O forte calor e a escassez de chuvas têm aumentado as preocupações dos agricultores nas mais importantes regiões produtoras do Brasil. A tensão climática cresceu em janeiro – o mês foi o mais quente da história e um dos mais secos -, e colocou em alerta o Sul, o Nordeste, parte do Centro-Oeste e principalmente o Sudeste do país, onde as lavouras de cana-de-açúcar e café estão entre as principais vítimas.
Segundo Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, em algumas regiões canavieiras chove abaixo da média há quatro meses. Contudo, ainda não é possível medir o efeito da estiagem sobre os preços. “Esse fenômeno está acontecendo no maior produtor mundial de açúcar, mas está ainda sujeito a um estudo mais aprofundado sobre o tamanho do problema.”
Mesmo sem análises conclusivas sobre as perdas, o mercado já reagiu: na sexta-feira, os contratos de açúcar para maio fecharam em expressiva alta de 3,7% na bolsa de Nova York, a 15,76 centavos de dólar por libra-peso. Um fôlego importante para a commodity, que registrava baixa de quase 6% no acumulado de janeiro.
O temor existe porque as chuvas de verão são essenciais para o crescimento da cana que será colhida a partir de abril, na safra 2014/15. Na região de Ribeirão Preto (SP), principal polo da produção de cana nacional, o clima está seco desde outubro, quando choveu 51% abaixo da média prevista para o mês. Em janeiro, as precipitações atingiram 88 milímetros, 71% abaixo dos 308 mm esperados. “Nossos modelos indicam que as chuvas também ficarão irregulares em fevereiro”, diz Olívia Nunes, da Somar Meteorologia.
Há condições bastante distintas entre as regiões produtoras de cana. Em Ribeirão Preto, o solo é mais argiloso, portanto retém mais água. No sul de São Paulo, onde o terreno é mais arenoso, as plantas tendem a sofrer mais com o déficit hídrico.
O calor pode até contribuir para o acúmulo de açúcar (o chamado ATR, “Açúcar Total Recuperável”) na planta, mas até certo ponto. Após um longo período com termômetros acima de 35ºC, a cana começa a consumir o próprio açúcar, segundo Marco Antônio dos Santos, também da Somar. “As primeiras colheitas de cana este ano devem apresentar um ATR mais elevado. As que ficarem para depois já terão enfrentado mais problemas com o calor, e tendem a acumular menos açúcar”, diz.
Em Dourados (MS), onde estão instaladas usinas de grandes grupos produtores, como Raízen (Cosan/Shell) e Biosev (Louis Dreyfus), o cenário é mais positivo. As chuvas até foram abaixo da média entre outubro e dezembro, mas em janeiro houve um alívio. Choveu 185 mm no último mês no Estado, 37% acima do esperado.
No caso do café, as tradicionais regiões produtoras de Minas Gerais enfrentam problemas. No Estado, maior produtor nacional do grão, as áreas mais prejudicadas estão no sul e no Cerrado Mineiro. A seca atrapalha o desenvolvimento dos grãos de café que serão colhidos a partir de maio, que ficam mais miúdos. De acordo com Marcelo de Padua Felipe, coordenador técnico estadual da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado (Emater/MG), o rendimento da cultura deve ser afetado por conta dos frutos menores, mas ainda não é possível estimar perdas.
A falta de chuvas também pode afetar o crescimento dos cafeeiros, diz Felipe, o que vai causar reflexos na safra do ano que vem. Em algumas lavouras, o forte calor e a escassez de chuvas provocam a queima e queda das folhas das plantas. Os frutos também podem cair. Se chover o suficiente nas próximas semanas, parte dos problemas poderá ser revertida, afirma o coordenador da Emater, mas alguns danos serão verificados já este ano.
O parque cafeeiro de São Paulo também está sendo afetado pela seca. Com altas temperaturas e umidade do ar muito baixa, a planta perde muita água, afirma Celso Vegro, agrônomo e pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA), o que deve deixar os grãos “ocos” e pequenos. Assim, serão necessários mais grãos para se formar uma saca de 60 quilos. “A planta para de se reproduzir, passa a uma estratégia de sobrevivência e aborta os frutos”, afirma ele.
Na avaliação do pesquisador, o estresse intenso que a planta tem passado e os tratos culturais deficientes nos últimos dois anos devem ter impacto negativo na atual colheita. Vegro estima que será a primeira vez que uma safra de ciclo de alta (2014/15) poderá ser menor que a de ciclo de baixa (2013/14). Em Nova York, os efeitos nos preços também foram imediatos. Na sexta-feira, os contratos de café para maio fecharam em alta de 4,2%, a US$ 1,2720 por libra-peso.
Para Marco Antônio dos Santos, da Somar, os próximos 15 a 20 dias serão decisivos para as lavouras de cana e de café. Isso porque estão previstas mais chuvas para a segunda quinzena de fevereiro, o que paralisará as perdas e permitirá um diagnóstico mais apurado. “Teremos quebras, isso é fato. Mas ainda é muito prematuro dimensionar”, concluiu.
Fonte: Valor Econômico