G1: Saiba quais setores podem ganhar ou perder em eventual acordo comercial Brasil-Estados Unidos

Um possível acordo comercial entre Brasil e Estados Unidos, cujas negociações se iniciaram formalmente em julho deste ano, tem o potencial de impulsionar as exportações brasileiras aos norte-americanos, mas também pode gerar maior concorrência para alguns produtos nacionais, segundo avaliação de analistas ouvidos pelo G1.

No último dia 31, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou o início oficial das negociações entre os dois países, após um encontro com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur L. Ross Jr, em Brasília. As tratativas com os Estados Unidos se iniciaram depois que o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) fechou em junho, após 20 anos de conversações, um acordo de livre comércio com a União Europeia.

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a lógica de um acordo comercial é de uma redução do imposto de importação nas duas economias envolvidas. “Todos vão querer que abra mercado para o outro”, disse.

Para Igor Celeste, gerente de Inteligência de Mercado da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o acordo também teria um efeito positivo para os investimentos nos dois países.

“Se o panorama tarifário diminui, há tendência de que empresas venham para o mercado para explorá-lo. A proximidade (entre os países) pode ser uma vantagem competitiva para as empresas dos Estados Unidos, considerando que o Brasil está em tendência de abertura”, declarou.

Para Márcio Sette Fortes, diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), o interesse dos Estados Unidos em fechar um acordo com o Brasil está relacionado com o tratado fechado em junho com a União Europeia – que abriu o mercado do bloco aos produtos agrícolas brasileiros.

“Os brasileiros vão ter vantagem comparativa (frente aos EUA), e vamos começar a ganhar mercado na Europa. Eles ficaram assustados com isso. É uma questão estratégico-comercial que está por trás disso”, avaliou. Por isso, explicou, os Estados Unidos querem aumentar seu mercado no Brasil.

Dever de casa

De acordo com José Augusto de Castro, presidente da AEB, para o Brasil ter melhores condições de competir com os produtos importados dos EUA – mais baratos –, será preciso fazer o “dever de casa” antes e avançar nas reformas estruturais para permitir uma melhor competitividade da produção local.

Segundo Castro, no caso do Brasil, as alíquotas de importação cobradas de produtos de fora do Mercosul são de cerca de 15% e, nos Estados Unidos, já são bem menores atualmente – em torno de 2%.

Por isso, ele citou a necessidade de concluir a reforma da Previdência, de se realizar uma reforma tributária e de melhorar a infraestrutura brasileira – fatores que formam o chamado “custo Brasil” e pesam para os produtores nacionais.

De acordo com o presidente da AEB, para levar adiante um acordo como esse, o Brasil deveria concordar em reduzir a tarifa de importação depois de um certo prazo, como 5, 10 ou 15 anos, a fim de não gerar prejuízo para a indústria nacional que, na visão dele, “não está preparada para abrir o mercado de uma hora para outra”.

Castro avaliou que, de maneira geral, um acordo seria importante para o Brasil se integrar nas cadeias globais de valor e ter mais acesso ao mercado dos EUA – o maior comprador do mundo. “Para o Brasil, seria um ótimo acordo”, afirmou.

EUA x União Europeia

Estudo da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham-Brasil) mostra que, após o fechamento do acordo de livre comércio com a União Europeia, ainda passível de confirmação pelos países membros daquele bloco comercial, haverá melhora nas condições de acesso ao mercado brasileiro de serviços europeus e “condições mais benéficas” para participação de empresas europeias em compras públicas no Brasil.

O documento diz que Estados Unidos e União Europeia concorrem diretamente no mercado brasileiro em um universo de US$ 59 bilhões, que compreende 5.956 produtos.

No ano passado, o Brasil importou US$ 28,9 bilhões em bens originários dos Estados Unidos e US$ 34,7 bilhões em bens originários da União Europeia.

Segundo Abrão Neto, vice-presidente executivo da Amcham-Brasil, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur L. Ross Jr, avaliou em julho, quando visitou o Brasil, que os dois países poderiam cooperar no âmbito internacional para desenvolvimento de mercados na área de biotecnologia e de novas tecnologias agrícolas.

De acordo com Deborah Vieitas, diretora-executiva da Amcham-Brasil, outro setor que também poderá ser beneficiado pelo acordo, que não aparece muito nas estatísticas, é o de serviços.

Dados da entidade apontam que o Brasil exportou US$ 16 bilhões em serviços aos EUA no ano passado e importou US$ 13 bilhões – cerca de US$ 29 bilhões em corrente de comércio.

Investimentos

Igor Celeste, da Apex-Brasil, avaliou que vários setores poderiam se beneficiar do aumento de investimentos decorrente do acordo comercial, como os de agronegócio, saúde, aeroespacial, petróleo e gás, infraestrutura, automotivo e energias renováveis.

Segundo ele, já existe um volume grande de recursos, de empresas multinacionais, posicionadas nesses mercados. “A gente exportou, no ano passado, US$ 28 bilhões aos Estados Unidos. Se a gente crescer mais um ponto percentual nos próximos anos com esse acordo, são US$ 25 bilhões em vendas externas (a mais por ano)”, disse.

Paulo Vicente, professor de gestão pública da escola de negócios Fundação Dom Cabral, acredita que um acordo comercial com os Estados Unidos pode beneficiar o setor de infraestrutura – considerado um dos fatores que elevam o custo de produção no Brasil – principalmente por dar mais segurança para a entrada de investidores norte-americanos no mercado brasileiro.

“Deve entrar mais dinheiro no Brasil. Provavelmente, o investidor dos Estados Unidos terá interesse em trazer dinheiro para cá”, disse o professor. Segundo ele, historicamente acordos comerciais são benéficos para a economia por reduzir o protecionismo.

Vicente afirmou ainda que o setor de infraestrutura no Brasil é controlado por poucas empresas, quase um oligopólio, e que a entrada de novas empresas traz mais concorrência e reduz preços dos serviços. Outro ponto positivo dos acordos comerciais, avaliou o professor, é a criação de tribunais de arbitragem.

“É muito comum você ter, em acordos entre países, a fixação de tribunais de arbitragem. Se o acordo permite esse tipo de arranjo comercial, ajuda”, destacou. Esses tribunais, avaliou Vicente, dão mais segurança jurídica para investidores.

Agricultura

O diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Márcio Sette Fortes, avaliou que o acordo com os EUA poderia ser benéfico para o Brasil no setor agrícola porque abriria a possibilidade de aumentar exportações de suco de laranja e açúcar aos norte-americanos e contribuir para baixar o preço de produtos derivados de trigo no Brasil – uma vez que o país importa grande parte de seu consumo de outros países, como Argentina.

Nos demais produtos agrícolas, ele avalia que não há grandes problemas. “Fica naquele zero a zero”, disse, pelo fato de os dois países serem grandes produtores.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja de São Paulo (Aprosoja SP), Gustavo Chavaglia, também vê como positiva a aproximação com os norte-americanos. Segundo ele, economia fechada é sempre negativa.

“Se você cerceia a concorrência, cerceia inovações. O Brasil tem custos melhores de produção. A abertura comercial pode impactar algum segmento ou outro, mas depois isso vai se acomodando”, disse.

Na avaliação de Chavaglia, um acordo comercial também pode forçar o governo a igualar a tributação entre os países, o que reduziria o custo de produção da soja no Brasil e deixaria o produto mais competitivo.

O Brasil produz quase 120 milhões de toneladas por ano de soja. No ano passado, o país exportou 83,6 milhões de toneladas de soja em grãos, 16,9 milhões de toneladas de farelo de soja e 1,41 milhões de toneladas de óleo de soja, segundo dados da Aprosoja.

 

G1

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