Grãos: produtor encara cenário de incertezas

Não é dos mais animadores o cenário traçado pelos economistas do Itaú BBA para os produtores brasileiros de grãos na próxima temporada (2019/20). Se, por um lado, a produção tende a aumentar, por outro a perspectiva de menor crescimento da economia mundial e o ainda turbulento cenário político doméstico deverão enfraquecer a demanda.

Mesmo o alento para os preços nas bolsas americanas proporcionado pelas chuvas nos Estados Unidos não deve prevalecer. É o que alerta Pedro Fernandes, diretor de agronegócio do Itaú BBA. E nesse cenário mais sombrio, a situação está pior para a soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro.

São muitas as dúvidas que pairam no ar. Entram na equação: guerra comercial entre Washington e Pequim, a peste suína na China, o câmbio e o frete rodoviário. “Estamos partindo de um balanço bastante folgado. Mesmo com um choque da produção americana, temos estoques bastante amplos”, disse Fernandes durante evento ontem em São Paulo.

Segundo o USDA, os estoques finais globais deste ciclo 2018/19 deverão ficar em 113 milhões de toneladas. Para 2019/20, a previsão inicial é de produção de 356 milhões de toneladas. “Precisaria haver uma queda da produção de 35 milhões de toneladas para mudar estruturalmente os preços”, afirmou Guilherme Bellotti, analista sênior de agronegócio do banco.

Na ponta do consumo, a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 3,3% em 2019 e 3,4% em 2020 alimenta apreensões. “A dúvida aqui é quanto a China vai crescer. Essa previsão pode ser revisada para baixo. A guerra comercial pode levar o crescimento do PIB mundial para 3% ou um pouco menos”, disse Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco.

Outra problema no mercado de grãos é a peste suína africana na China, que deve reduzir o plantel no país em até 35%. “A peste diminui bastante a necessidade chinesa de soja”, lembrou Fernandes. Segundo os cálculos do Itaú BBA, as importações da oleaginosa por Pequim devem cair em 13 milhões de toneladas em 2019 em relação a 2018.

Também são grandes os riscos domésticos. A aprovação da reforma da Previdência poderá valorizar o real, e mesmo com uma taxa Selic em queda, a tendência, avalia Barbosa, economista do Itaú Unibanco, é de que o dólar fique em R$ 3,80 no fim deste ano. “O problema é o produtor formar custos a R$ 4,00 e vender a colheita a R$ 3,80”, disse o diretor do Itaú BBA.

E mesmo que os produtores tentem no momento aproveitar eventuais picos de preços ou o dólar, a situação não muda para 2019/20. “Há falta de liquidez para travamento de preços para a safra futura. As tradings estão receosas com o frete e com a volatilidade do câmbio. Diminuiu a possibilidade de precificação interessante de safras futuras”, afirmou Fernandes.

A disputa comercial entre China e Estados Unidos até pode ser vista como uma luz no fim do túnel, mas o diretor do Itaú BBA atenta para o fato de a dependência de um único mercado ser perigosa. “A capacidade que a China tem de mexer com expectativas e preços é gigante e a gente não pode negligenciar isso. No ano passado, apenas a sinalização chinesa de um acordo com os EUA na reunião do G-20 reduziu prêmios no Brasil”, disse.

No caso do algodão, a situação também não é animadora. O Brasil chegou à segunda posição no ranking mundial dos maiores exportadores, atrás dos EUA, mas o lucro dos cotonicultores deve diminuir. Mesmo com os problemas climáticos nos EUA, Bellotti acredita que a produção americana 2019/20 deverá crescer. “Veremos as menores áreas abandonadas de plantio nos últimos anos nos EUA”.

No Brasil, o analista do Itaú BBA acredita que a produção deverá se manter em 2019/20 nos mesmos patamares da safra corrente. “Há novos entrantes e investimentos grandes foram feitos, então dificilmente veremos redução de área”.

O aumento de produção de algodão nos Estados Unidos e a tendência de manutenção, no Brasil, dos dois maiores exportadores globais da pluma, levará a um aumento de oferta. O USDA calcula 27.3 milhões de toneladas no mundo, com aumento de 5,8% em relação à 2018/19. O estoque final do ciclo 2019/20 deverá ficar em 16.5 milhões de toneladas.

“E o USDA está otimista em relação ao consumo. Há dúvidas em relação à China e as importações da Turquia caíram bastante”, afirmou Bellotti. O USDA estima 26.9 milhões de toneladas de consumo de algodão em pluma em 2019/20.

O alento para os grandes produtores do Cerrado deverá ser o milho. A janela climática de plantio do cereal na safra 2019/20 está se fechando nos EUA e a tendência é redução de área e piora na qualidade.

“Dificilmente a produção americana passará incólume”, declarou o analista do Itaú BBA. No Brasil, por outro lado, a produção de milho deverá crescer, com plantio de milho safrinha dentro da janela climática ideal em 2018/19. “O mundo estava com bastante milho, mas agora tende a precisar mais do cereal do Brasil”, disse Bellotti.

“O milho vai dar muito mais notícia nos próximos meses do que a soja. Também há o aumento da produção de aves, com a febre suína na China. Então a demanda deve subir”, afirmou Fernandes.

 

Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp