Frete pode fazer área de soja crescer menos

As estimativas mais otimistas para o aumento da área de plantio de soja na nova safra, que começa a ser semeada em setembro no país, podem não se concretizar. A razão é que o tabelamento dos fretes, resultado da paralisação dos caminhoneiros em maio, está atrasando as entregas de fertilizantes, insumo fundamental para o plantio.

Analistas estimam que a área plantada na safra 2018/19 poderia crescer entre 1 milhão e 1.8 milhão de hectares no país, impulsionada, sobretudo, pela expectativa de aumento das exportações à China em decorrência da guerra comercial com os EUA, que elevou os prêmios sobre a soja brasileira nos portos. O atraso nas entregas de adubos nas principais regiões produtoras de grãos no país, porém, pode reduzir o potencial de expansão da área de soja, admitem analistas. Segundo a Conab, na última safra, a 2017/18, o Brasil plantou 35.2 milhões de hectares de soja.

O impasse acerca da tabela, que foi aprovada semana passada na Câmara e no Senado, fez o frete entre porto e indústria e entre empresas e propriedades produtoras subir. Além disso, a indefinição fez com que matéria-prima importada, que é transformada em adubo nas misturadoras, ficasse paralisada nos portos, situação que já começa a se normalizar.

Diante desse cenário, consultorias como a Safras & Mercado reduziram a estimativa para aumento da área em 2018/19. Na última sexta-feira, a Safras divulgou que espera um aumento de 2,3% na área, para 36.004 milhões de hectares. “Não fossem as incertezas geradas pelo frete, veríamos um aumento maior. A gente trabalhava antes com alta de 5%”, disse Luiz Fernando Roque, analista da consultoria. Um aumento de 5% significaria uma expansão ao redor de 1.8 milhão de hectares.

Analistas concordam que o “mercado se regulará”, mas a dúvida é se isso ocorrerá a tempo de permitir que a safra de soja seja semeada no período ideal. “O tempo está ficando muito curto para as entregas [de fertilizantes]. Já estamos quase em meados de julho”, disse Marcelo Mello, consultor da INTL FCStone.

Segundo ele, em anos “normais”, o pico de entregas de insumos para as misturadoras estaria ocorrendo agora. No entanto, o fluxo entre o porto de Paranaguá, principal entrada de fertilizantes no País, e Mato Grosso, principal Estado produtor de soja, está ao redor de 10% do normal para o período. “Mesmo dentro do Paraná, as entregas estão em 50% do ritmo normal”, disse.

De abril, antes da paralisação dos caminhoneiros – até hoje, o frete para os fertilizantes do porto às regiões onde estão instaladas as principais misturadoras do país subiu, em média, cerca de 20%. Segundo o Grupo de Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log), o frete rodoviário do porto Paranaguá a Sorriso (MT) passou de R$ 147,50 em abril para R$ 173,80 por tonelada atualmente. Para o Alto do Araguaia (MT), o frete foi de R$ 118,33 para R$ 145,80. Também de Paranaguá até Rio Verde (GO), saiu de R$ 121,00 para R$ 143,21.

“Os armazéns nos portos estão lotados e mesmo os estoques das misturadoras estão bastante cheios”, disse Mello. A situação, avalia, pode fazer com que as misturadoras desistam de fazer as importações para completar a demanda da safra. “Fica a dúvida se chegará a tempo. Então, podem desistir de importar”, disse.

A entrega da misturadora para o cliente final também foi afetada. No começo do mês passado, a americana Mosaic, uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo, enviou comunicado a clientes propondo alternativas para minimizar a alta de custos após o estabelecimento de valores mínimos para os fretes.

Uma das propostas era a alteração da modalidade de entrega contratada, de CIF, quando o frete é de responsabilidade da empresa vendedora, para FOB, de responsabilidade da compradora. A Fertilizantes Tocantins foi um dos clientes da Mosaic afetados pela medida. “O nosso frete aumentou mais de 40%, de Araxá e Uberaba, em Minas, para Sinop, em Mato Grosso”, disse José Eduardo Motta, presidente da empresa. Segundo ele, agora a Tocantins terá de fazer a mesma negociação com seus clientes.

Pode haver outro entrave ao aumento da área de soja na magnitude esperada hoje. Como boa parte dos produtores recorre ao “barter”, troca de insumos por soja, para tocar o plantio, as incertezas atuais atrapalham. “A falta de previsibilidade do frete pode trazer dificuldades adicionais para se precificar a soja. Se tenho dificuldade de precificar a próxima safra, vou ter uma dificuldade grande de realizar a operação de troca”, disse Guilherme Bellotti, analista do Itaú BBA.

Segundo dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), 52% do financiamento do plantio de soja da safra 2017/18 do Estado foi realizado por meio de operações de “barter”.

Apesar do quadro atual de atraso nas entregas de fertilizantes, Victor Ikeda, analista do Rabobank, avalia que ainda é cedo para estimar o impacto no plantio da soja. O banco holandês estima que área da leguminosa deve aumentar entre 1 milhão e 1.5 milhão de hectares no novo ciclo.

Embora o frete mais elevado signifique alta dos custos, a consultoria Céleres projeta margem de 33,8% para o produtor de soja em Rondonópolis (MT) em 2018/19, ainda acima dos 31,6% do ciclo passado.

Boa parte dessa margem está relacionada à alta do prêmio sobre a soja brasileira no porto de Paranaguá. O prêmio do produto para entrega em agosto estava em US$ 2,50 por bushel ontem. No começo de junho, estava em US$ 0,50.

 

Fonte: Valor

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp