Gil Maranhão

Por, Marcelo Sá – Jornalista/Editor
Equipe SNA 

Gil Maranhão é graduado em Engenharia Civil, com extensão em construção e estatística, e MBA em Mercado de Capitais. Diretor e Membro do Comitê Executivo da ENGIE, responsável pelas áreas de Comunicação Corporativa, Sustentabilidade, Mercados de Carbono e Relações Institucionais. Chegou à empresa em 1996 como o Gerente Delegado para o Brasil, tendo desde então trabalhado como executivo em diversas áreas.

Maranhão acredita que o Brasil é protagonista no contexto de adaptar-se às mudanças climáticas, bem como na adoção de práticas que reduzam a emissão de gases de efeito estufa. Para ele, a vantagem do País é contar com abundância de novas matrizes energéticas, tais como hidrelétrica, solar e eólica. Confira a íntegra da conversa a seguir.

 

SNA: Carbono zero é uma política que visa neutralizar ou zerar a emissão de gases de efeito estufa, que são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Uma das formas é por meio do crédito de carbono. Como funciona?

“Neutralizar” e “zerar” são termos distintos, embora ambos relacionados à redução de emissões de carbono e à mitigação das mudanças climáticas. Em resumo, “carbono neutro” significa equilibrar emissões e remoções de carbono, enquanto “carbono net zero” envolve eliminar ao máximo as emissões e, quando inevitável, compensá-las com créditos de carbono. Gases de efeito estufa (GEEs) afetam o clima e o meio ambiente, contribuindo para o aquecimento global e suas consequências prejudiciais em ecossistemas, chuvas, nível do mar e eventos extremos.

Adotar metas de carbono zero ou net zero requer a redução significativa das emissões e compensação das residuais. Essa abordagem prioriza a ciência, alinhando-se à Science Based Targets initiative (SBTi), que embasa metas de redução de GEEs com base em descobertas científicas e diretrizes do Acordo de Paris, visando limitar o aquecimento global abaixo de 2 °C.

Organizações devem compartilhar estratégias de gestão visando à diminuição líquida das emissões em toda a cadeia produtiva, incluindo fornecedores e consumidores, além de compensar emissões com créditos de carbono. É um trabalho conjunto, que não será feito por apenas uma parcela da sociedade. Por isso, a ENGIE conclama seus stakeholders a agirem junto com a empresa.

Créditos de carbono são auxiliares no caminho para o Net Zero, mas devem ser usados com responsabilidade e transparência, complementando ações reais de mitigação das emissões.

SNA: Praticamente, cada país assinou o Acordo de Paris sobre Mudança Climática, que estabelece que a temperatura global permaneça 1,5°C acima dos níveis da era pré-industrial. Mas se continuarmos lançando as emissões, que causam as mudanças climáticas na atmosfera, a temperatura continuará a subir bem além desta marca. Até que ponto isso ameaça a vida e a subsistência de todas as pessoas no mundo? 

Se as emissões de GEE continuarem sendo lançadas, aumentando a sua concentração na atmosfera, cientistas alertam que a temperatura pode ultrapassar significativamente esse limite. Isso representa uma ameaça substancial para a vida e a subsistência de todas as pessoas no mundo. O aumento das temperaturas pode resultar em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como secas prolongadas, inundações devastadoras e ondas de calor letais. Além disso, o aumento do nível do mar e a acidificação dos oceanos podem prejudicar ecossistemas costeiros e sistemas de subsistência, afetando a segurança alimentar e causando deslocamentos populacionais. Atingir níveis de aquecimento além do estabelecido no Acordo de Paris também coloca em risco a estabilidade de ecossistemas vitais, biodiversidade e serviços ecossistêmicos que sustentam a vida humana. Portanto, ações urgentes para reduzir as emissões e cumprir os objetivos do Acordo de Paris são essenciais para proteger as gerações presentes e futuras, bem como os sistema econômico.

SNA: Como o Brasil pode reduzir suas emissões líquidas de CO2 e se adaptar às mudanças climáticas?

O Brasil, como protagonista global, desempenha um papel fundamental na luta contra as mudanças climáticas. Sua relevância reside em diversos fatores, como a vasta extensão territorial rica em recursos naturais, liderança na adoção de energias renováveis, práticas agrícolas sustentáveis e esforços para preservar a Amazônia e demais biomas. No entanto, apesar de seu posicionamento promissor, o país enfrenta desafios prementes, como o desmatamento fora de controle, que requer ação imediata para garantir a eficácia das políticas de sustentabilidade e para manter seu protagonismo no cenário global.

No âmbito internacional, o Brasil aderiu ao Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, estabelecendo metas ambiciosas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) definem um compromisso inicial de redução de emissões em 37% até 2025, com base nos níveis de 2005. Além disso, o país também estabeleceu a meta de diminuir suas emissões em 50% até 2030, utilizando o mesmo ano de referência. Olhando para o futuro, o Brasil aspira alcançar a neutralidade climática até 2050, traçando um caminho audacioso em direção à sustentabilidade.

Um marco significativo na jornada brasileira rumo à neutralidade é a iminente instituição do mercado regulado de carbono. Esse passo crucial não apenas oferecerá incentivos econômicos para a redução de emissões, mas também fomentará a adoção de práticas mais sustentáveis em diversos setores produtivos. A transição para uma economia de baixo carbono será alicerçada em mecanismos que valorizam as ações de mitigação, promovendo investimentos inteligentes em energias limpas e tecnologias verdes.

É crucial enfatizar que a principal ameaça climática que o Brasil enfrenta é o desmatamento. Ações vigorosas para conter o desmatamento ilegal, promover a conservação dos ecossistemas naturais e restaurar áreas degradadas tornam-se indispensáveis para combater essa fonte significativa de emissões de carbono. A Amazônia, como um ecossistema vital, desempenha um papel crítico na regulação climática global, sendo essencial para manter o equilíbrio ambiental e climático. A proteção e recuperação dessas áreas são pré-requisitos para o cumprimento das metas climáticas e a conquista de um futuro resiliente.

Apesar do setor elétrico ser responsável por apenas 2% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, a expansão das fontes de energia renovável desempenha um papel de extrema importância. A contínua evolução do sistema elétrico renovável permitirá que o país se torne um líder global na produção de vetores renováveis, incluindo o promissor hidrogênio verde e seus subprodutos. Essa evolução não somente contribuirá para a redução das emissões domésticas, mas também consolidará o Brasil como um fornecedor crucial de soluções sustentáveis para outras nações, contribuindo de forma expressiva para a redução global das emissões.

Sob a perspectiva das mudanças climáticas, o Brasil também deve estar atento à necessidade de adaptação. Para se adequar às transformações climáticas, é essencial investir em monitoramento climático e pesquisa científica. A conservação dos ecossistemas naturais e o aprimoramento da gestão de recursos hídricos são estratégias vitais para garantir a resiliência frente a eventos extremos, como secas e inundações.

A agricultura, um pilar da economia brasileira, também precisa adotar práticas adaptativas. Isso inclui o desenvolvimento de técnicas que permitam a produção mais eficiente de alimentos, reduzindo a expansão acelerada das fronteiras agropecuárias e garantindo a segurança alimentar em um cenário climático em constante transformação. Além disso, a implementação de infraestruturas resistentes é uma peça-chave na estratégia de adaptação, garantindo resiliência frente à intensificação dos eventos meteorológicos no médio e longo prazo.

A promoção de políticas adaptativas, o estabelecimento de incentivos financeiros e a colaboração internacional também são aspectos fundamentais da preparação do Brasil para as mudanças climáticas. O país tem o potencial de desempenhar um papel de liderança na construção de resiliência global, compartilhando conhecimento, experiências e melhores práticas com outras nações vulneráveis.

Em resumo, o Brasil possui uma posição de destaque no combate às mudanças climáticas, impulsionada por seus recursos naturais, liderança em energias renováveis, práticas agrícolas sustentáveis e esforços de conservação. O Brasil está no caminho para cumprir suas metas por meio da adesão ao acordo de Paris, implementação das NDCs, estabelecimento do mercado regulado de carbono e desenvolvimento contínuo do setor elétrico renovável. Ao adotar uma abordagem coordenada e abrangendo todos os setores da economia, o Brasil pode não apenas alcançar seus próprios objetivos, mas também desempenhar um papel crucial no cenário global de sustentabilidade e mudanças climáticas. Além disso, ao investir em adaptação e resiliência, o país se prepara para enfrentar os impactos inevitáveis das mudanças climáticas, promovendo um futuro mais seguro para populações e para os negócios.

SNA: Um elemento-chave é transformar as economias com energia limpa, substituindo o carvão poluente e usinas de gás e combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia como fazendas que utilizam energia solar e eólica. Sucintamente, como seria essa operação?

A transformação das economias por meio da energia limpa envolve substituir fontes poluentes como o carvão e os combustíveis fósseis por fontes renováveis, como a energia hidrelétrica, solar e eólica. Como nenhuma fonte isoladamente é capaz de atender a demanda de energia, em algumas situações, o gás natural pode servir como um vetor de transição, especialmente em locais que atualmente dependem do carvão ou óleo combustível. Isso poderia ser alcançado através da implementação de usinas de gás natural mais eficientes e de menor impacto ambiental, enquanto se avança gradualmente para a integração de energias renováveis. Essa operação requerer investimentos em infraestrutura de gás e a subsequente transição para energias mais limpas à medida que as tecnologias evoluem. Fundamental também na trajetória de neutralidade em carbono brasileira é o incremento das infraestruturas de transmissão de energia, a fim de assegurar a estabilidade do sistema frente à ampliação das fontes renováveis e a diversificação da matriz.

SNA: A ação climática não é um estouro no orçamento ou um destruidor para a economia. Na realidade, a adaptação para uma economia verde leva à criação de empregos. Este passo abriria caminho para gerar mais ganhos econômicos se comparado com o status quo do comércio hoje. Mas este valor pode ser ainda mais alto. Qual o caminho?

O investimento em gestão de riscos não pode representar um fardo nem uma ameaça à economia. Pelo contrário, a transição para a neutralidade em carbono pode impulsionar a inovação e a criação de empregos, além de minimizar os riscos de toda ordem associados às falhas em enfrentarmos mudança climática, considerando atualmente o principal risco global segundo o Forum Econômico Mundial. A ação climática pode ainda gerar oportunidades e investimento em setores sustentáveis, como energia renovável, eficiência energética, tecnologias limpas, indústria e infraestrutura resilientes. Ao fazer isso, podemos promover um desenvolvimento mais saudável e próspero, simultaneamente contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e a construção de uma sociedade mais igualitária.

SNA: Mas nem todos os países têm o mesmo papel na promoção desta mudança, certo? 

Sim, você está correto. Nem todos os países têm o mesmo papel na promoção da mudança em direção a práticas mais sustentáveis e à mitigação das mudanças climáticas. O contexto e as responsabilidades de cada país variam com base em fatores como sua contribuição histórica para as emissões de gases de efeito estufa, níveis de desenvolvimento, capacidade econômica, recursos naturais disponíveis e impactos esperados das mudanças climáticas.

Os países industrializados, que historicamente contribuíram e continuam contribuindo significativamente para as emissões de carbono, devem ter uma responsabilidade maior em liderar ações de mitigação e apoio à adaptação em outras nações mais vulneráveis. Esses países frequentemente têm recursos financeiros e tecnológicos para implementar mudanças mais rapidamente e têm um papel relevante no financiamento e transferência de tecnologia para nações em desenvolvimento.

Por outro lado, países em desenvolvimento podem ter prioridades diferentes, como erradicação da pobreza e desenvolvimento econômico. Contudo, suas populações mais vulneráveis serão as mais afetadas sendo urgente que atuem na mitigação e adaptação, de forma equilibrada com suas necessidades de crescimento.

O Brasil, por exemplo, é uma nação de importância significativa nesse contexto global. Está entre os maiores emissores de GEE, sendo mais de 50% das emissões oriundas de desmatamento. Com sua vasta extensão territorial, recursos naturais abundantes e um dos maiores detentores da Floresta Amazônica, o Brasil tem um impacto substancial nas questões climáticas. A conservação das florestas e a transição para energias renováveis têm um efeito direto nas emissões de carbono e na sustentabilidade global. O país pode desempenhar um papel vital tanto na liderança regional quanto na colaboração internacional, contribuindo para ações coletivas que abordam as mudanças climáticas de maneira equitativa e eficaz.

Portanto, a promoção da mudança climática é um esforço global que exige uma abordagem diferenciada, levando em consideração as realidades únicas de cada país e trabalhando em conjunto para alcançar objetivos comuns de sustentabilidade e resiliência às mudanças climáticas.

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