A relutância dos produtores brasileiros em vender antecipadamente soja da safra 2016/17, que será colhida no início do ano que vem, tem causado prejuízos para as tradings que operam no País e elevado o nível de incertezas sobre as exportações da nova temporada.
Na avaliação de executivos das tradings, os negócios que estão sendo realizados, mesmo que em pequeno volume, ocorrem com margens apertadas ou negativas em ambiente de preços pressionados, já que as empresas se obrigam a pagar valores muito próximos do que vão obter com as exportações futuras.
“O preço (de exportação futura) não está atingindo os preços dos produtores”, disse o diretor de uma trading asiática que atua no Brasil, que pediu para não ser identificado.
Os preços da soja no mercado local têm sido pressionados pela entrada de uma grande safra nos Estados Unidos, maior produtor global, e pela perspectiva de uma colheita recorde no Brasil, além de um câmbio bem menos favorável do que o registrado desde meados do ano passado, que havia garantido excelentes margens aos produtores em 2015/16.
Nessa conjuntura, os negócios antecipados de soja da safra 2016/17 estão avançando lentamente, atingindo cerca de um quarto da colheita total esperada até o início deste mês, contra cerca de 40% do total fixado para a safra passada nesta mesma época, segundo especialistas.
Segundo o diretor da trading, alguns negócios acabam ocorrendo porque as empresas já têm compromissos assumidos.
“As tradings têm compromissos de ‘take or pay’, de armazenamento, de estrutura de logística que fecham com antecedência”, disse o executivo.
Na região de Sinop, no norte de Mato Grosso, por exemplo, produtores têm pedido entre R$ 64,00 e R$ 65,00 por saca de soja para entrega no início da safra, enquanto as tradings oferecem R$ 59,00 a R$ 60,00 por saca, o que paralisa amplamente as negociações.
“Quando a matriz pede a originação de algum lote (para exportação ou esmagamento futuro), aí a gente ‘abre a mão’ ou busca alguns negócios pontuais. Mas as margens nesses negócios estão horríveis”, disse o gerente da unidade local de outra trading asiática.
A gigante Bunge revelou na semana passada que o lucro operacional com oleaginosas em sua unidade global de “agribusiness”, que processa e negocia soja, caiu 25% no terceiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, pressionado pela desaceleração das vendas antecipadas no Brasil.
“Os agricultores simplesmente não estão gostando dos preços e não conseguem obter retorno, devido à combinação de câmbio e preços futuros. Eles estão hesitando em comprometer-se com vendas futuras”, disse o presidente da Bunge, Soren Schroder, em conferência com analistas, recentemente.
A ADM, outra grande trading global com forte atuação no Brasil, tem sentido os efeitos da desaceleração das vendas antecipadas de soja no País.
“Os produtores no Brasil, que tinham vendido 40% nesta época do ano passado, agora só venderam 20%, portanto temos menos volume circulando pelas nossas operações”, disse o presidente da ADM, Juan Luciano, em uma recente conferência com investidores.
Incertezas à frente
Além de negócios ruins neste fim de ano, as vendas lentas também indicam que uma grande parte da nova safra do Brasil será comercializada quando os grãos já estiverem colhidos, às vésperas dos embarques nos portos, elevando os riscos de volatilidade.
“Quanto mais tempo ele (produtor) demorar, aumenta a possibilidade da concorrência (entre exportadores) ser grande no período da comercialização. Imaginemos que todos queiram exportar em fevereiro, março e abril… Pode inflacionar os preços. Seria um cenário ruim para as tradings, cooperativas e revendas”, disse o analista de inteligência de mercado de uma trading internacional, em São Paulo.
Outra hipótese é de que muitos agricultores se vejam obrigados a vender volumes relevantes de soja no momento da colheita, para pagar despesas operacionais, o que poderia derrubar preços. Com isso, haveria espaço para melhoria das margens de comercialização das tradings. Ainda assim, é uma aposta que não agrada as companhias.
“Até a safra, o Brasil pode perder competitividade (no cenário internacional). A demanda pode não chegar, ou pode ser postergada. Muita coisa pode derrapar. O fato de não estar antecipando contratos gera grande incerteza”, disse a primeira fonte.
Na avaliação de Luciano, da ADM, “as margens de originação de grãos na América do Sul (em 2017) irão depender dos volumes da nova safra. No momento, os volumes de originação estão lentos e abaixo do planejado”.
A previsão da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que reúne as grandes indústrias do setor de soja do País, é de que a safra aumente 4,9% na nova temporada, para 101.3 milhões de toneladas.
Já as exportações do maior exportador global de soja deverão atingir um recorde de 57 milhões de toneladas em 2017, segundo a Abiove.
Fonte: Reuters