A cana-de-açúcar sempre é citada como exemplo de matéria-prima para a produção de energia limpa, renovável e competitiva. É no etanol, produzido no Brasil a partir dessa cultura, que o setor deposita esperanças para cumprir as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa.
Mas a cadeia do biocombustível enfrenta gargalos para a efetiva distribuição no território nacional. Postos de regiões brasileiras onde o etanol hidratado não tem competitividade econômica com a gasolina simplesmente abandonaram a venda do bicombustível. O motivo é básico: falta de demanda.
O hidratado só tem se mostrado viável em veículos flex quando seu preço representa no máximo 70% do litro da gasolina. Entre os fatores que levam o etanol a ficar acima dessa porcentagem estão a produção pequena ou inexistente do biocombustível, a logística complexa para o transporte e a alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
A situação se agravou este ano. Usinas deram prioridade, na maior parte da safra, à produção do açúcar em detrimento do etanol, porque os preços do alimento estavam mais remuneradores do que os do álcool. Só mais para o fim da colheita a situação se inverteu.
Esse fato poderia ter barateado o biocombustível, mas coincidiu com seguidas altas da gasolina em razão da nova política de preços da Petrobrás, de promover reajustes diários no combustível fóssil. Como o derivado de petróleo apresentou mais aumentos do que recuos, repassados aos postos, o hidratado se valorizou.
Levantamento da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra que, no começo de novembro, de 42.171 postos em operação no país, 8.249 não possuíam bombas de etanol hidratado, ou 19,56% do total. Para a agência, “a própria dinâmica do mercado é quem dita o ritmo das vendas do etanol hidratado, de forma que não cabe à ANP interferir na situação”.
Os dados da ANP, divulgados semanalmente, mostram que somente em Mato Grosso e em São Paulo, estados com produção bem acima do consumo e com alíquotas diferenciadas de ICMS, o hidratado é competitivo com a gasolina.
Em Goiás e Minas Gerais essa situação é comum, mas a competitividade nem sempre ocorre. Em outros 23 estados, quase sempre o preço médio do etanol supera o porcentual de 70% e não é possível competir com a gasolina, que, por ter maior poder calorífico, rende mais por quilômetro rodado.
Nas regiões onde não há a paridade, estabelecimentos que possuem o etanol estão localizados em capitais e grandes cidades. O consumidor de etanol ou tem o viés ambiental ou é de órgão público cuja norma é usar o biocombustível.
Com 2.850 postos, o Rio Grande do Sul é um dos exemplos da falta de competitividade do etanol. Distribuidoras trazem o pouco álcool consumido ali do Paraná e São Paulo. Além do preço e do frete, o combustível é tributado em 30% nos postos só de ICMS.
“No interior do estado não se encontra etanol. Alguns postos na capital e grandes cidades ainda têm para o uso de locadoras, mas boa parte está deixando de vender”, disse o presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do RS, Adão Oliveira.
Sem hábito
O Distrito Federal é outro exemplo onde o álcool foi ignorado. O próprio presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicombustíveis-DF), Daniel Costa, admite ter desistido de vender etanol hidratado.
“O DF não tem usina, nunca teve cultura e como os preços da gasolina e do etanol se igualaram, os postos pararam de vender por falta de consumo”, disse Costa. Além desses motivos, há um fator técnico. Em regiões quentes e úmidas, tanques acumulam água nas paredes internas em volume suficiente para adulterar o etanol.
“Você coloca 5.000 litros de etanol em um tanque e demora um mês para vender. É tempo para acumular gotículas de água, que se misturam ao combustível e podem consolidar a adulteração”, disse o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Pará, Nélio Murta.
Fonte: Estado de S. Paulo