Feed & Food – Pecuária leiteira: “um leão por dia” e preocupação com capital de giro

 

Afora as raras exceções de entraves logísticos, o setor leiteiro enfrentou uma forte queda nas vendas para o food service (restaurantes, cadeias de lanchonetes, etc).

“O leite UHT, que de certa forma tinha o melhor resultado, já registrava baixa de preços e certamente de estoque também desde a primeira quinzena de março. Houve leve melhora em abril, devido ao recebimento de salário por parte dos consumidores, mas também vem perdendo força neste mês”, aponta Marcelo Martins, diretor executivo da Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios).

Como o leite UHT representa em torno de 30% do mercado, na visão de Marcelo, mesmo que as vendas se mantenham não é seguro apostar as fichas nesta fatia do mercado. “Dentro de uma lógica de oferta e demanda, os preços do UHT estão perdendo sustentação; e os do leite em pó, tanto o fracionado quanto o da embalagem de 25 kg (utilizado como ingrediente), estão andando de lado”, resume.

Apesar de não haver risco de desabastecimento, o diretor da Viva Lácteos ressalta uma certa preocupação com o capital de giro para a continuidade das operações. Conforme explica, a dificuldade atualmente é fazer estoque: como adquirir uma quantidade de produto quando não se sabe o que acontecerá amanhã? Ou se haverá capital suficiente para segurar esse produto estocado? “Mata- se um leão por dia”, define.

Algumas ações, como novas linhas de crédito lançadas pelo governo e isenção de impostos, são almejadas para trazer certo alívio quanto a esta questão.

Outro impacto está afligindo os produtores familiares de queijos e as pequenas indústrias, que comercializam para pequenos comércios, restaurantes e particulares. “Todos retraídos”, define o diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Alberto Figueiredo.

Por meio de ofício específico, por sugestão da Abraleite (Associação Brasileira de Produtores de Leite), o secretário Nacional de Defesa Agropecuária do MAPA autorizou os laticínios que não estão sujeitos à inspeção federal a encaminharem leite para os estabelecimentos com SIF, possibilitando o escoamento através do leite UHT e do leite em pó, principalmente.

“Nota-se que os incrementos de valor observados no comércio e nas margens das indústrias não estão sendo repassados integralmente aos produtores. A entrada do período de entressafra, provocada pela escassez de pastagem para o rebanho, deve provocar redução de oferta de leite por parte dos produtores, provocando aumento de preços pagos – a menos que o consumo se reduza por conta das consequências econômicas da crise provocada pela Covid-19”, diz Alberto.

O sócio da Milkpoint Inteligência, Valter Galan, lembra que o governo tem sinalizado apoio ao setor com linhas de crédito para carregamento de estoques de derivados pela indústria (o FGPP – Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor) e alguns programas de compras governamentais de derivados lácteos para distribuição de cestas básicas a população em situação de vulnerabilidade.

“O maior entrave do segmento é a falta de fluxo de vendas para importantes canais, e o auxílio financeiro para estocagem de produtos é bastante importante neste momento”, define.

De acordo com o especialista, antes mesmo da pandemia, o produtor já vinha enfrentando um ano desafiador, com preços de milho e do farelo de soja acima dos praticados no ano anterior, e preços do leite, abaixo, o que tem comprometido a margem de rentabilidade do produtor.

“Com a crise e o fechamento de alguns canais (e, como consequência, redução dos volumes de venda), há uma tendência de baixa de preços do leite (que já vem sendo observada no mercado spot), fazendo da situação de mercado ainda mais desafiadora para o produtor”, analisa Valter.

O que vem pela frente?

O diretor da SNA conta que, antes da pandemia, havia a expectativa de que a melhoria dos índices gerais da economia traria consigo um aumento no consumo de lácteos em decorrência do aumento do poder aquisitivo da população. “Agora, só Deus sabe”, lamenta.

Marcelo, da Viva Lácteos, pontua: “É possível ter uma situação onde a quantidade de casos no Brasil caia, e a rede de food service comece a operar novamente. Mas, também pode ocorrer como nos EUA e Europa. Não tem muito como prever”.

Uma possível recuperação da atividade econômica trará consigo uma retomada do consumo de lácteos, e isso certamente ajudaria na estabilização do mercado, conta Valter, o sócio do Milkpoint: “Dependendo da velocidade e timing desta reação, isso pode ocorrer ainda este ano, no quarto trimestre”.

 

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