Os fruticultores podem comemorar: já existe tecnologia de tratamento pós-colheita que proporciona que as frutas frescas fiquem livres de resíduos de contaminantes agroquímicos e tenham maior prazo de validade e comercialização. A nova técnica desenvolvida pela Embrapa traz uma combinação nos processos que permitem o uso de água quente aspergida em temperaturas mais elevadas que as atuais, seguido do resfriamento em jatos de água fria ozonizada para interromper o processo térmico.
As frutas também passam por exposição ultravioleta (UV -C), em doses controladas para cada espécie, variedade frutícola, contaminação, e pelo uso de leveduras específicas e extratos vegetais naturais, com efeito residual, para proteção contra a podridão durante armazenagem prolongada. A combinação dos processos ocorre na esteira e garante o eficiente controle de fungos e patógenos que atacam frutas e causam o apodrecimento delas.
OPÇÃO VIÁVEL
O novo modelo é considerado opção viável economicamente e segura tecnologicamente para promover a transição de controle da podridão e de microrganismos nocivos à saúde humana, procedimento realizado atualmente à base de fungicidas e agroquímicos, para um sistema que não deixa resíduos nas frutas tratadas.
A tecnologia melhora o padrão de sanidade de todo tipo de frutas, para evitar o apodrecimento causado por fungos e responde às novas exigências do mercado internacional de frutas frescas, abrindo importante filão dedicado à fruticultura nacional. Ela pode garantir maior penetração da produção brasileira no importante mercado externo de frutas, sobretudo o europeu, destino de aproximadamente 70% das frutas exportadas pelo País.
VIDA SAUDÁVEL
O consumidor europeu atual, por exemplo, associa o consumo de frutas a uma vida mais saudável e exige que os alimentos estejam livres de agravantes à saúde e sejam obtidos e processados dentro dos preceitos de sustentabilidade e segurança. Importadores europeus sinalizam que, em breve, não aceitarão frutas contendo traços de fungicidas ou outros agroquímicos. Até o hipoclorito de sódio, usado para se controlar microrganismos presentes na casca, está no foco do mercado da Europa e pode entrar para a lista de componentes barrados por aquele continente.
O pesquisador Daniel Terao, da Embrapa Meio Ambiente (SP), explica que, comparativamente ao processo de tratamento de frutas em curso, pautado principalmente no uso maciço de fungicidas, o novo sistema é biologicamente mais eficiente e seguro. Verificam-se vantagens consideráveis também no plano qualitativo, por se obter frutas íntegras, sem resíduos químicos, mantendo as melhores características de cor, aroma e sabor.
SEM TRAÇOS DE CONTAMINANTES
Segundo Terao, o mercado demanda alternativas mais limpas de controle de doenças causadoras de podridão em frutas. Desta forma, as pesquisas realizadas pela Embrapa buscam estabelecer um padrão de aspectos de sanidade e sustentabilidade diferenciados, o que propicia que as frutas tratadas no novo processo não contenham traços químicos de quaisquer contaminantes.
O tratamento pode ser aplicado a espécies e variedades que tenham formato ovalado ou redondo, capazes de rolar pela esteira. “O objetivo é viabilizar a parte econômica dos produtores de frutas, em termos de exportação e também para o mercado interno, uma vez que buscam meios de oferecer ao consumidor um produto livre de contaminantes, que podem, eventualmente, causar algum dano à saúde”, afirma o pesquisador.
Ainda segundo ele, o padrão de sustentabilidade se estende também às questões ambientais, já que no tratamento convencional ocorrem descartes, mesmo que involuntários, de resíduos químicos no ambiente, o que não ocorre com a nova tecnologia.
“O que se propõe é disponibilizar uma tecnologia de tratamento de frutas que, embora não promova grandes mudanças e transformações na estrutura da “casa de embalagem” ou packing house, seja eficiente, amplamente sustentável e com menor demanda energética”, detalha Terao.
SANIDADE E COMERCIALIZAÇÃO DIFERENCIADAS
No processo atual, na maioria das vezes, a água quente de tratamento (por imersão) é usada para tratar toda a colheita do dia, mas acumula resíduos, esporos de fungos e sujidades. A imersão da fruta a 52ºC, usando a mesma água ao longo do dia, não tem resultado em controle eficiente das doenças pós-colheita de frutas.
No novo modelo, o sistema de imersão é substituído por jatos de água limpa, reciclada por filtragem. Outra vantagem da aspersão é a possibilidade de se tratar as frutas com temperaturas mais altas, entre 60°C e 70°C, por um período curto de tempo, para cada espécie e variedade, de modo a não alterar suas características, eliminando esporos de fungos.
MAIOR VIDA ÚTIL
Os meios físicos, de temperatura e de radiação UV -C, com doses controladas, possuem capacidade de intervir decisivamente no desenvolvimento de fungos causadores de doenças de pós-colheita. Capaz de atuar diretamente sobre fitopatógenos ou mesmo na forma de ação indireta, o novo modelo atua sobre a fisiologia da fruta, enquanto retarda os processos bioquímicos de amadurecimento, proporcionando um aumento significativo na vida útil da comercialização.
A combinação do uso de leveduras biocontroladoras e de extratos vegetais demonstrou, em testes, um controle fitossanitário amplamente satisfatório, o que confirma a tecnologia desenvolvida como alternativa viável aos fungicidas no controle de doenças de pós-colheita de frutas. A tecnologia gerada nas pesquisas traz benefícios diretos aos produtores, exportadores e para todas as atividades ligadas à cadeia da fruticultura e aos consumidores em geral.
“Obtivemos resultados bastante expressivos com o uso desta tecnologia, no controle das podridões em diversas frutas, causada por diferentes fungos, nas variadas regiões produtoras, o que nos possibilita sugerir um novo modelo tecnologicamente limpo de tratamento pós-colheita de frutas, excluindo os resíduos tóxicos e os impactos negativos causados pelos fungicidas”, resume o pesquisador Daniel Terao.
PERDAS POR APODRECIMENTO NAS EXPORTAÇÕES
De acordo com ele, não existem dados estatísticos oficiais sobre o percentual de frutas que apodrecem por ação fúngica, durante o transporte para países importadores. Já em época de maior calor e umidade, os índices de perdas aumentam em alguns tipos de frutas mais adocicadas, como melão e manga, por exemplo. Estes prejuízos são relevantes economicamente para o produtor ou exportador, diante do grande volume embarcado, margens de lucro e concorrência internacional.
Diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Exportadores de Papaya (Brapex), em Linhares (ES), Franco Fiorot informa que, em períodos com maior concentração de chuvas e umidade, as perdas aumentam, apesar do uso de fungicidas no tratamento pós-colheita. “Principalmente em frutas embarcadas por via marítima, em cujo trânsito de navios dura em média 14 dias até a Europa”, diz.
Em uma área competitiva, a opção por essa tecnologia poderá proporcionar a manutenção e a ampliação dos mercados já conquistados, já que o consumidor mundial exige alimentos cada vez mais saudáveis e isto tem ecoado em todos os elos da cadeia de comercialização”, afirma Fiorot.
CENÁRIO RESTRITIVO AOS FUNGICIDAS
O problema principal do uso maciço de fungicidas é que eles contaminam as frutas com resíduos indesejáveis, e não oferecem total proteção contra o apodrecimento. Os fungos adquirem resistência quando um mesmo fungicida é usado continuamente, fazendo com que perca sua eficácia. Outro problema é que existem poucas formulações registradas para este fim e, de outro lado, uma grande variedade de fungos causadores de doenças de pós-colheita das frutas.
São basicamente três os princípios ativos disponíveis com registro para tratamento delas: o Thiabendazole, o Imazalil e o Procloraz. O primeiro tem apresentado baixa eficiência pelo desenvolvimento de raças de fungos resistentes, devido ao uso prolongado e contínuo do mesmo princípio ativo. O uso do Procloraz não é mais permitido na pós-colheita pela maioria dos países importadores.
O pesquisador Daniel Terao explica que estes produtos, embora sejam registrados para poucas espécies de frutas e controle de poucas espécies de fungos, têm sido usados de forma indiscriminada, devido à carência de alternativas, mesmo que não apresentem eficiência. “O que se verifica é a contaminação das frutas por resíduos destes agroquímicos sem, contudo, verificar a eficiência na barreira antifúngica”.
Já o princípio ativo Imazalil é o mais usado no tratamento da pós-colheita de frutas como, por exemplo, melão e laranja. No entanto, o uso continuado e prolongado deste produto sistêmico resulta no desenvolvimento de raças resistentes de fungos, diminuindo drasticamente sua eficiência.
O pesquisador alerta que este cenário é realidade para algumas frutas, como é o caso da exportação de manga da região do Submédio São Francisco. “Fungos da família Botrosphaeracea inviabilizou a comercialização no primeiro semestre de 2015, por não haver fungicida registrado e eficiente para o seu controle e pelo uso de práticas culturais incorretas”, informa Terao.
Para ele, a demanda atual de tecnologias alternativas aos químicos é uma realidade, não somente porque eles contaminam as frutas, mas porque os fungicidas são cada vez menos eficientes. “Extrapolando este quadro, para quando houver a proibição de uso de fungicidas em frutas para o mercado externo, pode-se imaginar uma desordem considerável na pauta de exportação de frutas frescas nacionais”, alerta.
OPORTUNIDADES PARA A INDÚSTRIA
Terao explica que, com os resultados das pesquisas, uma nova fase se inicia. Segundo ele, o momento é de prospecção de parcerias com o objetivo de transferir tecnologia para as indústrias de equipamentos de beneficiamento de frutas, interessadas em fabricar equipamentos que serão instalados na linha de processamento de frutas, em escala industrial, adequando as características de tratamento preconizadas nas pesquisas para, posteriormente, disponibilização no mercado.
Segundo o pesquisador, a tecnologia foi pensada para se adequar às esteiras que os produtores já usam, de modo a criar facilidades tanto para as indústrias parceiras, que irão fabricar os equipamentos, quanto aos futuros usuários.
Esta é uma característica que deve influenciar positivamente no preço final de implantação da tecnologia, embora quantificar o preço de instalação seja uma tarefa a ser discutida posteriormente, com as indústrias parceiras.
“Desejamos que as parcerias aconteçam e sejam capazes de modificar, adaptar e adequar o novo processo de tratamento de pós-colheita de frutas às necessidades do setor, e até mesmo identificar outras demandas de pesquisas. Além disto, procuramos produtores, importadores e exportadores de frutas, interessados em parcerias técnicas, para que possamos, em menor tempo, adequar, otimizar e validar o novo pacote tecnológico. A intenção é adequar os processos nas casas de embalagem (packing house), sempre em conformidade com as demandas, para que o País continue cada vez mais a ofertar frutas com padrão de qualidade diferenciado,” espera o pesquisador.
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Fonte: Revista A Lavoura – Edição nº 712/2016