18% a 19% da oferta global, cuja estimativa passou de 3,93 bilhões para 4,34 bilhões de toneladas – 55,5% mais que as 2,79 bilhões de toneladas atuais.
A China está ficando maior, assim como a Índia, e não há como atendê-los sem a América Latina, disse ao Valor Dalton Maine, líder da área global da Bain para a agricultura. “A região tem terras disponíveis e planas, tremendas vantagens climáticas e segurança jurídica para a comercialização de terras, o que não existe em muitos países da África e da Ásia”, afirmou.
As culturas que serão mais demandadas serão soja e milho, duas das importantes matérias-primas para a ração animal – e também amplamente cultivadas na América do Sul. Conforme Maine, o destaque ficará por conta da soja, que tende a crescer mais rapidamente que as demais culturas. A consultoria calcula que a safra da oleaginosa dobrará, de 300 milhões para 600 milhões de toneladas em 2050. Já a colheita mundial de milho deverá saltar dos atuais 980 milhões para 1,5 bilhão de toneladas nesse intervalo – e mais de 60% do consumo do grão virá dos países em desenvolvimento.
A Bain também faz uma análise sobre o desempenho da produção de soja do Brasil (carro-chefe das exportações do país) na próxima década. Ainda que as perspectivas para a safra 2014/15 – que começa a ser plantada em setembro – sejam difíceis em termos de margens de lucro, a expectativa da consultoria é de um crescimento anual de 3% a 4% na colheita local da oleaginosa, que deve atingir entre 113 milhões e 120 milhões de toneladas em 2023 – em 2013/14, foram 87,50 milhões de toneladas. Do volume previsto, entre 64 milhões e 71 milhões de toneladas serão exportadas, frente a uma demanda de importação chinesa que estará beirando algo entre 103 milhões e 118 milhões de toneladas.
A evolução da produção brasileira de soja nesse intervalo deve se concentrar em algumas áreas do Centro-Oeste e Nordeste do país. De acordo com a Bain, o Mapito (região de confluência entre os Estados de Maranhão, Piauí e Tocantins) tende a registrar incrementos anuais de 12% a 15% na produção até 2023, enquanto no leste de Goiás, esses avanços devem ficar entre 10% e 13%. O leste e o centro de Mato Grosso, Estado líder na produção nacional da oleaginosa, também ganharão importância na próxima década, com crescimentos anuais previstos de 9% a 10% e 4% a 5%, respectivamente.
Contudo, lembra Fernando Martins, sócio do escritório de São Paulo da Bain, a barreira logística ainda é um ponto crítico a ser vencido no Brasil. “Acessar melhor os mercados externos é a nossa maior prioridade”, disse. Atualmente, o país tem custos de produção menores para a soja, mas perde para os americanos quando se acrescenta à conta o quanto se gasta para escoar a safra. Nesse caso, conclui a consultoria, o custo médio da soja é de US$ 364 por tonelada no Brasil, 4,6% acima dos US$ 348 dos EUA.
De todo o modo, como as fontes de novas terras para o plantio ao redor do mundo são limitadas, continuar com foco no aumento de produtividade é fundamental para satisfazer a maior demanda global, reiterou o líder global da Bain. “Desde 1995, os avanços de rendimento ultrapassaram os impactos da área colhida em mais de duas vezes e têm sido o maior motor do avanço da produção”, disse Maine.
Já no que diz respeito aos fertilizantes, a Bain espera um aumento na utilização mundial: o consumo de nitrogênio, fósforo e potássio (três elementos básicos da adubação, conhecidos pela sigla NPK) deve alcançar 268 milhões de toneladas em 2050, 55% acima das 173 milhões de 2010. Entretanto, a fatia do nitrogênio diminuirá de 61% para 53% nesse período, enquanto a do fósforo subirá de 23% para 25%, e a do potássio, de 16% para 22%.
A evolução da oferta agrícola passa também por mudanças no tipo de investimento na produção, especialmente nos países desenvolvidos. Nos últimos anos, conforme Maine, os agricultores dos EUA deixaram em segundo plano a aquisição de bens de capital (máquinas) em favor da compra de sementes, agroquímicos e equipamentos de irrigação. A crença é que a próxima “grande onda” seja a da agricultura de precisão. “Há uma indicação perfeita para cada metro quadrado da fazenda, uma espécie de ‘microrrecomendação’ para melhorar a aplicação dos insumos e ter mais eficiência”, explicou.
Não há receita única, contudo, para que os países agrícolas alcancem o sucesso, ressaltou o líder da Bain. “Cada país terá de lidar com sua logística, topografia, disponibilidade de água e suas prioridades de governo, e cada um traçará seu caminho para chegar lá”, observou.
Fonte: Valor Econômico