Grãos são os responsáveis pela pujança econômica em Mato Grosso

Os produtores de grãos de Mato Grosso não são os únicos a comemorar os bons resultados que o clima, o mercado e o câmbio têm proporcionado nas últimas safras. No médio norte do estado, onde estão alguns dos principais polos agrícolas do País, empresários de diversos setores também colhem os frutos da bonança e ampliam negócios, sobretudo às margens da BR-163, principal rota de escoamento das exportações brasileiras de soja e milho pela região Norte.

Impulsionados pela renda gerada no campo, municípios como Sorriso, Lucas do Rio Verde e Sinop estão crescendo até dez vezes mais que a média nacional, e atraindo novos investidores a cada dia. Mas são oportunidades que exigem qualificação, numa nova onda de migração que infla as populações locais e preocupa autoridades no que se refere à oferta e à qualidade dos serviços públicos oferecidos, sobretudo em tempos de Coronavírus, que até agora passou ao largo das fronteiras mato-grossenses.

Assim, meio século depois do início da guinada provocada pela chegada de agricultores do Sul para abrir o Cerrado e iniciar a produção, a região continua a ser considerada terra de oportunidades. Novos migrantes de diferentes partes do Brasil e do exterior ajudam a desenhar a nova paisagem de cidades mais industrializadas, com comércio pujante e uma população que deverá dobrar em dez anos. E o motor das mudanças é a cadeia de grãos.

Apenas em 2019, Sorriso, Sinop e Lucas cresceram cerca de 10%, segundo os governos locais, enquanto o Brasil avançou 1,1% nos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa expansão, num ritmo que a China tem saudade, deverá continuar em 2020, apesar das turbulências. Juntas, essas cidades tiveram PIB de mais de R$ 13 bilhões em 2017, e sua renda per capita superou a média do país.

Crescente, a produção de soja do trio, o carro-chefe da bonança, representa pouco mais de 10% da colheita de Mato Grosso, que lidera a produção de grãos do país – maior exportador de soja do mundo, e segundo maior no caso do milho.

Em Sorriso, batizada pelo Ministério da Agricultura de capital nacional do agronegócio, que colheu mais de dois milhões de toneladas de soja neste ciclo 2019/20, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), a arrecadação cresceu 13% em 2019. Quase dois terços da receita da Prefeitura, R$ 140 milhões, são gerados direta ou indiretamente pelo campo, mesmo com isenções para as exportações, defendidas pelo executivo local. Os empregos também estão em alta: nos últimos três anos, 4.500 vagas foram criadas na cidade.

A família de Ketlin Rogoski é uma das que resolveram investir no município. No ano passado, eles compraram o maior hotel de Sorriso, às margens da BR-163, onde desde novembro a taxa de lotação dos 100 quartos disponíveis é de 87%, em média. Não há vagas durante os dias úteis devido ao fluxo de funcionários de companhias agrícolas e empresários, inclusive americanos.

Do outro lado da rodovia, quem ganha a vida é Lauri Roehrs, em outro ramo promissor: alimentação. Em 15 anos, o restaurante da família passou de seis para 70 mesas. Além da esposa e os dois filhos, Lauri emprega 14 funcionários e serve 300 refeições por dia, além de 150 marmitas. “Hoje não precisa ter medo de fazer investimento aqui”, disse Rohers.

Segundo a Associação Comercial e Empresarial de Sorriso (Aces), em 2020 o setor deverá crescer 6% na cidade. Na loja da Ilene Cagnini Fabian, o avanço já começou a se concretizar. Amparadas na riqueza da safra e impulsionadas pelo “calorão” típico da região, a venda e a instalação de ar condicionado estão a todo vapor. Foi preciso ampliar de quatro para seis o número de funcionários e adquirir mais um carro para os atendimentos aos clientes.

O desempenho do comércio está atrelado à terra. Por mais que o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Alcionir Paulo Silvestro, garanta que o fluxo é constante nas lojas, o movimento se intensifica nos períodos de venda das colheitas, como agora. “Uma coisa puxa a outra. O planejamento do comércio está baseado no olhar no campo, no tempo, no dólar. Estamos ligados umbilicalmente ao agro”, disse Alcionir.

As melhores oportunidades que Sorriso oferece atualmente, porém, já não são para qualquer um. “Não é uma nova Califórnia”, disse Nilson Molonha Alencar, presidente da Aces. Tanto que a carência de profissionais com formação e especialização leva os empresários a muitas vezes pagarem mais para manter os “melhores” funcionários e a disputa por essa mão de obra especializada é acirrada, afirmou Alcionir. Nos hotéis, por exemplo, faltam funcionários bilíngues para atender os hóspedes estrangeiros.

Nas rodas de conversa, se multiplicam as histórias sobre ex-funcionários que abriram suas próprias empresas e viraram concorrentes dos antigos chefes, e também de pessoas que vieram de outros estados para prestar serviços pontuais e resolveram ficar de vez na região. A escassez de qualificação também tem impacto no campo. Para tentar saná-la, o presidente do Sindicato Rural, Tiago Stefanello, disse que são realizados 250 cursos de especialização por ano.

Na vizinha Lucas do Rio Verde, que passou a ser conhecida como capital da agroindústria depois da instalação na cidade da maior unidade da BRF no país, vantagens e problemas são parecidos. “Não vendemos ilusão para ninguém. Tem que vir com estrutura para investimento e para trabalhar, com curso superior, no mínimo”, disse o Secretário de Agricultura, Márcio Albieri. Nas empresas, jovens vindos de Santa Catarina e São Paulo ocupam vagas privilegiadas, de engenheiros a assessores de imprensa, já sem a ânsia de outros tempos de voltarem a suas cidades natais.

A circulação do dinheiro gerado no campo também alimenta os novos negócios que surgem em Sinop, mais ao norte da BR-163. Em 2019, foram abertas 2.264 novas empresas na cidade. Só em janeiro deste ano, outras 196 receberam alvará da prefeitura. No total, são mais de 22.000 empreendimentos ativos. Marcas consagradas nas capitais chegam ao município, que estima que passará a abrigar 400.000 habitantes em dez anos. São grandes redes de supermercados, atacadistas, fast-food, vestuário e concessionárias, entre outras.

Assaí Atacadista, Havan, Pernambucanas, Magazine Luiza, Bob’s, Burger King e C&A são apenas alguns exemplos. Com o boom, a geração de empregos também evoluiu em Sinop. Foram 2.700 novas vagas só no ano passado.

Para o produtor rural também não faltam opções. São dezenas de lojas de insumos, bancos, escritórios internacionais, oficinas, concessionárias de máquinas, implementos e também das camionetes e carros de luxo. “O produtor tem tudo aqui. Hoje ele é bem atendido e tem a infraestrutura colocada”, disse Ilson Redivo, presidente do Sindicato Rural de Sinop.

O município tem a segunda maior Câmara de Dirigentes Lojistas de Mato Grosso, com 1.500 associados. O presidente da entidade local, Marcos Antônio Alves, disse que a confiança para investir voltou. E para Klayton Gonçalves, diretor da Aces de Sinop, a aprovação da lei da Liberdade Econômica vai dar outro ritmo ao comércio local, com novos horários de funcionamento e abertura aos domingos.

Considerada a capital do “Nortão”, a cidade é movida pelo setor de serviços, responsável por 70% do PIB, e virou polo de saúde e educação para dezenas de municípios até do sul do Pará. Além da população crescente, atende quase um milhão e pessoas de cidades vizinhas.

Colonizada por paranaenses, Sinop, onde há até uma catedral, recebe agora migrantes de todas as regiões. Novos condomínios e bairros surgem a cada semana. Nos últimos três anos, 53 loteamentos foram criados. “Essa é a região do Brasil que deu certo”, disse Rosana Martinelli, primeira mulher a comandar a prefeitura da cidade planejada, fundada há 40 anos.

O setor imobiliário cresceu 12,50% em 2019, e a empresa de Edilson Macedo virou referência na região, com sete empreendimentos de urbanismo implantados desde 2002. São verdadeiros bairros planejados, alguns abertos e outros fechados, de alto padrão. Os fechados dão a cara de cidade grande que Sinop quer ganhar. Os abertos ainda conservam um clima de interior, onde a população se reúne nos fins de tarde para as rodas de chimarrão e tereré.

E a cidade também começa a receber empreendimentos verticais. Um grupo baiano vai investir R$ 120 milhões em seis prédios com mais de 600 apartamentos. Com a especulação imobiliária em alta, a loja de materiais de construção e acabamento de Fabrício Rebouças, inaugurada em setembro, já fatura mais do que a unidade de Cuiabá. São R$ 2.5 milhões por mês. “A meta é dobrar em dois anos”, disse.

Quem antes pensava em ir embora e ganhar a vida nos grandes centros, encontra oportunidades. O médico Milton Malheiros da Silva, que chegou a Sinop como açougueiro, em 1984, se especializou e hoje realiza quase todos os dias uma cirurgia de rinosseptoplastia, para corrigir defeitos funcionais e estéticos do nariz. Agora, investe em um consultório de 1.800 m² no primeiro shopping da cidade, que deve ser inaugurado este ano.

Depois de formado, o doutor tentou prosperar em Cuiabá, mas disse que acertou ao apostar no interior. Referência no assunto, ele atende pacientes de Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Pará, e consegue cobrar valores superiores ao que praticaria longe dali. Ele conta que atende muitas famílias de agricultores e ressalta que até os seus negócios dependem da produção rural. “O agro cria o dinheiro. Se vai bem, tudo melhora, mas o contrário também é verdadeiro”.

 

Valor Econômico

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