Inovação se espalha pelo agro e número de agtechs no País dispara em dois anos

Muito mais gente está interessada hoje nos problemas da vida rural brasileira, ou, melhor dizendo, na possibilidade de ganhar dinheiro encontrando soluções tecnológicas para esses problemas. Isso explica por que o número de startups voltadas para o agronegócio tenha mais que dobrado entre 2016 e o primeiro semestre de 2018. É o que mostra o 2º Censo Agtech Startups Brasil, que acaba de ser concluído. Eram 76 empresas, e agora são 184. Juntas, levaram à criação declarada de 1.536 postos de trabalho de alta qualificação no País.

O novo levantamento realizado pelo AgTechGarage e Esalq/USP, e antecipado ao Valor, faz um recorte mais aprofundado em relação ao censo anterior e mostra dois aspectos positivos em relação à disseminação da inovação no campo. Um deles é o espraiamento territorial desses empreendedores, com o aparecimento, ainda que tímido, de startups no Norte e Nordeste, e o crescimento do empreendedorismo no Centro-Oeste. Amapá, Amazonas, Pará e Piauí são novidades, mas Goiás e Mato Grosso ganharam representatividade maior.

Outro aspecto é a diversificação das culturas atingidas. Preferência do grande produtor rural brasileiro, a soja continua sendo o carro-chefe também na busca por tecnologias que ampliem a previsibilidade e a produtividade das lavouras. Os empreendedores trabalhando nesta agenda perfazem nada menos que 46% das agtechs levantadas. Mas surgiram desta vez tecnologias também para culturas menos commoditizadas, como a hortifruticultura e a piscicultura. “Em uma escala de 1 a 5, a receptividade do agricultor brasileiro à tecnologia passou a pender bem mais para alta”, disse José Tomé, do AgTechGarage, de Piracicaba.

O amadurecimento do empreendedorismo rural se vê tanto na melhor aceitação da tecnologia por parte do produtor quanto na capacidade das startups de atender o cliente em cenários adversos. Segundo Tomé, as empresas conseguiram dar um “jeitinho” na realidade brasileira de baixa conectividade rural. “É claro que não ter internet não é bom, dificulta, mas o que o censo mostra é que as startups não viram isso como uma barreira de entrada”, disse ele.

Na prática, o que elas fizeram está no cerne da concepção do que é ser uma startup: detectaram o problema rapidamente e adaptaram-se para resolvê-lo mais rápido ainda. “Sem internet, as startups criaram, por exemplo, aplicativos que podem ser alimentados offline para descarregar as informações na fazenda, onde tem sinal de internet”.

O advento das agtechs tirou a hegemonia das grandes empresas do setor agroquímico mundial na corrida por novas tecnologias capazes de elevar o rendimento no campo. Apesar disso (ou talvez exatamente por isso), importantes parcerias começaram a ser fechadas entre ambos os lados. O censo mostra que 51% disseram já ter ao menos uma parceria com uma grande empresa. Isso propiciou algumas vantagens: acesso à base de clientes e vendas,  contratação do projeto-piloto, capacitação e mentoria e ainda conexões comerciais outrora impensáveis.

Nesse sentido, mais da metade dos respondentes (58%) também já dizem estar resguardadas por algum tipo de proteção intelectual. “Empresas e startups estão se conhecendo e interessadas nessa aproximação”, disse Mateus Mondim, professor da Esalq/USP e co-idealizador do censo. “E podemos dizer é que as startups estão em processo de amadurecimento”.

Segundo Mondim, o Estado de São Paulo ainda é o maior “cluster” de agtechs no país. Mais de 50% das iniciativas empreendedoras estão localizadas no eixo de Piracicaba, Campinas e a capital paulista. De acordo com o professor da Esalq/USP, isso ocorre por diversos fatores, desde a forte presença acadêmica e o fácil acesso logístico a essas cidades a políticas públicas e verbas para aplicação em ciência.

O censo é a primeira parte de um trabalho de compreensão do movimento de startups no campo no Brasil, e não para por aí. Mondin disse que o próximo passo será a publicação de um relatório bilíngue para dar lastro ao levantamento, que contou com a ajuda de um grupo de estudantes da Esalq/USP e dos professores Andrew Zimbroff, da University of Nebraska-Lincoln, e Gregory G. Graff, da Universidade Estadual do Colorado.

Para o professor, o documento colocará os números no contexto nacional. “Nos EUA, por exemplo, o censo de agtechs inclui toda a cadeia do agronegócio, de ponta a ponta. Se uma empresa cria uma solução que diminua o desperdício de alimentos no supermercado, ela é considerada uma agtech. Aqui, a nossa visão é muito mais restrita”. Além disso, disse Mondim, “muitas startups brasileiras ainda não se entendem como uma ‘agtech’ por não atuarem diretamente no setor, não desenvolveram um software de gestão, não tem um satélite, etc. Com isso, deixaram de aparecer muito mais coisas novas”.

 

Fonte: Valor Econômico

 

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