Incêndios no Canadá e queimadas no Brasil: dois pesos e poucas medidas

O país da América do Norte perdeu mais florestas em dois meses que todo o bioma Amazônia em dez anos.

O Canadá está em chamas. Segundo o Canadian Interagency Forest Fire Centre Inc. há 650 incêndios florestais ativos no início de julho de 2023. Mais da metade fora de controle. Eles começaram em maio e só aumentam. Mapas e dados são atualizados pelo Centre Interservices des Feux de Forêt du Canada. Cerca de mil bombeiros do México, Itália, Portugal, Espanha, França, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Costa Rica, Chile, Coreia do Sul e África do Sul estão no Canadá para ajudar. Ainda assim, o Canadá perdeu mais florestas em dois meses do que todo bioma Amazônia em dez anos. A mídia deveria dar a essa destruição florestal no Canadá destaque compatível ao sempre dado à Amazônia. E não sumir, em inexplicável silêncio, como fumaça.

Já ocorreram mais de 3,4 mil incêndios. Nenhuma província foi poupada. Nem Nova Escócia e Quebec, normalmente pouco afetada. Alberta apresenta a pior situação: mais de um milhão e meio de hectares destruídos.
O fogo já devastou 9 milhões de hectares de florestas do Canadá. A área equivale a queimar todo o Rio de Janeiro e o Espírito Santo juntos, ou a Dinamarca e a Estônia. É mais de 1% do Brasil. Quase um Portugal. O total desmatado na Amazônia em dez anos (8,2 milhões de hectares) é inferior ao destruído pelos incêndios canadenses em dois meses.

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Nenhum presidente ou primeiro-ministro acusou o governo canadense de ser incompetente em proteger as suas florestas canadenses, patrimônio da Humanidade, e não só do Canadá. Ou sugeriu internacionalizar as florestas canadenses. Não houve manifestações acérrimas do presidente francês, nem de artistas famosos. Nenhuma foto de rena ou carcaju queimado. Nenhuma campanha de ONGs e organizações internacionais para boicotar produtos canadenses. Nem na Torre de Londres, nem na Eiffel. Lideranças mundiais pouco disseram ou criticaram. Silêncio e compaixxão. Se fosse por aqui…

Segundo o Observatório Europeu Copernicus, os incêndios florestais no Canadá já lançaram na atmosfera mais de 200 megatoneldas de carbono. São as mais altas emissões anuais estimadas para o Canadá (…)

Em 2022, a Europa teve recorde de áreas queimadas por incêndios florestais. O dobro da média entre 2006 e 2021. A França, segundo o Système Européen d ´Information sur les Feux de Forêt, bateu os recordes de 15 anos. Para 2023, a Europa dobrou sua capacidade aérea de combate a incêndios. E espera com mau agouro, dada a seca atual, mais incêndios em 2023 em relação ao ano passado, segundo o comissário europeu para Gestão de Crises (…)

O clima mediterrânico em áreas de países como Espanha, Grécia, França, Itália e Estados Unidos favorece incêndios florestais nos períodos de primavera e verão. (…) Em regiões tropicais, ao contrário, o fogo ocorre sobretudo no outono e no inverno, no período seco. São as queimadas (e não tanto os incêndios) no Hemisfério Sul, América do Sul, África e Brasil. As fogueiras das festas juninas abriram o tempo das queimadas.

Muitos confundem queimadas e incêndios florestais. Queimadas são um fenômeno generalizado na agricultura tropical. Mais de 98% das queimadas praticadas no Brasil são de natureza agrícola. O agricultor decide quando e onde queimar. É uma prática controlada, desejadas e faz parte de seu sistema de produção. Tem objetivos e resultados esperados. Exige cuidados, como aceiros e ausência de ventos. E depende de muito de fatores metereológicos.

No Brasil, ela está associada a sistemas de produção mais primitivos, de quem vive no Neolítico, como no Parque Indígena do Tumucumaqui, entre o Pará e o Amapá. Nesses cerrados ocorrem as maiores queimadas do país. Chegam a dezenas de quilômetros quadrados segundo estudos da Embrapa. O Inpe produz um boletim diário sobre a ocorrência de fogo em terras indígenas. Há as queimadas na pecuária extensiva para renovar e melhorar pastagens, como a sapecada em campos de altitude do Rio Grande do Sul e Santa Catarina; ou para obter brotação precoce do capim para o gado, como no Sudeste e no Centro-Oeste, em cerrados pastejados ou em pastagens cultivadas. O fogo é usado para reduzir a infestação de carrapatos, animais peçonhentos, pragas e plantas indesejadas. Nesses casos, a queimada ou o fogo controlado cumprem um papel análogo ao da neve na agricultura de países temperados.

A queimada é uma técnica agrícola do Neolítico. Deverá desaparecer da agricultura, substituída por tecnologias modernas. Pequenos agricultores queimam resíduos de colheita por não disporem de máquinas para triturá-los e incorporá-los ao solo. Capoeiras recém-desmatadas e restos de limpeza de pousios também são queimados. A agricultura intensificada e moderna da soja, milho, cana-de-açúcar, algodão, café e fruticultura há muito tempo eliminou as queimadas. O fogo foi substituído por máquinas e sistemas de gestão de resíduos sustentáveis. A falta de informação sobre a natureza das queimadas faz com que elas sejam confundidas com incêndios.

Os incêndios florestais são de natureza acidental, indesejados e difíceis de controlar. Basta ver o Canadá. Ocorrem em vegetações florestais propícias pela comburência e combustibilidade das árvores. Essas vegetações encontram-se essencialmente no Sul e Sudeste. Florestas degradadas, entremeadas por arbustos e gramíneas, matas de araucária e floresta atlântica caducifólia de planalto, além das áreas de pinus e eucaliptus, são as mais propícias a incêndios. Na floresta tropical úmida, um incêndio em vegetação primária é difícil de ocorrer e de se propagar. O mesmo na caatinga. Na seca, a perda das folhas reduz o material comburente. A combustibilidade da parte lenhosa é pouca. As plantas seguem verdes, com água nos tecidos. Caatinga seca não pega fogo, diz o sertanejo, referindo-se também a si mesmo.

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Nesse momento, o sinal amarelo está aceso para um possível crescimeto das queimadas no Brasil. Há indicações da instalação do fenômeno climático El Niño. Aumentou a temperatura das águas subequatoriais do Pacífico. De forma simplificada, isso se deve à intensificação dos ventos do oeste. Eles “empurram” águas aquecidas, mais leves, do norte da Austrália e da Indonésia, em direção à Ámerica do Sul. (…)

Alarmistas anunciam “forte El Niño” em 2023. Todos os modelos climáticos ainda não o atestam. Até agora, ele é essencialmente oceânico. É necessária uma “conexão” muito efetiva com a atmosfera, nessa dinâmica do El Niño Oscilação Sul (Enos). Se ocorrer, aumentarão as temperaturas no Norte e Nordeste, com redução de chuvas e prejuízos à agricultura, à geração de energia hidrlétrica e à navegação. E poderá prejudicar o café conilon no norte do Espírito Santo e em Rondônia, e os grãos e algodão no Matopiba.

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Desde já, compete às autoridades tomar medidas e socorrer pequenos produtores do Norte e Nordeste. Serão os mais prejudicados e representam mais de 50% dos agricultores do Brasil. E modernizar a agricultura familiar para reduzir as queimadas. O El Niño favorecerá o aumento de queimadas e o risco de incêndios no Norte e Nordeste, como nos incêndios em Roraima entre 997 e 998. Junho já totalizou o maior número de queimadas na Amazônia em 6 anos. Como virá julho? Não adiantará culpar ninguém, muito menos “lacrar” São Pedro. Nem esconder os fatos.

El Niño es travieso. Ignora fiscalização, mltas, acusações e narrativas. Aos novos responsáveis pela política ambiental brasileira compete agir. Ou eles contam com um apagão da mídia, políticos e ONGs, como o existente em relação ao Canadá?

Artigo de Evaristo de Miranda publicado em 07 de julho de 2023 no site revista Oeste.

Leia na íntegra no link
https://revistaoeste.com/revista/edicao-172/incendios-no-canada-e-queimadas-no-brasil-dois-pesos-e-poucas-medidas/

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