‘Fator China’ deve influenciar preços da arroba e da carne bovina em 2022

O mercado de pecuária de corte no Brasil pode ser dividido, este ano, em a.C. e d.C., ou seja, antes da China e depois da China. Se o setor vinha terminando o ano amuado, com o gigante asiático prolongando, desde 4 de setembro, a suspensão das compras de carne bovina brasileira, a notícia do fim do embargo chinês em 15 de dezembro, no apagar das luzes de 2021, mudou para melhor as projeções de escoamento da produção nacional da proteína.

Com a China de volta ao jogo como principal importadora de carne bovina do Brasil, a perspectiva de preços firmes para a arroba do boi gordo se reforça, trazendo mais rentabilidade aos pecuaristas e movimentando a cadeia produtiva como um todo. E, ainda no primeiro semestre, a oferta restrita de bovinos gordos para abate deve persistir, conforme analistas ouvidos pelo Broadcast Agro, o que garante uma arroba ainda firme nas praças pecuárias do País.

Enquanto o mercado externo parece se ajeitar, o grande ponto de interrogação, porém, ainda é como vai se comportar o mercado interno, onde o consumidor há tempos não vê no seu prato um suculento bife, sendo obrigado a optar por carne de suíno, frango e até por ovos, em razão da crise econômica, da inflação galopante, do preço pouco competitivo da proteína vermelha em relação às carnes concorrentes, mas, principalmente, por causa do baixo poder aquisitivo de uma população desempregada e subempregada.

Oferta restrita

Para o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres, a tendência é de que no primeiro e no segundo trimestre de 2022 a oferta de animais para abate permaneça restrita e, consequentemente, o preço da arroba estacione em altos patamares. “O mercado físico do boi gordo não deve ser surpreendido com nenhuma sobreoferta de gado”, disse Torres ao Broadcast Agro.

Já no segundo semestre, a depender do comportamento dos preços da arroba e também das safras de soja e milho, que, se estiverem baratos, estimulam o confinamento de bovinos, mais animais poderão ser produzidos em engorda intensiva.

As estimativas mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam uma nova safra recorde de grãos, com 291.07 milhões de toneladas, sendo 142.7 milhões de toneladas de soja e 117.2 milhões de toneladas de milho.

Acomodação de preços

Já para o especialista de Grãos e Pecuária da consultoria IHS Markit, Aedson Pereira, mesmo com a volta da China às compras, 2022 deve ser “de acomodação” dos preços da arroba, que continuarão firmes, mas não devem bater os recordes verificados este ano. O valor máximo nominal da arroba em São Paulo, no indicador Cepea, foi de R$ 324,35 em 2 de dezembro.

“Isso porque a indústria frigorífica tende a trabalhar com uma produção mais regulada à demanda, lembrando que ainda estaremos em uma conjuntura de consumo inconsistente de carne bovina no mercado interno”, disse Pereira. No Brasil, cerca de 30% da produção de carne bovina é exportada e 70% ficam no mercado interno, daí a importância de se levar em conta o comportamento dos consumidores brasileiros quanto às aquisições da proteína.

Para o analista, se a indústria trabalhar de forma cadenciada, é possível segurar o ímpeto de valorização da arroba, que acontece pela resistência do pecuarista em vender o animal, no aguardo de mais valorizações.

“Mas, a partir de fevereiro, quando a China começa a realizar grandes aquisições, o consumo doméstico volta também, então se cria um cenário de demanda”, afirmou Pereira. “Se essa demanda for firme o suficiente, a indústria vai ser forçada a ir com mais apetite para as compras.” Neste cenário, é provável que, em fevereiro, os preços da arroba do boi voltem a alcançar novas altas.

Demanda real

O pesquisador Thiago Bernardino de Carvalho, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), estima que ainda é necessário, porém, avaliar qual será o real apetite chinês pelo produto brasileiro, tendo em vista que o gigante asiático vem recompondo rapidamente seu plantel de suínos, após a séria crise de Peste Suína Africana (PSA), que assolou os rebanhos no país.

“A China precisa importar carne, sim, mas com o preço da arroba firme aqui, a carne fica mais cara para eles também”, destacou Carvalho. “Logicamente que a volta das compras chinesas é uma notícia excelente, já que eles importavam, até antes da suspensão, quase 50% de toda a carne bovina que o Brasil vendia para o exterior.”

Mas, segundo o pesquisador, “talvez a retomada não se dê da maneira tão rápida como o setor está esperando.” Carvalho também acredita que o retorno das aquisições chinesas ocorra principalmente após o ano-novo lunar chinês, a partir de fevereiro.

Fiel da balança

Para o analista econômico de Proteína Animal do Rabobank, Wagner Yanaguizawa, o “fator China” deve ser o fiel da balança em relação à sustentação dos preços internos, tanto da arroba do boi gordo no mercado físico quanto da carne bovina para o consumidor brasileiro, pelo menos no início de 2022.

“Com um cenário deprimido no consumo interno, a China pode contribuir, sim, para segurar a desvalorização da proteína animal, a partir do momento em que retomar as importações com força”, disse Yanaguizawa.

Já no mercado interno, o analista afirmou que “há mais dúvidas do que respostas” em relação à retomada do consumo da proteína vermelha. “Ao mesmo tempo em que a China pode contribuir para segurar a queda interna de preços, temos o governo pagando o dinheiro do novo Bolsa Família.”

Consumo no varejo

Carvalho, do Cepea, também considera uma questão “ainda delicada” o consumo de carne no varejo no ano que vem. “Há queda de renda e concorrência com as demais carnes. Já em relação ao novo Bolsa Família, o mercado dependerá da capilaridade desse auxílio.” O pesquisador lembrou ainda que, “quando o governo distribuiu o auxílio emergencial, 100 milhões de pessoas receberam R$ 600,00; agora este número se reduziu e o valor também.”

“Devemos lembrar que o Bolsa Família será direcionado a outras despesas essenciais, como compra de gás, e também a carnes mais baratas, que poderão ser adquiridas pela população em maior quantidade do que a carne bovina.”

Outra incerteza é quanto ao fato de 2022 ser um ano eleitoral, para cargos majoritários, presidente e governadores, o que também pode interferir no consumo de carne bovina.

Condições do clima

Para Yanaguizawa, do Rabobank, o que pode favorecer a produção de carne bovina no primeiro trimestre e, consequentemente, baratear um pouco o custo ao consumidor final pela maior oferta, é o fato de que, até agora, a estação das chuvas tem se comportado dentro do esperado, recuperando as pastagens no Centro-Oeste e Sudeste e garantindo uma engorda mais barata para o produtor.

Mesmo assim, a oferta maior de bovinos para abate deve ocorrer somente em 2023, tempo suficiente para recompor o plantel após a forte retenção de fêmeas para reprodução no ano passado e neste.

 

 

Fonte: Broadcast Agro

Equipe SNA

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