Terror dos sojicultores no início do século, a ferrugem asiática pode ressurgir como uma ameaça grave às lavouras brasileiras nos próximos anos. Estudos conduzidos pelo consórcio nacional de combate à doença comprovaram cientificamente que o fungo Phakopsora pachyrhizi está se tornando resistente aos principais químicos utilizados no seu controle. Sem a perspectiva de entrada de novas moléculas de fungicidas no mercado, especialistas alertam que é preciso revisar os protocolos de manejo para que a doença não fique sem controle.
O problema é monitorado no campo desde 2004, em lavouras experimentais espalhadas por todo o país. “Percebemos que os produtos vêm perdendo eficiência porque o fungo [causador da ferrugem] está ficando menos sensível aos defensivos”, aponta a pesquisadora da Embrapa Soja, Cláudia Godoy.
A especialista explica que os fungicidas utilizados para controlar a ferrugem se concentram em três modos de ação: triazóis, estrobilurinas e carboxamidas. O aumento no número de aplicações anuais e a longa janela de cultivo favoreceram a seleção natural de fungos mais resistentes ao trio, aponta. “Moléculas que controlavam até 90% dos fungos causadores da doença tiveram a eficiência reduzida para um intervalo entre 20% e 40%”, detalha.
A resistência já era esperada pelos técnicos, mas preocupa pela rapidez com que aconteceu. “Isso ocorreu com outras doenças fúngicas. O problema é que há casos extremos de até dez aplicações do produto na mesma área, indicando que houve erro no manejo da ferrugem”, salienta o agrônomo e professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, Erlei Reis. Como não há previsão de entrada de novos químicos no mercado brasileiro no curto prazo, o quadro pode se agravar. “O que preocupa é a possibilidade resistência múltipla, que poderia nos deixar sem nenhum químico disponível para fazer o controle”, complementa.
MOBILIZAÇÃO
O quadro mobiliza entidades como a Associação Paranaense dos Produtores de Sementes e Mudas (Apasem) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). “Além do excesso de aplicações há um agravante que é a falta de rotação de culturas. Estamos cobrando ações por parte das autoridades”, indica o diretor executivo da Apasem, Eugênio Bohatch. A Aprosoja faz análise semelhante e organiza uma campanha educativa pedindo que também haja a alternância no uso de fungicidas, explica o diretor-técnico da entidade, Luiz Nery Ribas.
Na análise do Consórcio Antiferrugem da Embrapa, outra ação que pode ser executada é uma mudança na janela de plantio e/ou ampliação no período do vazio sanitário, quando o cultivo de soja fica proibido. A prática já ocorre em alguns estados brasileiros, principalmente na região Centro-Oeste. “A tendência é que o problema se agrave, já que em apenas dois anos o fungicida pode perder totalmente sua eficiência. Com ações adequadas pode-se ganhar tempo para buscar outros modos de ação para combater a doença”, aponta Godoy.
Vazio sanitário ‘força’ colheita de soja safrinha no Paraná
Com área 21% maior neste ciclo, ocupando 132 mil hectares, o Paraná encerrou a colheita de soja safrinha “à força” na semana passada. A ação ocorreu em virtude do início do período de vigência do vazio sanitário, que começou no dia 15 de junho e segue até 15 de setembro. Neste período todas as plantas vivas de soja precisam ser erradicadas no estado, sob risco de autuação e multa por parte da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), da Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento (Seab).
A restrição paranaense entra em vigor mais tarde do que em outros estados, que readequaram as políticas de sanidade neste ano após a expansão da soja safrinha na última temporada. É o caso de Mato Grosso, que está com o vazio sanitário vigente desde o dia 1º de maio. A prática foi incorporada inicialmente para evitar a propagação da ferrugem asiática, evitando a ocorrência da ponte verde, quando plantas guaxas (involuntárias) viram hospedeiras do fungo causador da doença entre as safras. O aparecimento de novas pragas como a lagarta Helicoverpa armigera reforçou a necessidade de adequações, resultando no aumento da janela de restrição.
No Paraná, algumas entidades propõem aplicação de calendários distintos de vazio sanitário para cada região do estado.
138 dias é quanto dura o período do vazio sanitário em Mato Grosso. No maior produtor de soja do Brasil, o intervalo que proíbe o plantio da oleaginosa vai do dia 1º de maio até o dia 15 de setembro. No Paraná, segundo no ranking nacional do grão, o vazio sanitário é de 92 dias, do dia 15 de junho até o dia 15 de setembro. A grande diferença entre os dois estados tem gerado debates entre as entidades paranaenses, que pedem a revisão do calendário estadual para a soja safrinha já na próxima temporada.
Fonte: Agrolink