Matopiba: uma fronteira em fase de amadurecimento

As adversidades climáticas que abateram a produção de grãos e fibras no “Matopiba” nos últimos quatro anos ofuscaram o brilho dessa fronteira agrícola ainda jovem, formada na confluência entre os Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Mas, longe de ser um sinal do ocaso da região, a crise na produção, agravada pelos problemas político-econômicos mais recentes do país, pode ser encarada como um amadurecimento, hipótese que deve se fortalecer nesta safra 2016/17, cujo plantio terá início nas próximas semanas.

Estudo realizado a pedido do Valor pela Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura, e pela Secretaria de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Embrapa concluiu que deve haver uma freada no crescimento da área plantada no “Matopiba” na próxima década. Contudo, o efeito sobre a produção tende a se diluir no tempo se a região for poupada de uma sequência de intempéries tão perversa como a das últimas safras.

 

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Antes da seca da safra 2015/16 – a mais devastadora dos últimos anos -, quando foram semeados 6,89 milhões de hectares, a expectativa do governo era que os Estados que formam a fronteira alcançassem uma área plantada conjunta de 9,13 milhões de hectares no ciclo 2025/26. Ocorre que, com a estiagem, a projeção foi cortada em 14%, para 7,85 milhões de hectares. Já a estimativa para a produção foi mantida em torno das 24 milhões de toneladas, praticamente o dobro da atual.

O que o cenário traçado aponta é que a produção na região tende a se equilibrar devido a ganhos de produtividade. Na prática, cresceria a atenção à tecnologia. “Com o foco na mesma área, a tendência é de aumento dos investimentos na produtividade da terra, em sementes melhoradas e tratos culturais”, diz José Garcia Gasques, coordenador-geral de estudos e análises da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

O “Matopiba” é uma porção de Cerrado semelhante a Mato Grosso. Engloba uma área entre o sul do Maranhão e do Piauí, a parte leste do Tocantins e o oeste da Bahia. Esse “núcleo duro”, capitaneado pela parte baiana – a primeira grande estrela local e também a mais desenvolvida, consagrada pelos municípios de Luís Eduardo Magalhães e Barreiras -, é que sustenta a pujança da região desde a década de 1990, quando despontou como um novo “Eldorado agrícola”, com terras baratas e a expectativa de boas produtividades.

Entre 2000/01 e 2009/10, a área com soja no “Matopiba” cresceu 116%, ante um incremento nacional de 68%. No ciclo 2009/10, a região respondia por 9,5% da produção nacional da oleaginosa, proporção que caiu para perto de 7% em 2015/16.

Nos últimos anos, o grande afluxo de investimentos permitiu o avanço para áreas mais marginais no “Matopiba”, o que de certo modo contribuiu para elevar o grau de incerteza e frustração com a produção, com áreas menos aptas ou mais custosas para renderem boas produtividades. Parece evidente, mas o fato é que uma onda de revezes climáticos ajuda a entender por que é tão importante estar bem posicionado, mesmo em uma zona agrícola tão promissora – e que lugares muito próximos podem ter características bem distintas.

“Na Bahia isso é bem claro. Na BR-020, no sentido de quem vem de Brasília, do lado esquerdo da rodovia chove de 1,4 mil a 1,5 mil mm por ano. Do lado direito, a cada 10 km, diminui-se 100 mm de chuva”, conta Arlindo Moura, CEO da Vanguarda Agro, uma das principais produtoras de grãos e fibras do país.

A companhia chegou a plantar 27 mil hectares com soja e algodão na Bahia. “No último ano plantamos 12 mil, e este ano, nada”. Também em Bom Jesus (PI), onde a V-Agro atuava, havia problemas com o nível de precipitações. “Chovia 800 mm por ano, mas o ideal seria pelo menos 1,2 mil”, afirma o CEO da empresa, que agora concentra toda a operação em Mato Grosso.

“Muitos grupos vinham numa expansão grande, inclusive se financiando para isso. Mas começaram a ter dificuldades em manter esse ritmo, que gera uma necessidade de fluxo de caixa elevado”, diz José Vicente Ferraz, diretor técnico da consultoria IEG | FNP, ressaltando a baixa liquidez atual no mercado de terras na região (verPreço das terras sobe menos).

Além da Vanguarda, as duas outras empresas de produção agrícola com capital aberto na BM&FBovespa, BrasilAgro e SLC Agrícola, são também um termômetro dessa desaceleração na região. A BrasilAgro passou a olhar com atenção para áreas mais desenvolvidas (como Mato Grosso) em detrimento do Matopiba, onde mantém quatro de suas nove fazendas. “Quando o mercado está aquecido, faz mais sentido ir para a fronteira. Mas o mercado está mais complexo e podemos nos beneficiar de negócios em áreas já consolidadas, a preços mais atrativos”, diz Julio Piza, que até meados de agosto ocupou a presidência da BrasilAgro.

Os resultados da BrasilAgro em 2015/16 foram abaixo da média histórica no Piauí e na Bahia, devido à estiagem. A produtividade da soja recuou 49%, para 1,17 tonelada (20 sacas) por hectare, enquanto a do milho caiu 50%, para 3,02 toneladas (50 sacas) por hectare. “Foi um ano duríssimo”, reconhece Piza. Mas ele ressalta que os preços em Uruçuí (PI) e Balsas (MA), por exemplo, são historicamente superiores aos do norte de Mato Grosso, inclusive pela melhor infraestrutura logística, o que se traduz em margens mais altas num ano de maior normalidade climática.

Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola, lembra que dos últimos 15 anos no “Matopiba”, dez foram “excelentes”. “É que este ano, ao contrário dos demais, tanto a soja quanto o algodão foram prejudicados, o que não tinha acontecido antes e complicou a rentabilidade da região”.

De acordo com o executivo, a SLC está agora “mais seletiva”. “Paramos de crescer na região neste momento. A ideia é diminuir a exposição ao risco e esperar que o clima se normalize. E a tendência é até que o La Niña ajude, trazendo mais chuvas para o Nordeste [na nova safra]”. A SLC planta 200 mil hectares no Matopiba, entre safra de verão e de inverno (safrinha).

Segundo Ferraz, da IEG | FNP, “o pessoal está decepcionado”, mas efetivamente não desistiu do Matopiba. “A decisão no momento é deixar áreas onde há maior insegurança, algo perfeitamente lógico e racional”.

 

 

Fonte: Valor Econômico

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