O recado é direto e reto: “o Brasil precisa de um plano concreto para o desmatamento”. Olho no olho, a mensagem partiu do novo embaixador da Noruega no Brasil, Odd Magne Rudd, em encontro com o vice-presidente da República e líder do Conselho Nacional da Amazônia, Hamilton Mourão, na segunda-feira (18). O diplomata norueguês não estava ameaçando o Brasil com pólvora e nem prenunciando ao general da reserva alguma invasão, mas deixou claro que a desastrosa política ambiental do País pode causar uma devastação econômica sem precedentes. “A hora de negociar é agora”, afirmou Rudd.
O encontro não se deu fora de contexto. Desde 2019, o Fundo Amazônia, que era mantido principalmente com recursos do governo escandinavo, está paralisado após o governo brasileiro ter extinto o comitê orientador do fundo. Ele havia sido criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização na região. Mourão disse ao embaixador sobre a importância da retomada da estrutura de financiamento e garantiu que o Brasil está empenhado em ter uma boa imagem na COP-26, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima que será realizada na Escócia no final do mês.
Tanto Mourão como Rudd têm razão, ao menos no senso de urgência. A partir de novembro, a União Europeia (UE) deverá exigir de seus importadores de carne bovina, soja, café, cacau, madeira e óleo de palma que se certifiquem de que esses produtos são provenientes de áreas que não foram desmatadas ilegalmente ou contribuíram para a degradação de solos depois de 1º de janeiro de 2021. Com isso, os europeus criam um muro contra o “desmatamento importado” — acusação feita pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, ao se defender das críticas de fora.
Colocada em prática, a ação da UE vai aumentar a pressão sobre o governo nas questões ambientais e gerar prejuízos bilionários aos exportadores brasileiros, especialmente os do agronegócio. Apenas no primeiro semestre deste ano, a Europa importou 61,8 bilhões de euros em alimentos, se consolidando como o terceiro maior mercado consumidor do mundo, depois de China e Estados Unidos. “O dano econômico e à imagem do Brasil é incalculável, e as empresas já estão se antecipando em tudo que diz respeito a certificações internacionais”, afirmou o economista Marcio Sette Fortes, economista do Ibmec e diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
FRANÇA NO COMANDO
A proposta elaborada pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, vai ser encaminhada ao Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 países-membros, e ao Parlamento Europeu. Com interesse peculiar do presidente Emmanuel Macron, a França é o país que mais pressiona o Brasil por regras ambientais no acordo comercial UE-Mercosul, por causa do desmatamento na Amazônia e do desmantelamento dos órgãos de fiscalização. E o choque de interesses já contaminou a diplomacia. No início do mês, o chanceler brasileiro Carlos França desembarcou em Paris para a reunião ministerial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas perdeu a viagem. Ele não foi recebido pelo ministro de Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian.
Para Philipe Santos, da Valor Investimentos, a Europa está se alinhando às práticas ESG (ambiental, social e de governança) atribuindo mais atenção à origem dos produtos que consome. O que está provocano mudanças nas empresas. “O mercado brasileiro tem se adaptado porque, cada vez mais, está tendo acesso a recursos financeiros mais baratos e a mercados muito maiores.”
O xeque-mate europeu ao desmatamento coloca o agronegócio — uma das apostas eleitorais de Bolsonaro para a reeleição em 2022 — em situação delicada, segundo o jurista Luiz Eduardo Peccinin, advogado sócio da Peccinin Advocacia, especializado no tema. “A situação agora se agrava diante dos compromissos robustos [de redução de emissões de CO2] feitos internacionalmente para as próximas décadas”, disse. “Ao mesmo tempo, o governo brasileiro é dono de um discurso que vai na contramão.” Nessa briga de narrativas em que o governo brasileiro tenta sempre levar a melhor negando os fatos, o jurista vê apenas um caminho. “Se o assunto não for levado a sério, o País tende a se isolar ainda mais”, disse.