Antes mesmo de o governo federal realizar mais um leilão de apoio ao mercado de trigo na quarta-feira (8), terá se comprometido a gastar R$ 153 milhões de dezembro até agora para garantir preços mínimos aos produtores rurais. Além disso, também terá comprometido todo esse dinheiro como subsídio para exportações de centenas de milhares de toneladas do grão, apontaram agentes do mercado e dados oficiais.
Os leilões de subvenção de preços são um mecanismo comum utilizado pelo governo para garantir que agricultores tenham uma receita mínima com sua colheita, em momentos de baixa das cotações, mas podem ser contestados quando acabam tornando o produto de um país competitivo o suficiente para disputar negócios no mercado internacional.
Desde o início de dezembro, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por ordem do governo federal, realiza uma série de leilões de prêmios conhecidos como Pep e Pepro. Por meio desse sistema, agricultores, cooperativas e empresas disputam um auxílio financeiro do governo, que cobre a diferença entre o preço de mercado e o valor mínimo estabelecido pelas autoridades.
Atualmente, o preço mínimo regulamentado para o trigo é de R$ 38,65 por saca de 60 kg (R$ 644,17 a tonelada) para produtores da região Sul do país, que concentra a maior parte das lavouras do cereal. Segundo o Cepea, na sexta-feira (3) os negócios com o cereal giravam em torno de R$ 512 a tonelada no mercado físico do Rio Grande do Sul.
Dados da Conab mostram que as sete rodadas de leilões realizadas até o momento garantiram apoio aos preços de 824.200 toneladas de trigo, com desembolsos previstos de R$ 153.2 milhões pelo governo. Mais um leilão desta temporada está previsto para quarta-feira (8), com oferta de prêmios para mais 55 mil toneladas. “A exportação foi a grande demandante destes leilões, sendo que o mercado interno absorveu apenas cerca de 40 mil toneladas”, estimou o diretor da consultoria Trigo & Farinhas, Luiz Pacheco.
Os registros de movimentação nos portos mostram que houve exportação de 63 mil toneladas de trigo em dezembro (um navio), pelo menos 275.900 toneladas em janeiro (seis navios) e mais 244.200 toneladas (sete navios) já nomeadas para fevereiro, segundo dados da Wilson Sons Agência Marítima, compilados pela Reuters. De acordo com informação da programação dos navios, o Brasil está exportando trigo para China, Vietnã e Coreia do Sul, entre outros destinos. “Sem os prêmios, as exportações de trigo no Brasil seriam impossíveis”, complementou Pacheco.
Um analista de uma corretora de trigo de Porto Alegre, que pediu para não ser identificado, disse que os valores negociados atualmente no porto de Rio Grande (RS) giram em torno de R$ 520 a tonelada, e que sem os prêmios do governo os agricultores não teriam realizado as vendas. “Sem o leilão, não fecharia a conta”, afirmou a fonte. Os preços estão baixos no mercado nacional após uma safra recorde em 2016, de 6.73 milhões de toneladas, em conjunção com grandes ofertas globais.
Apesar dos embarques, o Brasil é um importador líquido de trigo, uma vez que seu consumo interno ultrapassa 10.7 milhões de toneladas. O país, por vezes, exporta trigo de qualidade que não tem demanda pela indústria nacional de panificação, maior consumidora do cereal. Não há informações claras sobre o tipo do cereal que está sendo exportado.
Contestação
A destinação de trigo para o mercado externo está prevista nos editais dos leilões de Pepro, que prevê como um dos destinos aceitos pelo governo o “marítimo externo (realizado fora do país)”, mas isso não livra o Brasil de eventualmente ter esse tipo de operação contestada por outros países.
No início da década passada, o próprio Brasil abriu uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC), acusando os Estados Unidos de favorecerem seus produtores de algodão com subsídios. Em 2009, o OMC determinou que os subsídios eram ilegais e autorizou uma retaliação pelo Brasil no valor de US$ 829 milhões.
Embora a relevância das exportações brasileiras de trigo seja pequena no cenário global, qualquer subsídio que tenha influência no mercado internacional de um produto é passível de contestação na OMC, disse o professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas SP, Rabih Nasser, especialista em comércio internacional. “Se o apoio que o governo está dando aos exportadores está tendo como efeito baixar o preço do produto (…), se está tendo como efeito deslocar produtores de outros países no mercado internacional, ou seja, se está tendo efeito considerado ‘prejuízo grave’ no mercado internacional, esses subsídios, esses apoios podem ser considerados ilegais”, disse ele.
Contudo, o especialista ressaltou que é necessária uma queixa formal de algum país que se considere prejudicado e que isso é mais comum quando o auxílio prestado pelo governo é estrutural e não um subsídio pontual, para solucionar o problema de uma safra específica.
As exportações de trigo também podem acirrar a competição das indústrias de farinha brasileiras para obter matéria-prima. Procurada, a Conab disse que “apenas operacionaliza políticas agrícolas definidas pelo Ministério da Agricultura”.
“As operações têm o objetivo de retirar o trigo da região produtora, onde há excesso de produto, a fim de reduzir a pressão sobre o preço e, assim, garantir preço mínimo ao produtor”, disse a Conab em nota, destacando que todos os parâmetros dos leilões foram estabelecidos por uma portaria interministerial assinada em novembro de 2016. O Ministério da Agricultura não respondeu ao pedido de comentário.
Fonte: Reuters