Frete tabelado atinge exportação agrícola do país, eleva custos e setor pede mudanças

A tabela de fretes instituída pelo governo como uma das medidas para acabar com os protestos de caminhoneiros está afetando os negócios e o escoamento de commodities, o que deve ter impacto negativo nas exportações agrícolas do Brasil em junho, disseram representantes do agronegócio, que já pedem mudanças nas regras.

“Os embarques de grãos, por exemplo, têm sido afetados pela redução do escoamento até os portos, os quais já contam com estoques baixos após as manifestações”, disse Flávio Turra, gerente técnico e econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), que representa produtores no segundo maior estado agrícola do Brasil.

“Vai ter impacto nos embarques de junho. Os estoques estavam baixos nos portos.”

A situação ocorre em um momento em que o país, maior exportador global de soja e o segundo de milho, ainda tem grande parte de sua safra recorde da oleaginosa para escoar, sem falar da produção do cereal, cujas exportações tendem a ganhar ritmo no segundo semestre.

Questionado se os efeitos da tabela limitariam os embarques neste mês, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, disse que as exportações de junho serão menores na comparação com igual mês do ano passado.

Essa queda esperada nos embarques deve-se não somente ao fato de o custo ser maior, com o tabelamento, mas também por uma imprecisão na MP que inviabiliza a contratação do frete, pelo tipo do caminhão definido para o transporte de grãos.

“Uma coisa importante: não estamos embarcando porque ninguém sabe o valor do frete por meio da tabela. Nem o ‘caminhão tipo’ que a gente usa está na tabela”, afirmou Nassar, ressaltando que o quadro ainda precisa de ajustes.

O presidente da Abiove explicou que “a tabela contempla caminhão de cinco eixos e 25 toneladas para granel, mas  ninguém usa esse tipo de caminhão”. Nassar disse que o setor utiliza o veículo com sete eixos (37 toneladas) ou nove eixos (50 toneladas).

Ele ressaltou ainda que o setor do agronegócio foi contra o tabelamento de fretes desde o início das discussões sobre o tema, por considerar tal medida inconstitucional, uma vez que vai contra a prática do livre mercado.

Carnes e café

Produtores de aves e suínos, que figuram entre os mais afetados pelos protestos, com perdas de mais de três bilhões de reais, começam a arcar agora com custos cada vez maiores com fretes, pois precisam buscar rações para alimentar os animais que ficaram sem alimentos durante a greve.

“O setor não é contra, mas quer a suspensão da tabela até que sejam regularizados alguns equívocos”, disse o vice-presidente e diretor de Mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, citando fretes menores para cargas perigosas, o que não deveria acontecer.

Segundo ele, na média, o custo com o frete para o produtor já aumentou 25% com a nova tabela – um cenário que tende a prejudicar os embarques neste mês. O Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo e um dos maiores de carne suína. “Sim, com certeza vai ter decréscimo nas exportações.”

Na área de café, os embarques já acertados tendem a ser honrados, mas representantes notam um aumento de até 100% no custo com o frete.

“Praticamente, é impossível fazer tabelamento de fretes em um país continental como o Brasil. Isso gera um efeito cascata para custos com frete, não condiz com a realidade (…) Todas as intervenções que ocorreram no passado geraram distorções e grandes prejuízos”, afirmou o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Nelson Carvalhaes.

A imposição de uma tabela de fretes ocorre em um momento delicado para o setor de café do Brasil, o maior produtor e exportador mundial, já que foi dada a largada para a colheita de uma safra recorde, estimada em mais de 58 milhões de sacas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

À espera de mudança

Como a tabela de frete elevou fortemente os custos em algumas rotas, na comparação com os valores anteriores, aqueles produtores e empresas que não detêm transporte próprio estão enfrentando problemas para escoar os produtos aos portos de exportação. É o que disse Turra da Ocepar.

“A tabela de fretes ficou muito alta em relação ao preço que vinha sendo praticado anteriormente para o transporte de grãos, e ficou inviabilizado o transporte, principalmente para os contratos anteriores, que têm de usar a nova tabela”.

O gerente da Ocepar explicou que, como a tabela prevê a remuneração do retorno do caminhão vazio, o que não era previsto anteriormente, isso quase dobra os custos. Segundo ele, a tabela eleva os valores entre 20% a 120%, dependendo da rota. Em relação ao preço praticado anteriormente, no Paraná, na média o valor subiu 37%.

“O que está acontecendo é que o pessoal está retendo as cargas, no caso de quem não tem caminhão próprio. As cooperativas, as grandes, a maioria tem um número pequeno para atender à demanda deles. Esses estão transportando o que podem”, disse.

“Os demais (que não têm caminhão) estão aguardando a revisão da tabela da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Já houve reunião ontem (de ministros com o setor), e existe uma expectativa de que seja revista a tabela”, acrescentou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou que a ANTT ficou de “reavaliar” a questão dos fretes.

“A maneira como saiu (a tabela de fretes) acabou ficando em um preço máximo até fora dos padrões que a agricultura e outros setores podem pagar para transportar (…) São questões técnicas que, passada a fase política, vão ter de ser adequadas”, comentou o ministro após cerimônia de lançamento do Plano Safra 2018/19.

Para Maggi, que se disse contrário a uma tabela de fretes desde “sempre”, a situação já gera valores “duas, duas vezes e meia” mais altos que antes da greve. “Um mesmo transporte onde se gastava R$ 5.000,00 para levar mercadoria do ponto A ao B, na nova tabela está custando R$ 13.000,00 ou R$ 14.000,00”.

O ministro ressaltou, no entanto, que a ANTT ainda não tem um prazo para fazer uma avaliação a respeito e que o acordo com os caminhoneiros será mantido. “Há um acordo com os caminhoneiros, ninguém quer romper. O que precisa fazer são as contas. O que é justo? Ninguém vai romper nada”.

Segundo relatório da consultoria T&F Agroeconômica, “quem tem soja no interior não está retirando, porque os fretes foram calculados com um valor e agora há que se pagar cerca de 28% a mais”.

O mercado de trigo também está sendo afetado. “No Parará, o trigo está sem preço há dez dias, nem para o spot, nem para o futuro na maioria das praças, diante da incerteza sobre o frete”, afirmou a T&F. “Os compradores também não estão retirando, porque precisam reavaliar o frete …”

 

Fonte: Reuters

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