
Um marco legal que protege o país de medidas arbitrárias
Em meio à forte repercussão ao tarifaço do governo Trump, que afetou o comércio global e gerou apreensão nas cadeias produtivas, o Congresso Nacional aprovou às pressas o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023, chamado de Lei da Reciprocidade, que autoriza o governo a retaliar países ou blocos econômicos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros. O projeto já vinha acelerando seu trâmite nos últimos meses, como mostrou o Portal SNA. Agora, só falta a sanção presidencial.
Atualmente, o Brasil não adota tarifas específicas contra um país ou bloco econômico, embora estipule alíquotas diferenciadas do imposto de importação sobre determinados produtos de modo a proteger segmentos do setor produtivo nacional. O país segue uma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC) que proíbe favorecer ou prejudicar outro membro da entidade com tarifas.
Com a nova lei, cria-se um marco legal que permite ao governo adotar contramedidas diante de barreiras consideradas desproporcionais às exportações brasileiras, sejam de natureza tarifária ou de origem do produto. Além de sobretaxar importações desses mercados, o texto permite a suspensão de acordos e até mesmo de direitos de propriedade intelectual, como patentes e royalties.
A medida contou com forte apoio da bancada do Agro. O texto original surgiu ainda em 2023, como resposta às restrições ambientais impostas a produtos agropecuários brasileiros pela União Europeia. O projeto foi uma iniciativa do senador Zequinha Marinho (Podemos – PA), e ganhou adesão de todos do espectro político, especialmente após os episódios do ano passado que envolveram declarações de Carrefour e Danone, questionando, respectivamente, a qualidade da carne a da soja brasileiras.
Após reação em conjunto de autoridades, empresários e produtores, as empresas recuaram em seus posicionamentos, mas ficou claro que o Brasil precisava se proteger de medidas unilaterais adotadas por países ou blocos econômicos, com potencial de prejudicar diversos segmentos, em especial o da agropecuária. O tarifaço de Trump foi a gota d’água.
Entidades do setor agropecuário celebram avanço
Embora especialistas considerem que o Brasil pode se beneficiar da guerra tarifária entre Estados Unidos, China e União Europeia, a Lei de Reciprocidade foi considerada um avanço tanto por representantes do setor agropecuário quanto por integrantes do governo. A percepção geral é de que o país precisava de alguma proteção mais concreta contra arbítrios de governantes ou empresas internacionais, ao mesmo tempo em que ganha uma margem de negociação em cenários cada vez mais instáveis.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), elogiou o rápido avanço do projeto, que, para ele, servirá como uma “carta na manga” para o país reagir a qualquer retaliação de concorrentes.
“Criamos uma legislação que nos permite enfrentar desafios impostos por outros países. É a valorização do setor produtivo e a garantia de segurança para nossos produtores rurais”.
A diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, classificou a iniciativa como “essencial diante da crescente adoção de medidas unilaterais e discriminatórias por países ou blocos econômicos, que prejudicam a competitividade e o acesso dos produtos brasileiros ao mercado internacional”.

A senadora Tereza Cristina (PP-MS) foi responsável por incluir no texto a questão tarifária, em meio às atribulações causadas pelo anúncio das taxas impostas pelo governo americano. Após dar essa contribuição decisiva, ela comentou a aprovação do projeto. Em suas palavras:
“Em um cenário global onde as nações estão cada vez mais adotando posturas protecionistas, a Lei da Reciprocidade oferece ao Brasil um instrumento essencial para se proteger em caso de medidas desproporcionais, sempre priorizando o diálogo e a diplomacia”.
O vice – presidente Geraldo Alckmin, que também é Ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, elogiou a postura do Congresso, assim como seu colega Fernando Haddad, da Fazenda. Ambos enfatizaram que a medida dá ao Brasil mais segurança e flexibilidade em tratativas, mas que, num primeiro momento, o governo deverá priorizar o diálogo, sem recorrer à nova lei de imediato. Uma nota assinada em conjunto por Alckmin e pelo Itamaraty também preconizou a cautela nos desdobramentos da atual guerra tarifária.
Diante de tantas mudanças e incertezas, a atuação do setor agropecuário e seus representantes foi determinante para esse passo, necessário para que o Estado saiba participar de um jogo comercial muito mais dinâmico, em que as negociações serão influenciados pelas posições que os governos e as diplomacias dos países adotam.
Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Com informações da FPA, Ministério da Fazenda, Ministério das Relações Exteriores, Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) – EESP, OMC.