A quantidade de solo fértil per capita caiu pela metade nos últimos 50 anos, e a projeção é que caia novamente pela metade até 2050. Os dados são do grupo alemão Global Soil Forum e reforçam algo de que poucos se dão conta: o solo é finito, e sua degradação traz impactos para a produção de alimentos e o balanço climático. Mesmo assim, trata-se de um dos recursos naturais mais esquecidos da agenda global, limitado apenas às rodas científicas.
Isso começou a mudar recentemente, por exemplo, com o lançamento da Iniciativa 20×20, durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 20), no Peru. Ela prevê a restauração, até 2020, de 20 milhões de hectares de sete países latino-americanos, com investimentos de US$ 365 milhões. A ONU ainda definiu 2015 como o Ano Internacional do Solo, quando haverá uma série de encontros internacionais.
O governo brasileiro não faz parte da iniciativa latino-americana, mas outros atores começam a se mobilizar por aqui. Na última semana, houve um encontro preparatório para a Conferência Governança do Solo, prevista para março em Brasília, que reunirá autoridades e especialistas e, espera-se, definirá uma uma política nacional de uso e conservação dos solos.
— O mais importante é iniciar um debate sobre a questão no Brasil, porque hoje damos pouca atenção a isso. Lentamente vamos degradando o solo e causando impactos econômicos e ambientais — comenta Antonio Alvarenga, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura.
PASTAGENS DEGRADADAS NO CERRADO
— Já passou da hora de a degradação dos solos entrar no radar das políticas públicas. No Brasil, não se sabe exatamente quais seriam as responsabilidades dos diferentes entes governamentais na execução de uma política coerente para conservação dos solos. Hoje parte das ações se localiza no Ministério do Meio Ambiente, outra na Agricultura, outra no Desenvolvimento Agrário etc, as coisas estão desarticuladas — acrescenta Matheus Zanella, pesquisador brasileiro do Global Soil Forum, que integra o Instituto de Estudos Avançados de Sustentabilidade (IASS), da Alemanha.
Um novo estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) revela a situação preocupante no caso do Cerrado, bioma que ocupa 203,4 milhões de hectares e corresponde a 24% do território nacional, sendo responsável pela produção de 55% da carne brasileira. Através de imagens de satélite coletadas entre 2006 e 2011, o levantamento mostra que 32 milhões de hectares de pastagens (ou 60% dos 53 milhões de hectares) foram degradados.
— É um cenário alarmante — alerta Ricardo Andrade, autor principal do estudo e pesquisador do setor de Monitoramento por Satélites. — Falta um plano de manejo para manter ou recuperar essas áreas. Se fossem preservadas, seria possível produzir sem tantos impactos ambientais, e a produtividade seria maior.
Este tipo de levantamento é inédito. O plano da Embrapa é realizá-lo periodicamente a partir de agora, de modo a ter um banco de dados com a progressão da situação e cobrar medidas mais efetivas, explica Andrade.
Hoje, no mundo, cerca de 30% das terras têm alto ou médio grau de degradação, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), devido a erosão, salinização, impermeabilização e poluição química. Estima-se que perdemos 24 bilhões de toneladas de solo fértil por ano, e um quarto da superfície da terra já foi degradado. Para se ter ideia, são necessários 500 anos para a formação de dois centímetros de solo fértil.
Segundo a FAO, 842 milhões de pessoas no mundo têm fome, e o solo é a base para a produção de 90% do alimento. O problema é que o mau uso do solo na agricultura e pecuária leva à improdutividade destas áreas, e uma das consequências é a pressão sobre áreas preservadas. O problema não para por aí. Os solos são importantes, também, para o equilíbrio climático. Eles estocam mais de 4 trilhões de toneladas de carbono, dez vezes mais do que as árvores (360 bilhões), o que significa que retiram gás carbônico da atmosfera. Sem esse papel fundamental, mais emissões de gases do efeito estufa seriam despejadas no ambiente.
O prejuízo não ocorre apenas em áreas rurais. As cidades sofrem diretamente o impacto da degradação do solo, geralmente coberto por asfalto e concreto (solo selado). Em países em desenvolvimento, a área de terra selada vai triplicar entre 2000 e 2030, o que prejudica a produção de alimento e a filtragem de poluentes do ar. Um dos efeitos mais objetivos é o maior calor nos centros urbanos. Outro exemplo prático é a crise da água.
— Chegamos a esse problema não só pela diminuição da precipitação, mas pelo mau uso da água e pela impermeabilização do solo nas áreas urbanas — diz o chefe-geral da Embrapa Solos, Daniel Vidal Pérez. — Se o solo é coberto de asfalto, a chuva vai parar nos rios Tietê e Pinheiros e vai embora.
PROTAGONISMO DA AMÉRICA LATINA
Pesquisadores querem agora que o tema tenha peso na agenda pós-2015 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Eles esperam, por exemplo, que se determinem indicadores internacionais para medir a qualidade dos solos. A América Latina deve desempenhar um papel de destaque no combate à degradação do solo, já que a região é de importância global no armazenamento de carbono, particularmente na Amazônia, e tem grande biodiversidade de ecossistemas. Ao mesmo tempo, segundo o Global Soil Forum, sofre com a alta taxa de degradação dos recursos naturais e é a região com a distribuição mais desigual da terra no mundo.
— A América Latina (e certamente o Brasil) é uma região chave para o tema de solos — diz Matheus Zanella, que ainda reforça. — A produção de alimentos vai continuar a aumentar na região, mas se não for de forma sustentável, são dois passos pra frente hoje e três pra trás daqui a 20 anos.
Fonte: O Globo