Governo e agricultores unem forças contra a moratória da soja na Amazônia

Com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) pretende fazer uma reclamação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra as tradings agrícolas. Os produtores questionam a moratória da soja na Amazônia, compromisso por meio do qual as maiores comercializadoras de grãos garantiram não comprar a oleaginosa de áreas desmatadas no bioma.

Em entrevista ao Valor, o presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, argumentou que a moratória da soja é um pretexto para a reserva de mercado para as tradings. “Somos totalmente contra a moratória. Ela fere a nossa soberania. Quem negocia no Brasil tem que respeitar as nossas leis”, disse Braz. Segundo ele, a moratória não existe para solucionar uma demanda ambiental, mas sim econômica.

Pelo Código Florestal, as propriedades rurais no bioma amazônico devem preservar 80% da área. Na avaliação dos produtores representados pela Aprosoja, a moratória da soja é mais exigente do que a legislação nacional, que permite o desmatamento de 20% da área no bioma.

Assinado em julho de 2006 pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec), a moratória tem como premissa não comercializar nem financiar soja produzida em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008 – a data de referência do Código Florestal.

Procurado pela reportagem, André Nassar, presidente da Abiove, que representa as tradings, afirmou que a entidade aguarda o “movimento concreto” da Aprosoja para derrubar a moratória da soja. “Não sei como desenharam (o recurso no Cade)”, disse, quando informado pelo Valor sobre a intenção dos produtores de acionar o órgão antitruste.

Na avaliação de Nassar, não será “simples” para a Aprosoja convencer o Cade de que a moratória da soja “fere a concorrência”, uma vez que a medida vigora há mais de dez anos e que as regras dela nunca mudaram. “Nenhum produtor foi pego de surpresa”, acrescentou. “Os produtores que abriram áreas no bioma amazônico também não estão proibidos de vender soja às tradings. Só a fazenda que teve área desmatada é que está vetada”, disse.

Por outro lado, o presidente da Abiove admitiu que as tradings se preparam para o caso de uma medida judicial determinar a mudança na moratória da soja, e já contatou clientes sobre o tema. “Não pode ser surpresa no mercado”, afirmou, lembrando que o setor construiu credibilidade na última década com a proibição de comprar soja de áreas desmatadas no bioma amazônico.

A pressão contra a moratória pode dificultar o acesso a mercados externos, disse Paulo Adário, estrategista sênior de florestas do Greenpeace e coordenador da sociedade civil no Grupo de Trabalho da Soja (GTS). “Os produtores não vão gostar de saber quando o produto deles associado ao desmatamento não tiver mais mercado”.

Em 2006, quando a moratória foi adotada, a soja ocupava 1.1 milhão de hectares no bioma amazônico. Na safra 2017/18, a área avançou para 4.66 milhões de hectares na Amazônia, mas apenas 2% estava em desacordo com as exigências. “A moratória demonstrou ser um sucesso contra o desmatamento”, declarou Adário.

Perguntado sobre os riscos às exportações brasileiras, o presidente da Aprosoja Brasil minimizou. “De maneira alguma isso vai afetar os nossos negócios. Nosso mercado hoje é majoritariamente o asiático. A demanda europeia é irrisória. Além disso, quem tem soja somos nós. Quero saber se existe soja mais sustentável que a nossa”, disse Braz, em alusão ao papel europeu na defesa da Floresta Amazônica.

No ano passado, as exportações de soja em grão renderam US$ 33 bilhões ao Brasil, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura. Do total, 82% foi obtido nas vendas à China. A receita com os embarques de soja à União Europeia respondeu por 6%.

Apesar do discurso da Aprosoja, a ênfase no mercado asiático não deixa os produtores livre de riscos. Uma das três maiores compradoras de soja do Brasil, a estatal chinesa Cofco também é associada da Abiove e faz parte da moratória da soja. Recentemente, o grupo asiático reforçou sua política de sustentabilidade, captando US$ 2.3 bilhões com juros atrelados a metas de sustentabilidade.

“De qualquer maneira, o objetivo da Aprosoja é tirar do mercado as tradings agrícolas que exigem a moratória da soja”, afirmou Braz. “Vamos exigir que as compras sejam feitas dentro das nossas leis. Se não quiserem, que voltem para França”, disse ele, mencionando nominalmente a Louis Dreyfus Company (LDC), trading agrícola de origem francesa.

Também vale lembrar que o presidente da França, Emmanuel Macron, foi um dos líderes que mais pressionaram o Brasil a combater as queimadas da Floresta Amazônica este ano, provocando reações pouco amistosas do presidente Bolsonaro.

Agora, a Aprosoja conta com o apoio do governo brasileiro na ofensiva contra a moratória da soja. Na semana passada, o secretário especial de Relacionamento Externo da Casa Civil, Abelardo Lupion, fez duras críticas às tradings. “Vamos acabar com essa palhaçada da Abiove de fazer distinção entre produtores”, afirmou ao site “Notícias Agrícolas”. A fala da Lupion ocorreu após uma série de articulações desde o fim de agosto, quando representantes da Aprosoja participaram de um café da manhã com Bolsonaro.

Procurado, o Ministério da Agricultura disse que “não nos cabe pronunciamento sobre moratória da soja, até porque nada até este momento foi comunicado oficialmente ao ministério pelo setor”. A ministério argumentou que “é um acordo privado”, que “não envolve o ministério ou o governo federal”.

 

Valor Econômico

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