Ao contrário das grandes empresas de insumos agrícolas, envolvidas em venture capital ou fomentadoras de seus próprios projetos de aceleração de startups, os principais frigoríficos brasileiros ainda estão a mil léguas de distância do ecossistema de inovação na pecuária que se forma no país.
Seja por características inerentes ao produtor, ainda avesso a disrupturas tecnológicas ou pelo momento complicado que a indústria de carnes enfrenta no Brasil, as startups contaram até agora com o dinheiro e o interesse apenas de gestoras de fundos de investimentos e de outros segmentos da indústria.
Francisco Jardim, especialista em agtechs da SP Ventures, diz que o ponto de inflexão no segmento foi a entrada da Bosch (referência na indústria de peças automotivas) em uma plataforma de pecuária de precisão.
De forma inédita, a subsidiária brasileira apresentou ao mercado em julho de 2017 um sistema de pesagem e transmissão de dados que permite conhecer a performance do animal confinado ou no pasto sem a necessidade de levá-lo ao curral.
O marco da Bosch é visto como um produto ainda caro para pecuaristas de pequeno e médio portes. “Mas o interesse da empresa alemã mostrou que havia um mercado a ser explorado”, afirma Jardim. O movimento fez os olhos de outros players, até então voltados a empresas de tecnologia agrícola, a se virar para os bovinos e seus desafios.
Além da incursão da Bosch, os EUA também têm influenciado o movimento brasileiro. Gigantes como Cargill e Tyson Foods passaram a apostar em startups de pecuária. Ambas investiram, por exemplo, na Memphis Meats, que produz carne em laboratório a partir da reprodução de células de animais.
“O pecuarista brasileiro investe alto em patrimônio, mas carece de eficiência. Pela importância da pecuária de corte, se a gente conseguisse melhorar em 30% essa eficiência, impactaríamos o PIB”, diz Xisto Alves, sócio-fundador da JetBov, empresa catarinense de digitalização e gestão da pecuária. Segundo ele, a melhor gestão se torna urgente à medida que novas gerações assumem o negócio.
É o que pensa também Marcos Fernando Marçal dos Santos, o “Molininha”. Filho mais velho de Marcos Molina, CEO da Marfrig, ele lançou a Webgados em 2016. Então com 20 anos, achava ultrapassado comprar e vender animais (a família também tem fazendas de gado) via corretores.
“Não faz sentido eu ter de ir até a fazenda para olhar animais à venda”, afirma Marcos filho, que começa a trabalhar às oito da manhã na Marfrig, segue para a Webgados no fim da tarde e encerra o dia na FAAP, onde faz o último ano do curso de Administração de Empresas.
A Webgados é um marketplace de comercialização de bovinos a fazendas. Já são 100.000 cadastrados. As negociações são feitas diretamente entre as partes a partir de uma tabela sugerida.
O site, que tem como concorrentes as startups Pastar e Boi na Linha, hoje não cobra pelas intermediações. Mas os planos são de crescer em anúncios e inaugurar em 2019 a loja virtual do pecuarista. “A pecuária está engatinhando em inovação. Tem de virar a chave”, declara “Molininha”.
Fonte: Valor Econômico