O Presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Fernando Cadore, avalia um cenário de instabilidade no setor, com a baixa acentuada no preço das commodities.
O preço regulado pelo mercado internacional já é o mais baixo em três anos, segundo a análise do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA).
A saca da soja, principal produto de exportação do Estado, foi cotada no último dia 7 em R$ 106,70. Há um ano estava R$ 167,91, o que representa uma queda de 36% no período.
“É muito preocupante. Temos de um lado a alta do preço dos insumos no custo de produção, desde maquinários, fertilizantes e tudo mais, que lastra o custo de produção e a viabilidade. De outro a baixa dos preços”.
Com uma conta simples, Cadore afirma que R$ 45 bilhões devem deixar de circular no Estado, levando-se em conta a soja e o milho.
“Temos orientado nosso produtor a olhar para viabilidade, frear um pouco os investimentos para tentar se equilibrar e passar por essa turbulência, por essa crise que vem à frente”, disse.
O dirigente falou também sobre os efeitos dessa queda em outros setores e de temas nacionais como a aprovação na Câmara do marco temporal das demarcações indígenas e da importância da Ferrogrão.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – A queda na cotação da soja no período de um ano foi de cerca de 25%. Esse cenário é preocupante para Mato Grosso?
Fernando Cadore – É muito preocupante. Temos de um lado a alta do preço dos insumos no custo de produção, desde maquinários, fertilizantes e tudo mais, que lastra o custo de produção e a viabilidade. De outro a baixa dos preços. Para o Estado e para população também é muito preocupante, porque quando fazemos a conta são de R$ 30,00 a R$ 40,00 por saca. Estamos falando de R$ 2.000,00 a R$ 2.500,00 por hectare que saem de circulação e você multiplica esse valor pelos 12 milhões de hectares.
Esse dinheiro não sai do bolso do produtor, sai do comércio, sai da loja de auto peças, sai do supermercado. Sai do comércio geral dos municípios do interior, da capital e consequentemente da arrecadação do estado, que deixa de arrecadar ICMS, impostos, tributos sobre a circulação, visto que você não vai ter esse dinheiro circulando.
Então, preocupa na saúde financeira na visão da viabilidade do produtor, mas principalmente no fluxo de circulação financeira que deixa de transitar nos municípios de Mato Grosso, visto que o nosso estado ainda é dependente da produção primária.
MidiaNews – As cotações de outras commodities também tiveram quedas semelhantes?
Fernando Cadore – O milho teve uma queda maior ainda. O preço caiu praticamente pela metade e o raciocínio é o mesmo: R$ 3.000,00 a menos por hectare. É bastante preocupante. Temos um cenário de aumento de custos generalizados e temos muitas áreas de fronteira agrícola onde o produtor não está estruturado, ainda está investindo.
Tememos pela manutenção desses produtores nas regiões de expansão que o Estado teve nos últimos anos, porque o investimento é de longo prazo, máquinas agrícolas, por exemplo, são investimentos caros que se depreciam rápido e que foram lastrados a viabilidade nos preços que as commodities estavam.
MidiaNews – Tem alguma explicação para essa queda tão abrupta?
Fernando Cadore – Temos dois pontos. Primeiro, a questão logística, porque há um déficit de armazenamento. O Estado só tem capacidade para armazenar metade do que produz. Como a safra de milho se aproximando e os originadores sabem que vai entrar milho no mercado, automaticamente, o prêmio cai e o oportunismo, muitas vezes, por saber que terão produtos disponíveis no mercado para abrir espaço para o milho baixam os prêmios que são os que estipulam os preços junto com Chicago e o dólar.
Em Chicago é onde se balizam os preços e na bolsa tivemos uma queda. O dólar também baixou o que traz impacto direto.
MidiaNews – Em razão desta queda, a Aprosoja prevê alguma dificuldade para a compra de insumos da safra 2023/24?
Fernando Cadore – Sim. Temos visto muitos casos de produtores que estão segurando pedidos, porque tinham travado o preço dos insumos, porém não o do grão. O produtor sabe o custo que terá à medida que ele compra os insumos, mas não sabe por quanto vai vender o produto, o que é diferente de um comércio normal. Quem coloca preço nas commodities é o mercado internacional.
Então, haverá dificuldade sim, muito provavelmente o produtor precisará reduzir os custos, talvez no investimento, em infraestrutura, em máquinas, na otimização do uso de fertilizantes. É hora de olhar para a viabilidade e tentar fazer a conta fechar para que ele se mantenha no mercado.
MidiaNews – O senhor tem notícia de queda nos preços de equipamentos agrícolas por causa da queda no preço das commodities?
Fernando Cadore – Acreditamos que irá se equalizar, mas vimos recentemente uma alta inexplicável no preço dos equipamentos, não condiz com a realidade. Uma colheitadeira, por exemplo, dobrou de preço. Quando fazemos uma comparação com o mercado automobilístico, por exemplo, que teve uma alta de 30% a 50%, dependendo da marca e do modelo, e levando em consideração que os componentes, dadas as proporções, são os mesmos, não tem explicação uma máquina agrícola ter subido 150% a 200%. Infelizmente, tem oportunismo no mercado, porque muitas vezes o produtor não tem opção.
MidiaNews – A Aprosoja consegue estimar de quantos bilhões será a queda na receita dos produtores de soja em Mato Grosso?
Fernando Cadore – Fazendo uma conta simples podemos estimar uma redução em torno de R$ 2.000,00 por hectare, valor que você multiplica por 12 milhões de hectares que resulta em R$ 24 bilhões. De milho são 7 milhões de hectares por R$ 3.000,00 por hectare, que é a diferença de preço do ano passado para esse ano, R$ 21 bilhões. Esse é o volume que sai do mercado de circulação do Estado de Mato Grosso R$ 45 bilhões.
MidiaNews – Que conselhos a Aprosoja têm dado ao produtor neste momento de baixa?
Fernando Cadore – Temos orientado nosso produtor a olhar para viabilidade, frear um pouco os investimentos para tentar se equilibrar e passar por essa turbulência, por essa crise que vem à frente.
Os solos de Mato Grosso não são férteis por natureza, mas nos últimos anos o produtor conseguiu fazer reservas de fertilidade ao cultivá-los ao longo dos anos. Então, com uma análise técnica, talvez possa equalizar o uso de fertilizante, verificar se precisa mesmo de mais uma máquina. Será que não consegue rodar 24 horas com as que tem? Como em qualquer negócio, no final tem que ter resultado.
Diria que a palavra principal é cautela, é não ter pressa de pagar caro. Acho que a gente tem que dar uma parada, dar uma arrefecida e aguardar que os preços dos insumos se ajustarem aos preços das commodities.
MidiaNews – Em quase seis meses do governo Lula, que avaliação faz dessa gestão?
Fernando Cadore – Não existem ainda ações que nos permitam fazer uma avaliação clara da direção para agricultura e pecuária brasileira. Até agora, não tivemos medidas diretas inerentes ao setor. Não tivemos nenhuma sinalização de Plano Safra ou sobre o direito de propriedade, que é o seio da produção.
O produtor precisa ter a garantia jurídica de que a propriedade vai estar preservada, senão não tem como lançar investimentos. A política econômica precisa passar por algumas questões que têm a ver com o legislativo para que o investidor tenha segurança. Digo isso porque isso lastra também os custos.
Esperamos que as ações sejam assertivas, porque é de interesse do setor produtivo e do País que setores como agricultura, indústria, comércio vão bem para que a sociedade vá bem. Hoje, não temos absolutamente nenhum tipo de ação concreta que nos permita avaliar o desempenho do governo atual.
MidiaNews – Essa falta de sinalização de planos futuros para o setor causa temor?
Fernando Cadore – Talvez pelo momento em que há uma queda generalizada dos preços e o produtor já tem incerteza da viabilidade e da lucratividade, ele possa ficar temeroso. Mas acredito que o governo tem condições e a obrigação de saber o que é demanda do setor, não só da agricultura. É natural um período de adaptação, mas o produtor precisa de sinais do que virá.
Competimos com países subsidiados por seus governos, no caso da soja e do milho nossos maiores competidor são os norte-americanos, eles recebem subsídios diretos na pessoa física, o europeu também.
O produtor europeu recebe mil euros por hectare anualmente para se manter produzindo, estão do lado dos portos, tem estrutura. O produtor brasileiro não conta com nenhum tipo de subsídio, então no mínimo ele precisa da visão governamental para que se mantenha, principalmente em anos em que há um delay no preço e uma alta nos custos.
MidiaNews – A resistência contra o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, no agro, continua?
Fernando Cadore – Da mesma forma com relação ao governo é a análise com relação ao ministro. Não tivemos absolutamente nenhuma medida que nos permita avaliar. Uma entidade não pode pessoalizar, de forma alguma, quem o está representando, mas também precisa de medidas concretas com relação às políticas do setor. Essas ações direcionarão a nossa opinião em relação a quem está à frente da pasta, independente de quem seja, todos passam pelo crivo da aprovação. Confiança e liderança não se impõem, são conquistadas e a gente conquista isso através de ações, atos que trazem saldos positivos para os comandados, vamos dizer assim.
MidiaNews- O Governo do Estado tem feito gestões junto ao STF para a liberação da Ferrogrão. Qual a importância desta obra para Mato Grosso?
Fernando Cadore – A obra tem uma importância gigantesca para a população mato-grossense e brasileira. Quando a gente faz uma análise logística percebemos que Mato Grosso é extremamente deficitário.
Temos o tamanho da França e da Espanha e, enquanto as duas juntas têm 70.000 quilômetros de ferrovias, estão margeadas por portos, por integração de hidrovias, nós temos 300 quilômetros de ferrovias.
Precisamos não só da Ferrogrão, mas de várias outras ferrovias para que saia a produção e cheguem produtos de outros estados. Ganha a população inteira, na medida em que você diminui o custo total de operação do Estado.
Quando olhamos o contexto da trava, que é a alegação ambiental, vemos que ela usa menos de 0,02% do Parque Jamanxim e margeia a BR-163, ou seja, usaria a faixa de domínio. Indo mais além, quando pensamos em ferrovia, pensamos em tirar caminhões da longa distância que estão queimando combustível fóssil. É comprovada a eficiência ambiental da composição ferroviária em relação ao transporte rodoviário. A gente sabe que tem muitas questões comerciais travestidas de ambientais. Temos que lançar um olhar crítico enquanto população.
MidiaNews- Outro tema nacional com impactos para Mato Grosso é o marco temporal das demarcações indígenas. Considera que foi importante a aprovação do projeto na Câmara?
Fernando Cadore – Sem dúvida nenhuma, muito importante. Nós precisamos pacificar. É uma questão de segurança jurídica. Esperamos que se consolide, ganha a população e ganha o cidadão indígena também. Mato Grosso tem 15% do seu território em áreas indígenas, enquanto que a agricultura ocupa 13%. Mato Grosso é o maior produtor de grãos como estado do mundo, se fosse um país, seria o terceiro. O problema indígena não é a área e sim a segurança para que ele tenha dignidade, para que ele usufrua do seu patrimônio, que é sua terra.
Não adianta ter grandes extensões de terra e o povo indígena passar necessidades básicas, isso acontece com frequência. Acho que a grande questão indígena hoje é dar dignidade, qualidade de vida e possibilidade ao cidadão indígena para que ele participe da sociedade como qualquer outro cidadão brasileiro. O que vemos hoje é uma série de narrativas onde se pensa na expansão de áreas e se esquece do ser humano que está lá.
MidiaNews – Esse tema será debatido novamente no Supremo Tribunal Federal. Teme que o STF considere o marco temporal inconstitucional?
Fernando Cadore – É difícil falar que rumo vai tomar a ação judicial. O que podemos falar é do que serve para o Brasil e o que é bom para a população brasileira segundo o prisma que acabamos de avaliar. Então, esperamos que o Supremo entenda e esteja despido de qualquer tipo de avaliação que não seja a avaliação de levar o País para frente. Esperamos que todos os poderes olhem para o Brasil e aí não se trata de o que a gente acha, não se trata de política, de ideologia, se trata de quem é a favor e quem é contra o País.