Exportações de feijão já começam a ganhar peso

O gosto pelo feijão carioca no Brasil, único país do mundo a consumir a variedade, condenou o País durante muitos anos a ficar de fora do mercado mundial da leguminosa. Mas o cenário começou a mudar graças à ação de empresas comerciais exportadoras e tradings, que decidiram que era a hora de participar de um comércio que movimenta cerca de US$ 2 bilhões por ano.

Há cerca de cinco anos, essas companhias passaram a incentivar agricultores brasileiros a semear variedades mais procuradas por países da Ásia, como feijão azuki, mungo, rajado e caupi. Como resultado, os embarques nacionais de feijões e pulses totalizaram 177.400 toneladas em 2020, um aumento de 6,80% em relação a 2019 e de 44,60% na comparação com 2015.

Já a receita das exportações chegou a US$ 148.3 milhões no ano passado. Em 2019, ela foi de US$ 112.9 milhões e, cinco anos atrás, de US$ 78.1 milhões.

“As empresas exportadoras convidaram um pool de produtores para entrar nesse mercado, mostraram as oportunidades globais e criaram contratos futuros de garantia de preço. Isso tem feito sucesso e crescido muito”, afirmou Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro dos Feijão e Pulses (Ibrafe).

O executivo, que também é dono da corretora Correpar, há anos defende a diversificação da produção e da venda de feijão para estabilizar os preços no Brasil e garantir a produção.

Com o ciclo curto, os produtores ficam muito reféns do preço no Brasil, disse ele. “O feijão passa por muito sobe e desce porque não há um mercado externo para desovar um eventual excesso de produção ou para garantir um preço remunerador ao produtor”.

O Brasil produz 3.1 milhões de toneladas de feijão em três safras anuais, e o carioca responde por 70% do total.

Negócios

Uma das empresas que decidiram “organizar” esse mercado foi a Arbaza, comercial paraense que chegou a ser a maior importadora nacional de feijão.

“Em feiras e congressos internacionais do setor, vimos o potencial do feijão e de outros grãos especiais e começamos a procurar produtores. Oferecemos insumos e financiamento e garantimos a compra a um preço pré-fixado”, disse Eduardo Balestreri, chief operating officer da companhia.

Por enquanto, os contratos futuros são registrados em cartório, mas a intenção é levá-los a alguma bolsa para dar mais garantia às duas pontas e evitar judicialização em caso de desavenças.

A Arbaza faz parte do Grupo Balestreri, que é um dos acionistas da marca Kicaldo, o feijão mais vendido do Brasil. O grupo faturou R$ 1.5 bilhão em 2020 e foi responsável por 30% das exportações nacionais de feijão, milho pipoca e gergelim.

Segundo Balestreri, essas vendas responderam por 60% do faturamento da Arbaza, que não é divulgado separadamente. “Vemos muito potencial para o comércio internacional do feijão no Brasil e uma grande oportunidade ao agricultor, que poderá diversificar sua produção de inverno”.

Vendas

Lüders aposta que o País exportará 500.000 toneladas de feijões especiais até 2025, diante do crescimento do vegetarianismo e veganismo e por ser uma proteína barata.

A China é a maior produtora e consumidora de feijão no mundo. Índia e Paquistão produzem, mas são deficitários, assim como os Emirados Árabes Unidos.

Na ponta exportadora, a Austrália se destaca, em boa medida por não ser um país consumidor. Mianmar e alguns países africanos também atendem o mercado asiático. Na América do Sul, Argentina e Venezuela são os concorrentes do Brasil.

A maior parte das exportações da Arbaza em 2020 teve como destinos Índia, Vietnã, Paquistão, Emirados Árabes e Tailândia. O Brasil não tem acordo fitossanitário com a China, condição necessária para a venda.

Produção

Os que temem, no Brasil, a falta de feijão carioca à mesa, podem ficar tranquilos: o favorito dos brasileiros é produzido em áreas de irrigação e em época diferente. Os especiais são semeados após a colheita de verão, em concorrência com o milho safrinha, mas têm ciclo mais curto, de 110 a 130 dias. O do milho é de 120 a 160 dias.

Isso, por si só, reduz os custos de produção. “Mas, além disso, permite o plantio de outras culturas, a depender de onde está o produtor”, disse o executivo da Arbaza. O cultivo de leguminosas na rotação com a soja também eleva a produtividade da oleaginosa. Mato Grosso é o maior produtor desses feijões no País.

Alta de preços

Sobre uma eventual alta dos preços por causa do aumento das exportações, Lüders é cético. “Temos problemas pontuais de produção do carioca agora, que vão manter o preço elevado. Mas, afora isso, o feijão vai buscar uma paridade do mercado internacional de qualquer forma porque se desvalorizou muito nos últimos anos, enquanto os custos de produção subiram”.

Segundo cálculos do Ibrafe, o preço médio do feijão carioca em dólares ficou em US$ 46,12 no ano passado, abaixo da média de US$ 48,33 registrada entre 2015 e 2020. O feijão preto alcançou a média de US$ 38,54 em 2020, na comparação com US$ 40,75 nos últimos cinco anos.

Carioca do interior de São Paulo

Diferentemente do que está no imaginário popular, o nome do feijão carioca não tem qualquer relação com o Rio de Janeiro, onde, aliás, a preferência é pelo feijão preto. O nome da variedade mais popular no Brasil surgiu por causa de uma raça de suínos de cor bege clara com listras marrons.

A descoberta ocorreu no início dos anos 1970, durante um acompanhamento de campo realizado por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em uma fazenda em Palmital, no interior de São Paulo.

O agricultor apresentou aos agrônomos um grão diferente que havia aparecido em sua plantação, de cor marrom-clara com listras escuras. Foi o produtor que decidiu homenagear o novo feijão com o nome do animal.

Testes do instituto mostraram que a novidade, que é consequência, provavelmente, de mutação genética de outras variedades, era mais resistente a doenças e tinha uma produtividade muito maior. Assim, em 1971, o IAC lançou oficialmente o feijão carioca no mercado e começou a distribuir amostras para o cultivo.

A produção se disseminou e a indústria se viu diante de uma variedade com oferta mais resiliente e boa aceitação dos consumidores. Desde a descoberta, já foram desenvolvidas mais de 40 variações de feijão do mesmo tipo.

Ipsis Litteris

“Para o mercado de feijão voltar a ser atrativo para o produtor brasileiro, é necessário participar mais do mercado internacional”. Com essa afirmação, o presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Ricardo Arioli, expôs os desafios e as oportunidades que o setor produtivo tem na área da leguminosa e de pulses em geral.

Outros feijões, como vigna mungo ou radiata, têm apresentado crescimento expressivo nas exportações brasileiras, destacou ele. “Em 2016, essa classificação era de apenas 5% do total exportado, e em 2020 passou para 32%”.

A CNA promoveu um seminário ontem em comemoração ao Dia Mundial de Pulses. O adido agrícola brasileiro na Índia, Dalci Bagolin, disse que o país asiático representa uma grande oportunidade para o Brasil ampliar as exportações de pulses.

Segundo ele, o volume de consumo dos indianos está estagnado pela alta dos preços internos e demanda por proteína animal, como lácteos e frango. O aumento da população e o crescente uso de pulses em produtos processados pode mudar esse cenário.

A produtividade das lavouras indianas é baixa, em torno de 750 quilos de pulses por hectare, e há limitação da área de plantio, fatores que podem significar oportunidades para o Brasil no mercado indiano.

Outro mercado potencial é a China, com quem o Brasil negocia o início de exportações. Mas o adido agrícola Jeancarlo Manfredini disse que é preciso elencar prioridades nas negociações para a abertura de mercado com os chineses.

 

Fonte: Valor

Equipe SNA

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp