Jornal do Commercio – Carne orgânica: cadeia em construção

Por Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura//

Recentemente, o governo brasileiro anunciou o fim do embargo à exportação de carne bovina para a China, num país que tem substituído a carne suína pelo consumo de frango, boi e carneiro. Os pecuaristas aplaudem a retomada das exportações e esperam incrementar em US$ 1 bilhão as vendas de carne in natura brasileira. Mas, desse mercado promissor, quanto poderia ser captado pela carne orgânica bovina e de frango brasileira?

É notável a crescente busca dos consumidores por alimentos de qualidade, nutritivos e saborosos, livres de resíduos de agroquímicos, e que sejam produzidos em respeito ao meio ambiente.

A China está mudando para um estágio de desenvolvimento econômico com mais urbanização. Isso inclui o incremento do poder aquisitivo da população, a melhoria dos padrões de vida, as mudanças dietéticas – resultantes dos incidentes de segurança alimentar – e a procura por alimentos mais sadios e confiáveis.

Com a abertura de mais restaurantes, cafeterias e cadeias de fast food, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), estima que a demanda por carne bovina e de frango vai continuar a crescer nos próximos dez anos.

E falando em alimentos orgânicos, em 2014 o mercado americano atingiu US$ 42 bilhões. Na Alemanha, cresceu 4.8% no mesmo período, totalizando 7.91 bilhões de euros. Já no Brasil, mesmo sem estatísticas oficiais, a preferência dos consumidores reflete o crescimento e a variedade de alimentos orgânicos disponíveis nos varejistas, nas feiras municipais e na merenda escolar.

Atender à demanda desse mercado, oferecendo produtos com valor agregado, não é um trabalho complexo, mas no caso das carnes, a oferta no Brasil ainda é bastante limitada. Diversos elos da cadeia precisam ser resolvidos e, além disso, há muitos desafios a superar, dentre eles, a alimentação à base de insumos orgânicos, que num país com enorme produção de grãos geneticamente modificados, é uma tarefa difícil.

O Mato Grosso do Sul é o estado que abriga a maior criação de pecuária orgânica, localizada basicamente no Pantanal, numa área de140 mil hectares certificados para produção.

As fazendas de criação de gado orgânico precisam seguir rígidas práticas e sistemas de produção que permitam sua auditoria e certificação. O gado deve ser criado da forma mais natural possível, em convívio com a flora e a fauna regional. Há também uma preocupação quanto à lotação do rebanho e o descanso do solo. Os animais são tratados somente com medicamentos homeopáticos e fitoterápicos, e torna-se obrigatório o estrito cumprimento das leis ambiental e trabalhista.

O sistema produtivo orgânico é auditado e certificado em todas as etapas de produção, conforme a legislação brasileira. Dessa forma, o consumidor tem a garantia de que as fazendas de criação preservam a cultura do homem pantaneiro, seguem padrões ambientais corretos e utilizam de modo racional os recursos naturais renováveis.

Ao exigir a certificação orgânica, a proteção das nascentes e a proibição tanto do uso de fogo no manejo das pastagens como da aplicação de agrotóxicos e químicos, a pecuária orgânica cumpre seu papel de proteger os solos e os recursos hídricos.

A Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), em parceria com a Korin, o WWF e a Embrapa Pantanal, tem focado sua atividade em produzir uma pecuária sustentável, adotando protocolos e processos de produção e responsabilidade socioambiental que inserem a entidade numa posição de vanguarda. As normas incluem um completo diagnóstico das propriedades rurais, com objetivo de criar uma base de dados para avaliar ganhos de longo prazo.

Atualmente, a carne sustentável no Brasil está sendo comercializada no mercado interno, mas o vice-presidente da ABPO, Nilson de Barros, acredita que, no futuro, a partir da experiência brasileira, será viável pensar na possibilidade de exportação.

A demanda existe e envolve um segmento disposto a pagar determinada margem por um produto mais saudável, mas a limitada produção de grãos orgânicos exige uma flexibilização diante da realidade. As carnes sustentáveis que hoje são comercializadas no país talvez sejam um dos caminhos para atender a esse mercado.

 

Fonte: Jornal do Commercio, 19/08/15

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