O Centro-Oeste encontrou no etanol um caminho para verticalizar parte de sua crescente produção de milho, que em sua maior parte vai para exportação. Agricultores, usinas de cana e investidores estrangeiros estão tirando do papel projetos de usinas do biocombustível à base do cereal que deverão acrescentar mais de 1 bilhão de litros de capacidade até 2019, volume equivalente a quase um mês de consumo de etanol hidratado (usado diretamente nos tanques dos veículos) no país.
Ao menos seis usinas do gênero deverão ser construídas ou ampliadas em 2018 na região, a partir de cerca de R$ 2 bilhões em investimentos. Quando todas estiverem operando a pleno vapor, sua demanda por milho deverá superar 3 milhões de toneladas por ano, ou cerca de 6% da safra do Centro-Oeste. Hoje, as usinas que usam milho para fabricar etanol demandam aproximadamente 1 milhão de toneladas, 2% da oferta da região.
O número de projetos deverá aumentar, já que há três usinas de cana (duas em Mato Grosso e uma em Goiás) realizando estudos para apostar no etanol de milho e um grupo de produtores goianos com a mesma intenção.
“Para os próximos cinco anos, acredito que deveremos estar com 3 bilhões de litros de etanol de milho por ano, pelo que temos levantado com os empresários. As usinas estão em implantação ou com projetos ‘flex’, que já usam a cana e incluirão o milho como matéria-prima”, disse Ricardo Tomczick, Presidente-Executivo da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Essa onda é impulsionada pela abundância de milho, pela queda dos juros e pelas boas perspectivas para o consumo de etanol combustível no país. Nos últimos meses, a demanda tem crescido porque os motoristas estão trocando a gasolina, mais cara, pelo etanol hidratado. Mas as perspectivas são de que a retomada do crescimento, aliada ao incentivo oferecido pelo programa RenovaBio, alavanquem o consumo de combustíveis como um todo.
“A queda dos juros é importante porque o setor é de capital intensivo”, disse Paulo Motta Júnior, CEO da CerradinhoBio. A empresa vai erguer, ao lado de sua usina de cana em Chapadão do Céu (GO), uma unidade de etanol de milho com capacidade para até 230 milhões de litros por safra a partir de 550.000 toneladas de milho, além de 150.000 toneladas de DDG (subproduto do processamento do milho que é utilizado como ração).
Com aporte de R$ 280 milhões, 70% captados com bancos, a companhia aproveitará parte da estrutura existente, como a energia gerada do bagaço de cana. Segundo Luciano Fernandes, sócio e presidente do conselho, a companhia quer aproveitar a “vocação” para grãos da região, que registra um dos maiores rendimentos de milho do país.
Mas o principal polo de etanol de milho deverá ser também no maior produtor nacional do grão: Mato Grosso. O Estado abriga quatro usinas de etanol, três delas “flex”. A única que usa só milho é a da FS Bioenergia, que começou a operar em julho e acabou de começar a expandir sua capacidade, segundo Henrique Ubrig, Presidente da companhia.
A empresa investirá R$ 350 milhões no novo projeto, para duplicar a estrutura e retirar gargalos industriais. Segundo Ubrig, surpresas positivas surgiram no primeiro semestre de operação, como um bom mercado para a venda de DDG e uma demanda aquecida em Paulínia (SP).
A demanda por DDG foi o chamariz para que o pecuarista Marcos Cerqueira cogitasse investir na área. Seu projeto, a Santa Clara Álcool de Cereais, foi elaborado quatro anos atrás, mas houve atrasos no licenciamento ambiental, e a construção deverá ter início apenas neste ano.
Cerqueira construirá a usina em Vera (MT), colado a Sorriso, que terá capacidade menor que a das demais, mas poderá usar outros grãos além do milho, como sorgo granífero e arroz quebrado, que não vai para consumo humano. Ele não revelou o valor do aporte, mas disse que 65% dele será com capital próprio.
O perfil de investidores é tão diversificado que na lista há até cooperativas de produtores originalmente criadas para comercializar insumos. Uma delas é a catarinense Coprodia, que já tem uma usina de cana em Campo Novo do Parecis (MT) e começou a construir ao lado uma usina de etanol de milho com aporte de R$ 400 milhões.
Outra é a Alcooad, formada por 15 produtores de grãos ligados à Cooperativa Agroindustrial Deciolândia (Cooad), que está buscando capital com fundos constitucionais do governo para iniciar as obras este ano. Eles estimam um investimento de R$ 450 milhões para erguer uma usina capaz de produzir 200 milhões de etanol a partir de 500.000 toneladas de milho. “Para os produtores, a usina é uma opção a mais de cliente”, disse Marcelo Alves, Diretor da Alcooad.
Um dos projetos ‘greenfield’ mais adiantados está em Sinop (MT), onde a paraguaia Inpasa está investindo R$ 500 milhões em uma unidade já anunciada pelo governador Pedro Taques como a maior usina de etanol de milho do país.
“Usineiros de cana de Mato Grosso estão fazendo cálculos para ver se compensa processar milho, já que o retorno do investimento é rápido, de três anos”, disse Glauber Silveira, Vice-Presidente da Abramilho, que representa produtores de milho.
Oferta adicional terá de ser vendida a outros mercados
A expansão da oferta de etanol no Centro-Oeste gerada pelos investimentos em curso ou projetados não será totalmente absorvida pela demanda regional, o que forçará as empresas a buscarem novos mercados para seu produto.
“O problema aqui não é produzir etanol. É como levá-lo a outros mercados a preços competitivos”, disse Jorge dos Santos, Diretor Executivo do SindalcoolMT, que representa as usinas mato-grossenses.
O consumo de etanol hidratado dos três Estados do Centro-Oeste e do Distrito Federal representa cerca de 13% do total nacional. O auge foi em 2015, quando alcançou 2.3 bilhões de litros, abaixo da capacidade instalada prevista para operar em 2019, de mais de 3 bilhões de litros.
Enviar o etanol para o Sudeste, por exemplo, esbarra nos elevados custos logísticos, enquanto buscar um caminho para o Norte ainda é difícil pela falta de infraestrutura. Segundo Santos, o frete atualmente para Paulínia (SP) está em torno de R$ 0,31 por litro, quase 20% do preço do etanol. “O frete tem que ser no máximo 5%, senão não compensa”.
Os investidores em etanol de milho estão buscando formas para lidar com o problema. A CerradinhoBio já utiliza um terminal próprio de transbordo ferroviário para escoar o etanol que produz a partir da cana pela ferrovia entre Rondonópolis e Santos, da Rumo.
Já a FS Bioenergia quer insistir em uma saída para o Norte, apostando na pavimentação da BR 163 para alcançar o porto de Miritituba (PA), no Tapajós. “Talvez dê até para chegar ao Nordeste via cabotagem”, disse Henrique Ubrig, Presidente da empresa. Embora tenha escoado parte de sua produção para Paulínia, Ubrig concorda que o frete ainda é “caro”.
Fonte: Valor