O embargo dos Estados Unidos à compra de carne in natura do Brasil pode estar mais ligado à atual política protecionista do governo do presidente norte-americano, Donald Trump, do que à qualidade do produto nacional. É que o acredita o diretor técnico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) Alberto Werneck de Figueiredo, também secretário de Agricultura de Resende (RJ). O executivo, entre outros representantes de instituições ligadas ao agronegócio, especialmente ao setor de carnes, avalia o atual cenário.
Os EUA suspenderam todas as importações de carne fresca do Brasil, na quinta-feira passada, 22 de junho, alegando “recorrentes preocupações sobre a segurança dos alimentos destinados ao mercado norte-americano”, publicou a agência Reuters.
“O comércio internacional é regido por um conjunto de fatores, entre os quais prevalecem os interesses dos países compradores. Esses, por sua vez, acabam sendo o reflexo das demandas dos empresários de cada setor, no respectivo país. A partir daí, vão sendo criadas barreiras dos mais diversos tipos, de modo a preservar reservas de mercado para os respectivos empresários da nação compradora”, comenta.
Conforme Figueiredo, na maior parte das vezes, essas barreiras são alfandegárias, ou seja, são criadas tarifas que encarecem as importações, tornando-as inviáveis. “Nesse quesito, países exportadores têm ganhado demandas em arbitragens internacionais. De vez em quando, para não correrem esse risco, os importadores ‘inventam’ barreiras não alfandegárias, fazendo parecer que o problema seria, por exemplo, a carne fresca exportada do Brasil para os EUA.”
Na visão do diretor da SNA, “não é crível que exportadores brasileiros experientes tenham corrido o risco de encaminhar, para um mercado importante e exigente como o norte-americano, algum produto fora das condições exigidas”.
Figueiredo acredita “que a política protecionista do atual governo norte-americano tenha provocado essa interrupção de fornecimento, para não ferir algum interesse comercial, ou até mesmo para não permitir o crescimento da nossa economia, por meio de um setor (o pecuário) que mais tem contribuído com a nossa balança comercial”.
O USDA informou que o motivo da suspensão envolveria o fato de terem sido identificados abscessos, na carne importada pelos norte-americanos, decorrentes de uma reação da vacina contra a febre aftosa no rebanho.
“É um problema de padronização, somos o único país livre de aftosa com vacinação que exporta aos Estados Unidos”, declarou à Reuters a médica veterinária e pecuarista Lygia Pimentel, analista de commodities e sócia-diretora da Agrifatto.
VESTÍGIOS DE REAÇÕES DE VACINA
A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) também “lamenta a decisão dos EUA de embargar temporariamente a carne brasileira in natura”. “A decisão foi tomada após a identificação de produto com vestígio de reações decorrentes da vacina contra a febre aftosa.”
Em nota, “a Acrimat considera inaceitável que haja esse tipo de ineficiência no serviço das indústrias frigoríficas brasileiras”. “O processamento de alimentos requer rígido controle de qualidade, a fim de evitar a comercialização de produtos com irregularidades que, apesar de inofensivas à saúde do consumidor, colocam em xeque a credibilidade da nossa carne.”
Segundo a instituição, a reação vacinal pode acontecer por causa da inoculação do agente que compõe a vacina ou à aplicação incorreta do produto, ocasionando uma espécie de inflamação ou enrijecimento da carne.
A Acrimat cobra, por isso, “que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) seja mais exigente com os laboratórios para o melhoramento das vacinas produzidas no Brasil e para que retirem da composição da vacina agentes considerados desnecessários para a imunização do rebanho”.
Sobre a vacinação contra febre aftosa, a Acrimat informa que “desenvolve, há anos, campanhas para a conscientização dos produtores sobre a importância da correta manipulação e aplicação da vacina”.
“Atualmente, a entidade possui três publicações que são distribuídas para os pecuaristas com instruções sobre manejo sanitário, manejo pré-abate e instalações rurais.”
Presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli explicou, em entrevista publicada pela Reuters, que o setor já estava tomando todas as medidas necessárias, antes mesmo de ocorrer a suspensão norte-americana à carne do Brasil, “retirando os abscessos da carcaça verificados visualmente e fracionando-a em busca dos abscessos que não estavam aparentes, um procedimento que, aliás, gera segundo ele, um prejuízo diário de até 1,5 tonelada por cortes que, inicialmente, não seriam necessários”.
“Mesmo assim, por abscessos não visíveis, esse problema foi detectado”, disse ele, à agência, ressaltando que o problema não vem de uma vacina mal aplicada, mas de uma reação ao componente da vacina. Ainda preferiu, conforme a publicação, não responder se a vacina poderia ter componentes alterados para se evitar tais reações.
COMISSÃO EUROPEIA
Ainda na sexta-feira passada, 23 de junho, a Comissão Europeia informou que o Brasil concordou em elevar os testes de segurança realizados sobre suas exportações de carne, ressaltando a decisão do mercado norte-americano “de banir compras de carne fresca do país”, conforme publicação da Reuters.
Ainda segundo a agência de comunicação, “uma auditoria da UE (União Europeia) conduzida em maio identificou ‘falhas sistemáticas’ no Brasil, particularmente em carne de cavalo e de frango, bem como nas preparações e nos produtos de carne”.
“Remessas do Brasil foram rejeitadas pela UE por várias razões, incluindo a presença de salmonelas na carne de aves e STEC (E. Coli, produtor de toxina Shiga) em carne bovina. A UE pediu ao Brasil que implemente medidas adicionais em 7 de junho, e recebeu uma resposta na segunda-feira, em que o Ministério de Agricultura brasileiro concordou em colocar as medidas em prática.”
A Reuters divulgou ainda que uma nova auditoria será realizada no final de 2017, para avaliar a efetividade das medidas. “Caso o Brasil falhe em tal implementação, a Comissão poderá ter que tomar medidas adicionais para proteger a saúde dos consumidores da EU”, disse um porta-voz à agência.
AVES E SUÍNOS
Em nota à imprensa, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informa que a recente sanção imposta pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, sigla em inglês), no último dia 23 de junho, não se refere às de aves e suínos. Segundo a instituição, na manifestação pulicada no site da USDA, é informada a suspensão de importações de “brazilian beef”, ou seja, só de carne bovina.
Ainda segundo a ABPA, atualmente, o Brasil é o maior produtor mundial (18,2 milhões de toneladas) e o segundo maior exportador (três milhões de toneladas) de carne de frango. E os EUA não são importadores dos produtos avícolas brasileiros. Também é o maior exportador (4,3 milhões de toneladas) e o segundo maior produtor (12,9 milhões de toneladas) de carne de frango do mundo.
No caso da carne suína, conforme a Associação, “não houve qualquer anúncio de bloqueios por parte das autoridades norte-americanas”. “Os Estados Unidos são o 15° maior importador de carne suína brasileira, com 1,4 mil toneladas embarcadas entre janeiro e maio deste ano (0,5% das exportações do setor nacional)”, informa a ABPA, por meio de nota à imprensa.
MAIS MANIFESTAÇÕES
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) “vê com perplexidade a decisão dos Estados Unidos de suspenderem a importação de carne bovina in natura brasileira”. “Os elementos utilizados pelo USDA, para justificar o fechamento do mercado, não apresentam risco para a saúde dos consumidores norte-americanos”, avalia a instituição, por meio de nota à imprensa.
Para o presidente da Abiec, Antonio Camardelli, as perdas decorrentes da suspensão das exportações de carne in natura do Brasil para os EUA são “intangíveis”, com impacto para a imagem do país sendo maior do que o financeiro.
De acordo com a instituição, “o Brasil não é grande exportador para o mercado norte-americano, mas a chancela dos EUA dava ao nosso país, maior exportador global, a possibilidade de conseguir entrar em mercados importantes para a carne in natura, como Japão e Coreia do Sul”.
“Se olhar o aspecto financeiro, é importante para o país (a receita gerada), mas o prejuízo grande é de imagem, levamos muito tempo para conquistar esse mercado, porque ele é um passaporte para outros mercados”, disse Camardelli, em entrevista à Reuters.
O executivo também acredita que “a suspensão será resolvida em curto prazo, uma vez que medidas corretivas já estão sendo tomadas”.
DADOS DO SETOR
De janeiro a maio deste ano, as vendas externas de carne bovina in natura do Brasil para os EUA somaram 4.680 toneladas, o equivalente a US$ 18,9 milhões, de acordo com dados da Abiec. As exportações totais de carne bovina brasileira, incluindo o produto industrializado, são estimadas em torno de 1,5 milhão de toneladas ao ano.
É importante lembrar que o Brasil, que sempre exportou carne industrializada para o mercado norte-americano, conseguiu um acordo para exportar o produto in natura, no segundo semestre do ano passado, após vários anos de negociação. Outro detalhe: esse acordo ocorreu ainda no governo do então presidente norte-americano, Barack Obama.
Segundo a Reuters, “os EUA prometeram, agora, liberar o produto brasileiro, assim que o Brasil corrigir erros apontados pelo USDA em questões de saúde, sanitárias e outras relacionadas à saúde animal”.
Por equipe SNA/RJ com informações da agência Reuters e assessorias